A falta de ensaios clínicos randomizados atuais e de recomendações consensuais sobre a duração da terapia com betabloqueadores após infarto do miocárdio resultou em terapia vitalícia para muitos pacientes. Acontece que o benefício da terapia com betabloqueadores em pacientes com infarto do miocárdio é derivado de ensaios realizados antes da era moderna de reperfusão miocárdica e farmacoterapia.
Estudo: Betabloqueadores após Infarto Agudo do Miocárdio (IAM)
Nesse contexto, foi desenhado o ensaio ABYSS para avaliar a continuidade ou interrupção dos betabloqueadores em pacientes com histórico de infarto do miocárdio e fração de ejeção do ventrículo esquerdo de pelo menos 40%. A hipótese a ser provada era a de que a interrupção dos betabloqueadores seria clinicamente segura e que a qualidade de vida dos pacientes melhoraria.
Tratou-se de um ensaio multicêntrico de não inferioridade, conduzido em 49 centros clínicos na França, de acordo com um design PROBE (prospectivo, randomizado, aberto, com ponto final cego).
Os pacientes eram elegíveis para inclusão se tivessem um histórico de infarto do miocárdio ocorrido pelo menos seis meses antes e estivessem sendo tratados com um betabloqueador, independentemente do agente ou da dose.
Os principais critérios de exclusão eram insuficiência cardíaca crônica ou fração de ejeção ventricular esquerda reduzida (<40%), qualquer evento cardíaco nos seis meses anteriores ou qualquer outra indicação primária para a terapia com betabloqueadores, como arritmia, enxaqueca ou hipertensão descontrolada.
Os pacientes foram aleatoriamente designados, na proporção de 1:1, para uma estratégia de interrupção ou continuação da terapia com betabloqueadores, utilizando o mesmo agente e na mesma dose. A interrupção do betabloqueador poderia ser feita de forma gradual se o paciente estivesse recebendo uma dose alta do medicamento, conforme a preferência do médico. Todos os pacientes foram avaliados aos 6 meses e 12 meses, e depois anualmente após a randomização, até que o último participante completasse o seguimento mínimo de um ano.
O desfecho primário foi um composto de morte, infarto do miocárdio não fatal, acidente vascular cerebral (AVC) não fatal ou hospitalização por qualquer outra razão cardiovascular. O principal desfecho secundário foi a mudança na pontuação do questionário European Quality of Life–5 Dimensions (EQ-5D) do início até 6 meses e 12 meses.
Foram randomizados 3.698 pacientes: 1.846 para o grupo de interrupção e 1.852 para o grupo de continuação. A idade média dos pacientes foi de 63,5±11 anos e 17,2% eram mulheres. No momento da randomização, as características clínicas dos dois grupos pareciam bem equilibradas em termos de fatores de risco e medicamentos recomendados nas diretrizes para prevenção secundária.
Haviam sofrido um infarto do miocárdio com supraST 2.330 pacientes (63,0%) e 287 pacientes (7,8%) haviam tido mais de um infarto do miocárdio anterior. O tempo mediano entre o infarto qualificador e a randomização foi de 2,9 anos.
No início do estudo, o betabloqueador mais prescrito foi o bisoprolol (em 71,5% dos pacientes). A distribuição e a dose média do betabloqueador entre os dois grupos pareceram ser semelhantes. Os pacientes foram acompanhados por um período mediano de 3 anos.
Desfechos do estudo
Um evento de desfecho primário ocorreu em 432 de 1.812 pacientes (23,8%) no grupo de interrupção e em 384 de 1.821 pacientes (21,1%) no grupo de continuação.
Houve óbito em 76 pacientes (4,1%) no grupo de interrupção e em 74 (4,0%) no grupo de continuação; infarto do miocárdio ocorreu em 46 pacientes (2,5%) e 44 pacientes (2,4%), respectivamente; acidente vascular cerebral (AVC) ocorreu em 18 pacientes (1,0%) e 19 pacientes (1,0%), respectivamente; e hospitalização por causas cardiovasculares ocorreu em 349 pacientes (18,9%) e 307 pacientes (16,6%), respectivamente.
O desfecho composto de morte, infarto do miocárdio ou acidente vascular cerebral (AVC) ocorreu em 132 pacientes (7,2%) no grupo de interrupção e em 126 pacientes (6,8%) no grupo de continuação.
Os resultados mostram que a não inferioridade não foi demonstrada em relação ao risco de morte, infarto do miocárdio não fatal, acidente vascular cerebral não fatal ou hospitalização por razões cardiovasculares (o desfecho primário composto). Além disso, a interrupção da terapia com betabloqueadores não resultou em uma melhora na qualidade de vida relatada pelos pacientes.
Vale destacar que o estudo tem várias limitações. Primeiro, o estudo não foi cegado, o que pode ter influenciado vários desfechos, incluindo a avaliação da qualidade de vida. Além disso, o estudo foi conduzido em um único país, então os resultados podem não ser generalizáveis para outros sistemas de saúde com práticas diferentes.
Esses resultados devem ser considerados no contexto dos resultados recentes do estudo REDUCE-AMI, que sugeriu que betabloqueadores orais iniciados durante a fase aguda do infarto do miocárdio não levaram a um risco menor de morte ou novo infarto do miocárdio. Vale destacar que nesse estudo não foi avaliada hospitalização por causas cardiovasculares, desfecho que aumentou no estudo em discussão após suspensão de betabloqueador.
Outros estudos que estão avaliando a superioridade dos betabloqueadores após um infarto do miocárdio não complicado com fração de ejeção ventricular esquerda preservada estão em andamento.
Conclusão
A interrupção do tratamento de longo prazo com betabloqueadores em pacientes com histórico de infarto do miocárdio não demonstrou ser não inferior a uma estratégia de continuação do betabloqueador em relação ao desfecho composto de morte, infarto do miocárdio não fatal, acidente vascular cerebral não fatal ou hospitalização por razões cardiovasculares, nem pareceu melhorar a qualidade de vida dos pacientes. Mais estudos sobre esse tema estão em andamento e, num futuro próximo, deveremos ter mais respostas sobre o uso dos betabloqueadores pós IAM.
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