O estudo DAPA ACT HF-TIMI 68, apresentado no Congresso da European Society of Cardiology (ESC 2025), focou na iniciação de inibidores do cotransportador de sódio-glicose 2, os ISGLT2, em pacientes hospitalizados por insuficiência cardíaca (IC).
Hoje, está bem documentada a eficácia dos ISGLT2 em melhorar o prognóstico a longo prazo de pacientes ambulatoriais com IC, tanto na presença ou ausência de diabetes mellitus. No entanto, há dados limitados sobre os efeitos de curto prazo para pacientes hospitalizados com exacerbação da doença.
Além da apresentação do estudo original, foi apresentada também uma meta-análise sobre o tema.
Objetivo do DAPA ACT HF-TIMI 68
Avaliar se o início da terapia ainda intra-hospitalar de dapagliflozina, poderia diminuir o risco precoce de morte cardiovascular ou piora da IC.
Metodologia
- Ensaio clínico randomizado duplo-cego, controlado por placebo envolvendo 2.401 pacientes com 18 anos ou mais, hospitalizados com diagnóstico primário de IC, apresentando sinais e sintomas de hipervolemia e NTproBNP ou BNP elevados.
- O desenho inicial do estudo foi para pacientes com fração de ejeção do ventrículo esquerdo (FEVE) ≤ 40%, no entanto, após resultados de outros estudos como EMPEROR-Preserved, foi incluído pacientes com FEVE > 40%.
- Os pacientes foram randomizados 1:1 para receber dapagliflozina 10 mg ao dia versus placebo, pelo menos 24 horas e não mais de 14 dias após a internação, de forma a ter seu início o mais precoce possível após a estabilização inicial.
- Os critérios de estabilização incluíram a não intensificação da dose de diuréticos intravenosos durante as 12 horas anteriores à randomização e a não utilização de vasodilatadores intravenosos ou inotrópicos durante as 24 horas anteriores à randomização.
- O tratamento foi administrado por 60 dias, com visitas de acompanhamento agendadas para 7, 30 e 60 dias após a randomização. O estado de saúde relacionado à IC foi avaliado usando o escore KCCQ-12 no início e ao final do estudo.
- Desfecho Primário: O principal desfecho de eficácia foi um composto de tempo para morte cardiovascular ou piora da IC nos primeiros 2 meses.
- Os desfechos secundários de eficácia incluíram um composto de tempo até a morte cardiovascular, re-hospitalização por IC ou visita médica de urgência por IC; um composto de tempo até a morte cardiovascular ou re-hospitalização por IC; um composto de tempo até a re-hospitalização por IC ou visita urgente à IC; cada componente individual do resultado primário de eficácia; e tempo até a morte por todas as causas.
- Os principais desfechos de segurança incluíram hipotensão sintomática, levando à hospitalização ou à descontinuação do medicamento em estudo, e piora da função renal, resultando em pelo menos o dobro da creatinina sérica, hospitalização, descontinuação do medicamento em estudo, diálise ou morte renal. Outros desfechos de segurança pré-especificados incluíram hipoglicemia grave, cetoacidose diabética, eventos adversos que levaram à descontinuação do medicamento em estudo e eventos adversos graves considerados relacionados ao medicamento em estudo pelo investigador.
- Piora de IC foi definida como qualquer evento que atendesse a um dos seguintes critérios: (1) agravamento dos sinais ou sintomas de IC durante a hospitalização, resultando em tratamento com inotrópicos intravenosos, suporte circulatório mecânico, suporte ventilatório invasivo ou transplante cardíaco; (2) re-hospitalização não planejada por IC; ou (3) consulta ambulatorial de urgência por IC, resultando em tratamento com diuréticos intravenosos. Um comitê de eventos clínicos julgou todos os componentes do desfecho primário.
Resultados
- 1218 pacientes foram randomizados para o grupo intervenção e 1183 para o grupo controle. A idade média foi de 69 anos, 34% mulheres, 79% brancos, IMC 29 kg/m², IC nova 44%, exacerbação de IC crônica 55%, 62% classe NYHA III/IV, FEVE 30%, 71% com FEFE ≤ 40%, 35% diabéticos, NT-proBNP 4800, pressão arterial sistólica 119 mmhg, taxa de filtração glomerular 63 ml/min/1,73m², 40% apresentavam estase venosa jugular e 36% e 62% estertores pulmonares e edema periférico, respectivamente.
- O tempo mediano de randomização após a internação foi de 3,6 dias.
- Não houve redução significativa no risco de morte cardiovascular ou piora da IC ao longo dos primeiros 2 meses no grupo dapagliflozina (10,9%) em comparação com o grupo placebo (12,7%) (HR 0,86; IC 95% 0,68 a 1,08; p=0,20).
- A morte por causa cardiovascular ocorreu em 2,5% dos pacientes com dapagliflozina e 3,1% com placebo (HR 0,78).
- A piora da IC ocorreu em 9,4% e 10,3% dos pacientes, respectivamente (HR 0,91).
- A mortalidade por todas as causas ocorreu em 3,0% no grupo dapagliflozina e 4,5% no grupo placebo (HR 0,66; IC 95% 0,43 a 1,00).
- A diferença na variação média do escore KCCQ-12 entre os grupos, da linha de base até dois meses, foi de +1,3 (IC 95%, -0,7 a +3,3). Para o desfecho composto hierárquico secundário, a dapagliflozina foi superior em 42,3% das comparações pareadas, o placebo foi superior em 38,7% e houve 19,0% de empates, resultando em uma taxa de vitória de 1,08 (IC 95%, 0,98-1,20).
- As taxas de hipotensão sintomática foram de 3,6% e 2,2%, e as de piora da função renal foram de 5,9% e 4,7% com dapagliflozina e placebo, respectivamente. Não houve casos de cetoacidose diabética e a taxa de hipoglicemia grave foi muito baixa e não diferiu entre os grupos. Esses dados são consistentes com o perfil de segurança conhecido da classe de medicamentos.
- Uma limitação importante do estudo foi o seguimento de apenas 2 meses, e ter tido uma amostra insuficiente para demonstrar poder estatístico.
Meta-análise combinada
Foi realizada uma meta-análise pré-especificada combinando os dados do DAPA ACT HF-TIMI 68 com outros dois ensaios (EMPULSE E SOLOIST-WHF) que avaliaram a iniciação intra-hospitalar de ISGLT2 (empagliflozina e sotagliflozina) em um total de 3.527 pacientes hospitalizados por IC.
Nesta análise combinada, os ISGLT2 reduziram significativamente o risco precoce de morte cardiovascular ou piora da IC (HR 0,71; IC 95% 0,54 a 0,93; p=0,012) e a mortalidade por todas as causas (HR 0,57; IC 95% 0,41 a 0,80; p=0,001) com baixa heterogeneidade.
Conclusão
A conclusão dos estudos combinados foi que embora a iniciação intra-hospitalar de dapagliflozina não tenha reduzido significativamente o risco de morte cardiovascular ou piora da IC nos primeiros 2 meses no estudo DAPA ACT HF-TIMI 68, a totalidade dos dados dos ensaios sugere que o início precoce intra-hospitalar de um ISGLT2 reduz o risco precoce de morte cardiovascular ou piora da IC e a mortalidade por todas as causas. A dapagliflozina demonstrou segurança e boa tolerabilidade em pacientes hospitalizados por IC aguda.
Confira todos os destaques da cobertura do ESC 2025 aqui!
Aproveite para acompanhar as lives da Afya Cardiopapers sobre o ESC 2025. Com elas você poderá saber de forma prática e rápida como as discussões do congresso irão afetar a sua prática clínica. Acesse agora!
Como você avalia este conteúdo?
Sua opinião ajudará outros médicos a encontrar conteúdos mais relevantes.