Hipotermia na parada cardiorrespiratória tem benefício?
O papel do controle de temperatura no manejo de injuria cerebral pós-anóxica continua controverso e a recomendação das diretrizes atuais em relação aos pacientes inconscientes que foram ressuscitados com sucesso após uma parada cardiorrespiratória (PCR) é evitar febre de forma proativa por pelo menos 72 horas. Porém, essas diretrizes reforçam que não há evidências conclusivas para indicar ou contraindicar a manutenção de temperaturas mais baixas. O estudo TTM-2 mostrou que hipotermia a 33 °C não reduziu mortalidade nem melhorou desfechos funcionais em pacientes com PCR extra-hospitalar em comparação a evitar febre de forma precoce, inclusive quando a PCR era em ritmo chocável.
Ao contrário, no estudo HACA, pacientes com PCR presenciada que tinham ritmo chocável e foram submetidos a hipotermia a 33 °C tiveram melhores desfechos neurológicos que os pacientes do grupo controle. Um outro estudo pequeno também mostrou benefício neste subgrupo de pacientes quando submetidos a hipotermia pré-hospitalar.
Já um estudo sueco não mostrou benefício na sobrevida em 6 meses quando comparou utilização de temperaturas de 33 e 36 °C. Porém, ao se analisar o subgrupo de pacientes com as características citadas anteriormente, houve diferença em mortalidade.
Assim, foi feita uma análise secundária do estudo TTM-2 para avaliar se a hipotermia terapêutica a 33 °C estava associada a menor probabilidade de mortalidade e/ou desfechos funcionais adversos em subgrupo de pacientes com características semelhantes ao do estudo HACA. Abaixo, seguem os principais pontos desta análise.
Métodos do estudo e população envolvida
Foi uma análise post-hoc secundária do estudo TTM-2, internacional, multicêntrico, randomizado e controlado que comparou efeitos da hipotermia a 33 °C e manutenção de normotermia (temperatura < 37,8 °C) por 24 horas em pacientes com características semelhantes aos do estudo HACA.
Os critérios de inclusão eram PCR presenciada, ritmo inicial de taquicardia ventricular sem pulso (TVSP) ou fibrilação ventricular (FV), causa cardíaca presumida, idade de 18 a 75 anos, intervalo estimado de início de atendimento entre 5 e 15 minutos e retorno da circulação espontânea (RCE) em menos que 60 minutos.
O desfecho primário era a sobrevida em seis meses e o desfecho secundário era a ocorrência de desfechos funcionais favoráveis, definido pela escala de Rankin modificada, em seis meses. Outros desfechos avaliados foram o tempo para o óbito, ocorrência de arritmias, pneumonia, sepse ou qualquer sangramento grave.
Resultados
Os pacientes foram incluídos no período de novembro de 2017 a janeiro de 2020 e a análise final contou com 600 pacientes, 294 no grupo hipotermia e 306 no grupo normotermia.
Na admissão, mais de 80% tiveram a RCP iniciada por quem a presenciou e a mediana de tempo para RCE foi de 22 minutos. A temperatura alvo foi atingida com dispositivo específico em 98% dos pacientes no grupo hipotermia e 52,9% no grupo normotermia.
Em seis meses, a sobrevida foi semelhante: 70,4% no grupo hipotermia e 71,8% no grupo normotermia. A análise de desfechos funcionais também foi semelhante entre os dois grupos. O grupo hipotermia teve maior incidência de arritmias e não houve diferença em relação à sepse, sangramento e pneumonia.
Comentários e conclusão: hipotermia na parada cardiorrespiratória
Nesta análise secundária do estudo TTM-2, hipotermia não foi associada a melhora de sobrevida ou de desfechos funcionais em seis meses comparado com normotermia em pacientes adultos com PCR extra-hospitalar em ritmo inicial chocável e critérios de inclusão e exclusão de acordo com os estudos prévios que mostraram benefício.
Assim, não foi encontrado o benefício descrito nos dois grandes estudos iniciais sobre o assunto. Porém, este estudo teve algumas diferenças em relação às características dos pacientes, maior taxa de RCP realizada antes da chegada do serviço de emergência e maior sobrevida.
Os dois estudos iniciais tinham amostras menores e qualidade metodológica não tão boa comparado ao TTM-2 e um ponto importante é que houve melhora na qualidade do cuidado pós PCR no geral, com melhor manejo do paciente, em especial com a prevenção de febre e manutenção de normotermia. Isso se contrasta com os estudos prévios, nos quais os pacientes eram levemente hipertérmicos e pode ter contribuído para esta diferença nos resultados.
Além disso, esse estudo teve alta taxa de RCP iniciada antes da chegada do serviço de emergência, diferente dos estudos prévios, o que pode sugerir que o benefício da hipotermia seja maior para os que demoram mais a receber o atendimento, porém isto é apenas uma hipótese.
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