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Cardiologia16 dezembro 2025

MINOCA: impacto do tratamento específico 

Ensaio clínico avaliou o tratamento estratificado em pacientes com infarto do miocárdio com artérias coronárias não obstrutivas (MINOCA)
Por Juliana Avelar

Infarto do miocárdio com artérias coronárias não obstrutivas (MINOCA) corresponde a aproximadamente 6%–8% dos casos de IAM. MINOCA é definido pela evidência clínica de IAM na ausência de doença arterial coronariana obstrutiva (nenhuma estenose ≥ 50%), após exclusão de causas não cardíacas de MINOCA (embolia pulmonar, sepse, anemia grave), causas cardíacas não coronárias (taquiarritmias, bradiarritmias, miocardite, entre outras) e síndrome de Takotsubo.  

MINOCA engloba, então, um amplo espectro de mecanismos subjacentes heterogêneos, como instabilidade de placa aterosclerótica (ruptura ou erosão), espasmo epicárdico ou microvascular, dissecção coronariana espontânea (SCAD) e tromboembolismo coronariano. Até o momento, não havia nenhum ensaio clínico conduzido para orientar o manejo baseado em evidências, e as recomendações atuais de tratamento baseiam-se apenas em estudos observacionais e consenso de especialistas. 

Para abordar essa lacuna, foi desenhado o estudo “PROgnostic Value of Precision Medicine in Patients With Myocardial Infarction and Non-obStructive Coronary artEries” (PROMISE), que teve o objetivo de avaliar se uma estratégia terapêutica estratificada, guiada pelo conhecimento da etiologia do MINOCA, melhora os desfechos clínicos em comparação ao tratamento padrão. 

Métodos 

Ensaio clínico randomizado, multicêntrico, prospectivo, aberto, de superioridade, fase IV, comparando uma abordagem de “tratamento estratificado” versus “cuidados padrão” em pacientes com MINOCA 

Pacientes elegíveis eram adultos hospitalizados com diagnóstico inicial de MINOCA, submetidos à angiografia coronariana invasiva. MINOCA foi definido pelos seguintes critérios: 

  1. Infarto agudo do miocárdio de acordo com a Quarta Definição Universal. 
  2. Doença arterial coronariana não obstrutiva (nenhuma estenose ≥50% em qualquer vaso epicárdico principal). 

Critérios de exclusão incluíam: 

  • Contraindicação à ressonância magnética cardíaca (filtração glomerular <30 mL/min ou dispositivos incompatíveis); 
  • Doença renal e/ou hepática em estágio terminal; 
  • Causas não cardíacas ou cardíacas não coronárias de IAM; 
  • Síndrome de Takotsubo; 
  • Mecanismo de MINOCA já evidente na angiografia basal (por exemplo, dissecção coronariana). 

Os pacientes foram randomizados 1:1 para: 

  • Tratamento estratificado: investigação diagnóstica abrangente para elucidar o mecanismo fisiopatológico do MINOCA, seguida de tratamento farmacológico direcionado; 
  • Tratamento padrão: algoritmo diagnóstico e terapêutico de rotina para MI. 

Pacientes foram incluídos em quatro grandes hospitais universitários terciários na Itália. 

Grupo tratamento estratificado 

Os pacientes foram submetidos a avaliação diagnóstica abrangente, incluindo: 

  • OCT (tomografia de coerência óptica) quando havia suspeita de instabilidade da placa pela angiografia; 
  • Teste provocativo com acetilcolina para avaliar distúrbios vasomotores coronarianos; 
  • Ecocardiograma transesofágico e/ou com contraste quando etiologia embólica era suspeita (como fibrilação atrial, válvulas mecânicas, trombofilias); 
  • Ressonância Magnética Cardíaca. 

Com base no diagnóstico, instituía-se tratamento farmacológico específico. 

Quando a investigação não identificava etiologia (“MINOCA indefinido”), instituía-se esquema empírico abrangente: 

  • Terapia antitrombótica (SAPT, DAPT ou anticoagulação conforme julgamento clínico); 
  • Betabloqueadores e inibidores do sistema renina-angiotensina (IECA ou BRA), se tolerados; 
  • Estatinas. 

Grupo tratamento padrão 

Pacientes receberam investigação diagnóstica de rotina sem exames adicionais (sem OCT ou testes funcionais). A ressonância magnética cardíaca era realizada a critério médico.
O tratamento incluía SAPT ou DAPT, além das demais terapias guiadas por diretrizes. 

Desfechos e seguimento 

desfecho primário foi a diferença entre os grupos na mudança do status de angina aos 12 meses, avaliado pelo Seattle Angina Questionnaire Summary Score (SAQSS). 

desfecho secundário foi a incidência de eventos cardiovasculares maiores (MACE) em 12 meses, definidos como o composto de mortalidade por todas as causas, MI não fatal, AVC, reinternação por insuficiência cardíaca e repetição de angiografia coronariana. 

Análise estatística 

A amostra planejada foi 180 pacientes; porém, devido à baixa taxa de recrutamento durante a pandemia de COVID-19 e ausência de perdas de seguimento, o protocolo foi revisado para 145 pacientes, mantendo o poder estatístico. O estudo foi encerrado após inclusão de 92 pacientes com MINOCA confirmado por benefício claro no desfecho primário no grupo estratificado, maior incidência numérica de MACE no grupo padrão e alinhamento com diretriz ESC 2023, que recomenda avaliação diagnóstica sistemática em suspeita de MINOCA. 

Resultados 

Entre julho de 2021 e junho de 2024, 101 pacientes com diagnóstico inicial de MINOCA foram randomizados: 50 no grupo estratificado e 51 no grupo padrão. Nove foram excluídos posteriormente por diagnósticos alternativos (4 Takotsubo, 5 miocardite). 

Assim, 92 pacientes compuseram a análise final: 45 no grupo estratificado e 47 no padrão. 

A média de idade foi 62 ± 13 anos, e 48% eram mulheres. A ressonância magnética cardíaca foi realizada em 77% dos pacientes. 

Os valores basais do SAQSS não diferiam entre os grupos. 

Desfecho primário 

O SAQSS foi significativamente maior no grupo estratificado:82,7 ± 7,3 versus 74,7 ± 10,3P < 0,001. 

A melhora foi 9,38 pontos maior (P < 0,001), consistente em todos os domínios do SAQ: limitação física, estabilidade da angina, frequência da angina, satisfação com o tratamento e qualidade de vida. 

Pacientes sem angina aos 12 meses foram: 36 (80,0%) no grupo estratificado e 28 (62,2%) no grupo padrão (P = 0,06; tendência significativa) 

Aos 12 meses, MACE ocorreu em 5 pacientes, sem diferença significativa. 

Nenhum evento adverso grave secundário à investigação diagnóstica avançada ocorreu no grupo estratificado. Não houve eventos adversos graves relacionados à terapia médica em ambos os grupos. 

MINOCA: impacto do tratamento específico 

Utilidade diagnóstica 

No grupo de tratamento estratificado, a investigação diagnóstica identificou com sucesso a etiologia subjacente do MINOCA em 36 de 45 pacientes (80%).  A etiologia mais frequente foi espasmo epicárdico, seguido por instabilidade de placa aterosclerótica em 10 pacientes, SCAD em 6 pacientes (13,3%), embolia coronariana em 2 pacientes (4,4%) e espasmo microvascular em 2 pacientes (4,4%). Em 9 pacientes (20%), a etiologia do MINOCA permaneceu indefinida. Importante notar que todos os pacientes com etiologia indefinida foram submetidos à RMC. 

Ao comparar a etiologia suspeita antes da investigação diagnóstica avançada com o diagnóstico final estabelecido após os exames, a impressão diagnóstica inicial foi reclassificada em 34 pacientes (75,5%). 

O benefício do tratamento estratificado provavelmente se deve à sua capacidade de definir o mecanismo subjacente do MINOCA e direcionar a terapia apropriada.  Pacientes no braço de cuidados padrão foram manejados de acordo com protocolos convencionais pós-MI, recebendo, em sua maioria, esquemas uniformes que incluíam terapia antiplaquetária, estatinas e betabloqueadores, independentemente da fisiopatologia subjacente. Embora tal terapia possa ser adequada para algumas etiologias (por exemplo, instabilidade de placa), ela é subótima ou até potencialmente prejudicial em outras (por exemplo, betabloqueadores podem aumentar o risco de eventos recorrentes na angina vasoespástica; SAPT ou DAPT são inadequadas em caso de embolia coronária) 

Vale destacar que o PROMISE fornece os primeiros dados sobre a prevalência de diferentes mecanismos subjacentes em MINOCA, empregando o que é, provavelmente, o método diagnóstico mais abrangente e padronizado até o momento. Espasmo epicárdico foi a etiologia mais comum, identificada em aproximadamente um terço dos pacientes (35,6%), seguido por instabilidade de placa aterosclerótica (22,2%), SCAD (13,3%) e, menos frequentemente, embolia coronária e espasmo microvascular (cada um com <5%). Esses achados diferem dos de estudos observacionais anteriores, que geralmente relataram maior prevalência de ruptura de placa e menor prevalência de mecanismos vasoespásticos, diferenças que provavelmente derivam da variabilidade nos protocolos diagnósticos e na completude da avaliação. 

Apesar do uso de imagem intracoronária, testes de vasomotricidade e imagem multimodal, um mecanismo definitivo permaneceu não identificado em 20% dos pacientes. Essa incerteza diagnóstica residual tem várias implicações importantes. Primeiro, reforça a heterogeneidade biológica do MINOCA e a noção de que não se trata de uma única doença, mas de uma síndrome com processos fisiopatológicos diversos. Segundo, reflete desafios do mundo real, já que nem todos os testes diagnósticos são factíveis ou interpretáveis em todos os pacientes, seja por instabilidade clínica, limitações anatômicas ou qualidade subótima de imagem. Terceiro, embora a RMC tenha sido realizada em aproximadamente 80% dos pacientes no PROMISE, isso ainda deixa uma proporção sem o benefício da caracterização tecidual miocárdica, o que reforça as recomendações para realização rotineira de RMC em todos os casos de MINOCA sempre que possível. Por fim, o fato de um em cada cinco pacientes permanecer sem diagnóstico definitivo mesmo após avaliação abrangente ressalta a necessidade urgente de contínua inovação em estratégias diagnósticas. 

Limitações 

Este estudo apresenta várias limitações:

  • O tamanho amostral foi relativamente modesto e o estudo não foi dimensionado para detectar diferenças em MACE ou outros desfechos secundários. Portanto, conclusões definitivas sobre redução de eventos clínicos não podem ser obtidas a partir deste ensaio isoladamente. 
  • O desenho aberto pode ter introduzido viés de desempenho, particularmente em relação a desfechos relatados pelos pacientes. 
  • Foi conduzido em quatro hospitais universitários terciários na Itália, todos com elevado nível de expertise em diagnóstica coronária invasiva e imagem cardíaca. Isso pode limitar a generalização dos achados para centros sem acesso a modalidades de imagem avançadas ou equipe especializada.  
  • O período de seguimento foi limitado a 12 meses, que pode ser insuficiente para capturar o impacto de longo prazo da terapia específica em desfechos clínicos “duros”, tais como IAM recorrente, insuficiência cardíaca ou mortalidade.  

Conclusões 

No primeiro ensaio randomizado em MINOCA, um tratamento estratificado, baseado em avaliação diagnóstica abrangente e terapia guiada pela etiologia, levou a melhora significativa no estado de saúde relacionado à angina. Entretanto, devido ao pequeno tamanho amostral e ao desenho aberto, necessitamos de validação de estudos mais robustos. Ademais, investigações adicionais são necessárias para avaliar o impacto dessa abordagem em desfechos clínicos duros e em diferentes contextos de sistemas de saúde.

Autoria

Foto de Juliana Avelar

Juliana Avelar

Médica formada pela Universidade Federal Fluminense (UFF). Cardiologista pelo Instituto Dante Pazzanese de Cardiologia

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