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Cardiologia11 agosto 2025

FA precoce no pós-operatório de cirurgia cardíaca aumenta mortalidade? 

Estudo investigou a associação de FA precoce no pós-operatório com mortalidade tardia e AVC após ajuste para idade e comorbidades
Por Isabela Abud Manta

Fibrilação atrial (FA) é a complicação precoce mais comum no pós-operatório de cirurgia cardíaca, com incidência de 30 a 50%. Essa arritmia resulta de inflamação, estresse oxidativo e aumento do tônus adrenérgico, geralmente superpostos a um substrato arritmogênico.  

Alguns estudos já relacionaram a ocorrência de FA precoce com aumento de eventos adversos e recentemente foi publicada uma metanálise que teve como objetivo determinar se há associação entre ocorrência de FA precoce com mortalidade tardia e acidente vascular cerebral (AVC) em pacientes submetidos a cirurgia cardíaca. 

Métodos de estudo e população envolvida 

Foi estudo de revisão sistemática e metanálise baseado em informações individuais dos pacientes obtidas das curvas de Kaplan-Meier (KM). Foram incluídos estudos unicêntricos ou multicêntricos que relataram as curvas de KM com as tabelas de risco de mortalidade tardia em pacientes com e sem FA precoce após cirurgia cardíaca. 

FA precoce foi definida como FA nova intra-hospitalar ou em até 30 dias de pós-operatório. Os desfechos primário e secundário foram definidos respectivamente como mortalidade e AVC após a alta hospitalar ou além de 30 dias de pós-operatório, com seguimento de pelo menos um ano. Foram feitas análises de subgrupos em relação a diferentes cirurgias, modo de detecção da FA e uso de anticoagulação na alta. 

Resultados 

Foram incluídos 33 estudos com um total de 131031 pacientes. A maioria era unicêntrico (19), seguido de multicêntrico (10) e registros (4), com risco de viés baixo a moderado. Do total, 28 estudos usaram telemetria, frequentemente combinado com eletrocardiograma (22 estudos). Apenas 2 estudos usaram somente ECG para avaliação. 

A maioria dos estudos (17) avaliou pacientes submetidos a cirurgia de revascularização miocárdica (CRM), seguido de troca valvar aórtica (6), combinação de diferentes procedimentos (6), cirurgia valvar mitral (3), e cirurgia de aorta (1). 

No geral, 36991 pacientes tiveram FA precoce, com incidência de 31,5%. Comparado aos pacientes sem FA, esses pacientes eram mais velhos (68,1 x 63,3 anos), tinham maior ocorrência de doença arterial periférica (9,9% x 8,1%), AVC (9,7% x 7,9%), insuficiência cardíaca (IC) (18% x 15,3%) e doença pulmonar obstrutiva crônica (12,9% x 10,4%). 

Todos os estudos avaliaram mortalidade tardia e o seguimento médio foi de 5,2 anos. FA precoce foi associada a mortalidade tardia, com HR 1,66 (IC95% 1,54-1,78, p < 0,001), com heterogeneidade significativa entre os estudos. Após excluir os 5 estudos que mais contribuíram para a heterogeneidade os resultados se mantiveram com associação significativa.  

A mortalidade em 10 anos foi de 30,5%, sendo que no grupo com FA precoce foi de 39,3% e no grupo controle foi de 27,2%, com p < 0,001. Após ajustes para idade, sexo e comorbidades, a associação se manteve (HR 1,19; IC95% 1,07-1,33, p = 0,002). 

Para análise de AVC tardio foram avaliados 10 estudos, com um total de 42042 pacientes. O seguimento médio foi de 5 anos e FA precoce foi significativamente associada a ocorrência de AVC (HR 1,64, IC95% 1,37-1,96, p < 0,001), com heterogeneidade também significativa e causada por um estudo específico. Após a exclusão desse estudo a associação se manteve, sem heterogeneidade.  

Já a ocorrência de AVC em 10 anos foi de 13,4%, com maior ocorrência no grupo com FA precoce (16,9% x 12,1%), porém análises após ajustes para idade, sexo e comorbidades não mostraram associação entre FA e AVC.  

A associação com mortalidade se manteve nas análises de cirurgias específicas, para todos os subgrupos. Duração da FA menor que 30 minutos foi associada a menor mortalidade comparado a duração maior que 30 minutos, assim como FA sem necessidade de intervenção comparada a com necessidade de intervenção. 

Na alta, 14,4% dos pacientes receberam anticoagulação, sendo a taxa maior nos pacientes com FA precoce (28% x 8,9%, RR 3,12, IC95% 1,37-7,11, p = 0,007). Houve associação do maior uso de anticoagulantes com menor ocorrência de AVC (HR 0,98, IC95%0,97-0,99, p=0,004). 

FA precoce no pós-operatório de cirurgia cardíaca aumenta mortalidade? 

Comentários e conclusão: fibrilação atrial precoce no pós-operatório de cirurgia cardíaca 

Esta é a primeira metanálise que mostra associação significativa entre ocorrência de FA precoce no pós operatório de cirurgia cardíaca e mortalidade tardia em análise ajustada para idade, comorbidades, tipo de cirurgia e heterogeneidade dos estudos. Para a ocorrência de AVC, a associação não se manteve na análise realizada com ajustes. 

Apesar de FA precoce ser complicação frequente e geralmente considerada inócua, este estudo mostra o contrário, que sua ocorrência tem associação com maior mortalidade em 10 anos. Os mecanismos envolvidos ainda não são completamente entendidos, porém pode estar relacionada ao fato que boa parte dos pacientes com FA precoce tem recorrência da FA no seguimento, com suas consequentes complicações.  

Em relação ao AVC, na análise não ajustada, houve associação com FA precoce. Porém, isso não se manteve após ajustes pelas comorbidades. Pode ser que a presença de outras comorbidades cardiovasculares, frequentemente associadas a FA, tenham influência importante na ocorrência do AVC, o que resultou em resultados iguais entre os grupos. 

Pacientes com anticoagulação tiveram menor ocorrência de AVC, porém essa análise foi baseada em populações heterogêneas de pa10cientes submetidos a CRM e cirurgia valvar, o que dificulta a interpretação dos resultados. Ainda não há estudos randomizados que avaliaram o uso dessa classe de medicação nesse contexto e esses resultados devem ser interpretados com cautela. 

Essa metanálise teve grande número de estudos e pacientes e fez ajustes em relação as comorbidades, porém tem limitações, como o fato de depender da qualidade dos estudos incluídos, apresentar heterogeneidade e variações na definição de FA precoce entre os estudos. 

De toda forma, esse estudo mostrou associação entre FA precoce no pós-operatório de cirurgia cardíaca e aumento de mortalidade tardia, independente de outros confundidores e meios para reduzir esse risco precisam ser ainda estudados.

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