Sabemos que a hipotensão é frequentemente associada ao uso intravenoso de furosemida, o que muitas vezes resulta na suspensão do remédio ou do seu uso em subdose, o que muitas vezes resulta na alta sem descongestão completa nos pacientes com IC descompensada. A hipotensão aparece como efeito possível em muitas fontes, mas até hoje não havia um estudo dedicado a avaliar se isso realmente ocorre.
Nesse contexto, foi publicado recentemente no Academic Emergency Medicine um estudo que buscou caracterizar as tendências da pressão arterial sistólica (PAS) e as taxas de hipotensão antes e depois do tratamento com diurético de alça IV na IC descompensada, analisando monitorização contínua da pressão arterial ajustada para confundidores e efeitos variáveis no tempo.
Trata-se de um estudo multicêntrico prospectivo observacional realizado em cinco departamentos de emergência (DEs) em dois estados norte-americanos.
Foram incluídos pacientes com suspeita clínica de IC descompensada e qualquer um dos seguintes: dispneia atribuída principalmente à IC, edema pulmonar em radiografia de tórax e/ou BNP (NT-proBNP) > 300 pg/mL. Critérios de exclusão incluíram: temperatura > 38,5°C, suspeita de sepse, infarto agudo do miocárdio com supradesnivelamento do ST, gravidez, condição de preso, fração de ejeção (FE) desconhecida nos últimos 12 meses e ausência de confirmação diagnóstica de IC.

Monitorização da Pressão Arterial
Pacientes elegíveis foram monitorizados com o dispositivo ClearSight (Edwards Lifesciences), que avalia continuamente pressão arterial e frequência cardíaca a partir de artérias digitais e radial, gerando onda de pressão arterial não invasiva. Medidas de PAS, PAD, PAM e FC foram registradas a cada 20 segundos para análise de regressão.
Desfechos
Foram coletados prospectivamente: PAS, PAD, PAM, FC, intervenções e tempo/dose dos diuréticos. O desfecho primário foi PAS. A comparação principal foi a diferença na PAS em relação ao momento e à dose da diurese IV, em contraste com outras intervenções e fatores do paciente. A dose de furosemida foi a considerada clinicamente apropriada pelo médico.
PAS foi analisada como variável contínua e dicotômica para hipotensão (PAS < 90 mmHg). Hipotensão sustentada foi definida como PAS média < 90 mmHg por períodos de 10, 20 e 30 minutos.
Resultados
A análise incluiu 91.210 observações (598,2 horas-pessoa de monitorização) de 253 pacientes. A maioria (85% versus 92% com/sem diurético IV) teve ≤ 10 minutos acumulados de hipotensão. Um total de 6% das observações (n = 5.150) foram hipotensivas.
Os pacientes tinham idade mediana 60 anos, FE 40% (25%–59%) e BNP 1070 (414–2055). Pacientes que receberam diurético IV diferiram daqueles que não receberam quanto a histórico de diálise, uso domiciliar de diurético de alça, sódio sérico e uso oral de diurético no DE. Outras características foram semelhantes.
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A dose mediana de diurético IV foi 40 mg (equivalente furosemida). A PAS mediana no momento da administração foi 148 mmHg (126–174).
Em média, a PAS diminuiu 6 mmHg após administração (p < 0,001). A incidência de hipotensão foi 6,0% no total, semelhante antes e depois do diurético (6,1% vs. 6,0%).
Embora 155 pacientes tenham apresentado pelo menos uma medida < 90 mmHg, a maioria não foi sustentada. Hipotensão sustentada ≥ 10 min ocorreu em 4,9%, e ≥ 20 min em 4,7%, sem diferenças significativas antes/depois. Nenhum episódio durou ≥ 30 min.
Hipotensão (incluindo sustentada) foi mais comum quando a PAS basal < 100 mmHg. Com aumento dos decis de PAS basal, a incidência de hipotensão diminuiu. Nenhum paciente precisou de vasopressores.
As tendências ajustadas mostraram que, após uma dose de 80 mg, ocorreu um nadir precoce da PAS por volta de 147 minutos, consistente com o pico de efeito da furosemida em 2 horas. A PAS então aumentou e estabilizou, sem retorno total à linha de base em 6 horas.
Características associadas a PAS mais baixa incluíram: FE reduzida, idade avançada, PAS basal mais baixa, maior IMC, diabetes, betabloqueador domiciliar, troponina elevada, hiponatremia, hipocalemia, bradicardia e fibrilação atrial no ECG.
Muitas coadministrações com furosemida IV tiveram efeitos multiplicativos sobre a pressão arterial sistólica. A coadministração de furosemida com inibidores da ECA ou bloqueadores do receptor de angiotensina, com ventilação não invasiva por pressão positiva e com diltiazem oral esteve associada a uma redução significativamente maior da PAS do que a furosemida isoladamente e do que cada tratamento administrado isoladamente (p de interação < 0,05).
O diltiazem — tanto em coadministração com furosemida quanto isoladamente — foi o tratamento mais fortemente associado à redução da PAS.
Discussão
Foram descritos, pela primeira vez, os efeitos sobre a pressão arterial e o risco de hipotensão associados à furosemida intravenosa em pacientes com IC descompensada. Os dados mostram que a associação entre PAS e furosemida IV nas 6 horas após a administração é modesta nas doses comumente utilizadas, e que apenas 1,4% da variabilidade da PAS ao longo do tempo foi explicada pela furosemida IV.
A hipotensão também foi rara quando a furosemida foi administrada a pacientes com PAS basal acima de 110 mmHg. O risco de hipotensão associado a 80 mg de furosemida IV foi ≤ 2% em pacientes com PAS basal ≥ 120 mmHg. Para a dose de 40 mg, o risco de hipotensão associado à furosemida IV foi ≤ 2% com PAS de 90–100 mmHg e < 1% com PAS ≥ 110 mmHg.
Essas taxas de hipotensão associada à furosemida parecem ainda menos clinicamente relevantes quando alguns fatores adicionais são considerados. Primeiro, não houve risco observado de hipotensão decorrente da furosemida IV após 6 horas — ou seja, toda hipotensão associada ao fármaco foi transitória, independentemente da dose ou da PAS inicial. Segundo, nenhum paciente apresentou hipotensão sustentada por ≥ 30 minutos consecutivos, também independente da dose ou da PAS basal. Terceiro, os minutos cumulativos de hipotensão atribuídos à furosemida IV ao longo do período de 6 horas foram poucos.
Pressão basal mais baixa e doses mais altas foram os principais correlatos do risco de hipotensão atribuído especificamente à furosemida IV. A dose de 100 mg foi associada a uma redução quase quatro vezes maior da PAS em comparação a 80 mg (−38,4 mmHg), além de maiores taxas de hipotensão. Ainda assim, a maior duração cumulativa de hipotensão relacionada à furosemida IV — observada em pacientes com PAS basal de 90 mmHg e dose de 100 mg — foi de apenas 23 minutos (16–30 min), equivalente a 6,3% do período total de 6 horas.
Os achados ajudam os médicos a reconhecer que a PAS basal pode influenciar o risco de hipotensão, permitindo decisões mais individualizadas. Fatores associados ao paciente, como FE muito baixa, idade avançada e fibrilação atrial, aumentaram significativamente a redução da PA e o risco de hipotensão. Em pacientes com essas características, pode ser razoável usar doses menores (por exemplo, 40 mg) quando a PAS pré-tratamento é limítrofe ou baixa (por exemplo, < 110 mmHg).
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Limitações
Os resultados são limitados pelo caráter observacional, mas um ensaio randomizado furosemida vs placebo é improvável.
Outras limitações incluem:
- Poucas doses acima de 80–100 mg, exigindo cautela na interpretação de doses mais altas;
- Apesar de validado, o dispositivo não é padrão ouro; estudo totalmente invasivo seria inviável devido ao grande número de pacientes;
- Foi avaliada apenas a dose inicial no departamento de emergência, não efeitos acumulativos durante a internação.
Conclusão: Furosemida e hipotensão
O risco de hipotensão associado à furosemida IV no tratamento da IC descompensada é baixo e ocorre predominantemente em pacientes com PAS basal baixa e em doses mais elevadas do diurético. Além disso, quando ocorre, é transitório na maior parte das vezes. Esses resultados devem tranquilizar os médicos de que a administração de doses de diurético de alça recomendadas pelas diretrizes é hemodinamicamente segura para a grande maioria dos pacientes com IC descompensada.
Autoria

Juliana Avelar
Médica formada pela Universidade Federal Fluminense (UFF). Cardiologista pelo Instituto Dante Pazzanese de Cardiologia
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