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Cardiologia8 julho 2024

Infarto com coronárias normais? Como diagnosticar?

MINOCA é definido como infarto agudo do miocárdio (IAM) na ausência de estenose significativa (> 50%) das artérias coronárias na angiografia.

O infarto com coronárias normais, ou infarto com coronárias sem doença obstrutiva, da sigla em inglês MINOCA, compreende um grupo heterogêneo de doenças e nos últimos anos temos visto aumento dos diagnósticos das suas diversas etiologias, em decorrência das novas tecnologias desenvolvidas.  

Recentemente foi publicado um resumo sobre o assunto pela Sociedade Canadense de Cardiologia. Abaixo seguem os principais pontos.  

Veja também: Complicações relacionadas a cateteres venosos centrais (CVC)

Homem com princípio de infarto levando a mão ao peito.

Definição de infarto com coronárias normais

MINOCA é definido como infarto agudo do miocárdio (IAM) na ausência de estenose significativa (> 50%) das artérias coronárias na angiografia. O IAM pode ser decorrente de diversos mecanismos: ruptura de placa com trombose, dissecção intraluminal, embolia ou vasoespasmo, por exemplo. 

Pela definição, causas não isquêmicas de injúria miocárdica, como síndrome de Takotsubo e miocardite, devem ser excluídas. Além disso, MINOCA não inclui o diagnóstico de IAM tipo 2, que deve ser considerado em situações de claro desbalanço entre oferta e consumo de oxigênio.   

Epidemiologia 

O diagnóstico tem aumentado nos últimos anos, porém a incidência é bastante variável, com algumas coortes mostrando que ocorre em até 6% dos casos de IAM. Esses pacientes costumam ser mais jovens, do sexo feminino e com menos hiperlipidemia. 

Fisiopatologia 

Os mecanismos são diversos: ruptura de placa, tromboembolismo, vasoespasmo, disfunção microvascular ou dissecção espontânea de coronárias (DEC). As causas ateroscleróticas correspondem a dois terços dos casos e geralmente a fisiopatologia e fatores de risco são semelhantes aos do IAM relacionado à doença aterosclerótica obstrutiva.  

O vasoespasmo resulta de hiper-reatividade da musculatura lisa de vasos epicárdicos ou microvasos e pode ocorrer de forma espontânea ou em resposta a alérgenos (síndrome de Kounis), medicações, como os quimioterápicos, toxinas ou tumores como feocromocitoma. Tabagismo é fator de risco associado. 

DEC predomina em mulheres (>90%) e é causado pela formação de um hematoma intramural com obstrução do lúmen ao fluxo distal. Corresponde a 4% dos IAM, mas nas mulheres com menos de 50 anos, a incidência chega a 40%. O diagnóstico é angiográfico, porém algumas vezes pode passar despercebido e a tomografia de coerência óptica (OCT) ou ultrassom intracoronário (USG) podem ser de grande auxílio, pois conseguem visualizar o hematoma intramural. Fatores de risco são displasia fibromuscular e estresse físico e emocional. 

Tromboembolismo coronário é incomum e também pode passar despercebido na angiografia, quando a oclusão é muito distal. A embolia pode ser originária de trombo vindo das coronárias epicárdicas, outras artérias sistêmicas e das câmaras ou valvas cardíacas. 

A disfunção microvascular resulta de prejuízo da vasodilatação mediada pelo óxido nítrico e é caracterizada por vasoconstrição microvascular exagerada com consequente redução da reserva de fluxo.  

Saiba mais: Miocardiopatia induzida por arritmia

Apresentação clínica do infarto com coronárias normais

O quadro clínico é semelhante ao do infarto agudo do miocárdio por causa aterosclerótica e costuma ser mais frequente no contexto de IAM sem supradesnivelamento do segmento ST. 

Prognóstico 

Apesar de não haver obstrução coronariana, não é quadro benigno e a mortalidade, eventos adversos graves e taxa de readmissão podem ser semelhantes aos com IAM por causa aterosclerótica. 

Investigação e diagnóstico 

Para o diagnóstico o paciente deve ter critérios para IAM e ausência de obstruções maiores que 50%. A angiografia deve ser cuidadosamente avaliada para excluir DEC e oclusões de pequenos vasos, assim como devem ser excluídos outros diagnósticos diferenciais, como Takotsubo e miocardite. Deve-se realizar tentativa de identificar o evento causador do MINOCA. 

Uma sugestão de fluxo diagnóstico colocada é: na ausência de obstrução na angiografia, procurar DEC, com realização de OCT se disponível. Caso não disponível e excluídas outras causas para o quadro, a angiografia deve ser revista por outro especialista. Caso considerada sem alterações relevantes, realizar-se ressonância magnética cardíaca (RMC), de preferência em até 14 dias do evento. 

As alterações encontradas na RMC guiam a investigação: 

– Realce subendocárdico ou transmural com edema associado em território de uma artéria coronária sugere infarto aguo do miocárdio. Deve-se retornar a hemodinâmica para complementar a avaliação com OCT e achada de ruptura, erosão ou nódulo calcificado configura ruptura de placa como etiologia, “rasgo” intimal ou hematoma intramural configura DEC, embolia coronária sugere investigar trombofilias, realizar ecocardiograma transesofágico e consulta com hematologista.  

Caso a OCT não tenha alterações sugere-se estudo funcional na hemodinâmica: teste de provocação com acetilcolina configura vasoespasmo e redução de reservada de fluxo disfunção microvascular.   

– Realce endocárdico focal ou multifocal, intramural ou transmural, com edema associado, com ou sem trombo em VE sugere tromboembolismo. 

– Defeito de perfusão no teste de estresse sugere disfunção microvascular.  

– Edema em segmento basal, médio e apical, sem realce tardio, em território que não compreende o de apenas uma coronária sugere Takotsubo. 

– Realce subepicárdico com edema associado com ou sem derrame pericárdico sugere miocardite. 

Além disso, deve-se realizar ecocardiograma transtorácico em todos os pacientes, exame facilmente disponível que auxilia a excluir outras causas, além de avaliar a função cardíaca. A RMC, como vimos, além de avaliar a função, consegue caracterizar os tecidos, facilitando o diagnóstico. Assim, é exame considerado de primeira linha nos casos de MINOCA.  

A angiografia é exame essencial e os métodos complementares como USG e OCT complementam a avaliação, possibilitando o diagnóstico. O OCT fornece imagens em cortes transversais de alta resolução, que possibilitam avaliação da morfologia da placa, integridade e espessura da capa fibrosa. A combinação do OCT e RMC possibilita o diagnóstico em até 85% dos pacientes.  

Em relação à avaliação funcional, os testes provocativos avaliam vasoespasmo e doença microvascular e são realizados com a administração de acetilcolina e/ou ergonovina na angiografia.   

Tratamento do infarto com coronárias normais

Todos os pacientes devem ser encaminhados para reabilitação cardíaca e o tratamento medicamentoso varia a depender da etiologia.  

– Quando relacionado à ruptura ou erosão de placa é semelhante ao infarto agudo do miocárdio de causa aterosclerótica: aspirina, inibidor de P2Y12, estatina, IECA/BRA, betabloqueador (BB). Se fração de ejeção do VE (FEVE) < 40%, indica-se tratamento para insuficiência cardíaca com fração de ejeção reduzida (ICFER) e os com hipertensão, diabetes e doença renal crônica tèm benefício de IECA ou BRA.  

– Disfunção microvascular: não há estudos específicos nessa população, porém para controle da angina indica-se BB, bloqueadores de canal de cálcio (BCC) e, menos frequentemente, nitrato. Ranolazina pode ser considerada e estatina e IECA parecem ter benefício prognóstico. 

– Vasoespasmo: o tratamento consiste em BCC não di-hidropiridinicos e nitratos. Pode-se considerar associar BCC di-hidropiridínicos e, em casos refratários, pode-se usar nicorandil 

– DEC: na maioria das vezes se resolve espontaneamente e o tratamento conservador é preferido, exceto em casos de instabilidade. Aspirina e BB estão indicados e inibidor de P2Y12 é controverso, com a tendência de uso por 3 a 12 meses.  

– Embolia coronariana: anticoagulação é recomendada na presença de fibrilação atrial e suspeita de trombose de prótese. Em casos de trombofilia recomenda-se avaliação com hematologista. 

– Causa desconhecida: em 15% não conseguimos identificar a causa e o tratamento deve ser individualizado de acordo com os fatores de risco do paciente e etiologia mais provável. Parece haver algum benefício de IECA ou BRA e estatinas. Já o uso de BB é controverso e antiagregação não parece ter benefício nessa situação. 

Leia ainda: Atualizações IC: Comorbidades, diagnóstico, exames de imagem e causas específicas 

Comentários e conclusão 

O diagnóstico e tratamento de MINOCA é um desafio, principalmente devido à necessidade de exames nem sempre disponíveis. O encaminhamento de pacientes a centros especializados deve ser considerado se houver dificuldade de manejo. 

Como vimos, a etiologia de MINOCA é bastante heterogênea e afeta mais as mulheres. Assim, devemos conhecer os critérios diagnósticos para melhorar a detecção dos casos e proporcionar um manejo adequado, objetivando melhora da qualidade de vida e da sobrevida desses pacientes. 

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Referências bibliográficas

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