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Cardiologia25 março 2025

Escore de cálcio em pacientes com risco CV intermediário e HF de DAC precoce 

Ensaio clínico randomizado buscou avaliar se a progressão da DAC poderia ser alterada pelo uso do escore de cálcio coronariano. 
Por Juliana Avelar

A integração dos fatores de risco tradicionais para doença arterial coronariana (DAC) e fatores relacionados ao estilo de vida identifica até 50% das pessoas como risco intermediário. Nesse grupo de pacientes, a conduta ideal em relação ao risco cardiovascular ainda é incerta, principalmente nos casos de histórico familiar de DAC prematura. O escore de cálcio coronariano (CAC) é um marcador de aterosclerose subclínica e um forte preditor de risco, que pode orientar o manejo desses pacientes. Até o momento, evidências observacionais indicam que o escore de CAC pode ser utilizado para reclassificação de risco, com a maioria dos eventos ocorrendo em participantes com escores de CAC de 100 ou mais. A apresentação visual dos escores de CAC demonstrou influenciar positivamente o comportamento dos pacientes e melhorar fatores de risco relacionados ao estilo de vida. 

Nesse contexto, foi publicado no JAMA o estudo CAUGHT-CAD, um ensaio clínico randomizado com participantes de risco intermediário e histórico familiar de DAC prematura para demonstrar se a progressão da DAC poderia ser alterada pelo uso do escore de CAC. 

Métodos 

Estudo prospectivo, randomizado e com desfecho cego, que buscou determinar se uma estratégia baseada no escore de CAC poderia desacelerar a progressão do volume de placas coronarianas ao longo de 3 anos. 

Foram recrutados participantes assintomáticos, sem uso prévio de estatinas, com idade entre 40 e 70 anos, e histórico familiar de DAC prematura (definida como evento de DAC em parente de primeiro grau com menos de 60 anos ou de segundo grau com menos de 50 anos) em cinco cidades australianas. Participantes com risco intermediário para DAC (risco anualizado de 0,4%-3%) com base na calculadora de risco australiana (https://www.cvdcheck.org.au/) foram encaminhados para a avaliação de angiotomografia de coronárias (CCTA) e escore de CAC.  

A CCTA foi realizada no recrutamento e repetida após 3 anos para calcular a variação longitudinal no volume de placas.  

Manejo pós-randomização e acompanhamento 

A intervenção foi baseada em um programa padronizado conduzido por enfermeiros, no qual as imagens de tomografia dos participantes foram utilizadas para comunicação sobre a doença. A intervenção incluiu educação sobre autocontrole de risco e estilo de vida, coordenação do cuidado e modificação do risco. Os pacientes foram acompanhados a cada seis meses por até 36 meses.  Todos os participantes do grupo escore de cálcio coronariano (CAC) iniciaram terapia com estatina de intensidade moderada. 

Grupo de cuidado usual 

Os participantes desse grupo receberam educação padrão sobre prevenção da DAC e manejo do risco baseado em diretrizes (controle de peso, tratamento de hipertensão, dislipidemia e diabetes) com seu médico de atenção primária, que estava cego para o escore de CAC. Todos eram virgens de estatinas no momento da randomização e nenhum recebeu recomendação inicial para iniciar estatinas. Durante os três anos de seguimento, os perfis lipídicos e outros fatores de risco dos participantes foram reavaliados anualmente, com reforço da adesão às recomendações. 

Segurança 

Pacientes com escores de CAC acima de 400 ou estenoses coronarianas significativas na CCTA foram encaminhados para testes funcionais e, se necessário, para angiografia invasiva e intervenção, a critério do médico assistente.  

Resultados 

Foram incluídos 365 pacientes. O grupo informado pelo escore de CAC apresentou uma redução nos níveis de colesterol total e LDL após 3 anos. O nível médio de LDL-C alcançado foi de 79 mg/dL, e 84 indivíduos atingiram níveis de LDL-C inferiores a 70 mg/dL.  

Ambos os grupos apresentaram mudanças na circunferência da cintura e na pressão arterial sistólica, sem diferença significativa entre eles. 

Mudança no volume de placa 

O volume de placa aumentou em ambos os grupos após 3 anos. O desfecho primário (mudança no volume total de placa) foi menor no grupo informado pelo escore de CAC, ou seja, a placa progrediu menos nesse grupo. 

Em relação aos desfechos secundários, houve uma diferença significativa na mudança do volume de placa não calcificada e na soma dos volumes de placa fibrogordurosa e núcleo necrótico, com redução desta última no grupo informado pelo CAC.  

A relação entre a variação dos valores de LDL-C e a mudança na placa demonstrou que uma proporção significativamente maior de pacientes com redução favorável do LDL-C teve menor progressão da placa no grupo informado pelo escore de CAC; essa relação foi observada em todos os subtipos de placa. 

Pacientes com escore de CAC inferior a 100 apresentaram alteração significativa apenas no volume de placa não calcificada, enquanto aqueles com escore de CAC superior a 100 apresentaram diferenças significativas no volume total de placa, na placa não calcificada e na soma dos volumes de placa fibrogordurosa e núcleo necrótico.  

Efeitos do tratamento com estatinas e resultados clínicos 

Nove pacientes no grupo de cuidado usual iniciaram terapia com estatina a critério médico antes do final do acompanhamento de 3 anos. Cinco pacientes iniciaram a terapia dentro de 3 meses após a tomografia, 2 dentro de 6 meses e 2 dentro de 12 meses. 

Vinte e sete indivíduos no grupo informado pelo escore de CAC interromperam sua terapia com estatina.  

A maioria dos pacientes informados pelo escore de CAC continuou com a dose inicial de 40 mg de atorvastatina (n = 129), com 5 pacientes mudando para rosuvastatina e 18 pacientes necessitando de redução de dose (14 mudaram para 20 mg, 2 para 5 mg e 1 para 10 mg).  

A intensidade da dose da estatina não teve efeito na mudança do volume da placa, embora o nível de LDL-C tenha sido reduzido em maior quantidade com doses mais altas (≥ 40 mg) de atorvastatina. 

Nos pacientes que completaram o estudo, houve 9 eventos cardíacos: 1 ataque isquêmico transitório (cuidado usual), 2 episódios de fibrilação atrial (ambos no grupo do escore de CAC), 1 inserção de marcapasso (cuidado usual) e 5 revascularizações (1 infarto do miocárdio no grupo de cuidado usual, 2 intervenções percutâneas para angina no grupo de cuidado usual e 2 no grupo do escore de CAC). Houve 1 morte (relacionada ao câncer). 

Escore de cálcio em pacientes com risco CV intermediário e HF de DAC precoce 

Imagem de DC Studio/freepik

Discussão: escore de cálcio na prevenção

Neste ensaio clínico randomizado, pacientes com histórico familiar de DAC prematura e risco cardiovascular intermediário apresentaram progressão da aterosclerose coronariana ao longo de um acompanhamento de 3 anos, em ambos os grupos. 

A combinação do escore de CAC com uma estratégia de prevenção primária foi associada a uma progressão mais lenta da placa em comparação com o tratamento padrão. Além disso, foram observadas reduções significativas nos níveis de LDL-C, no volume da placa não calcificada e nos volumes somados das placas fibrogordurosa e de núcleo necrótico. 

O manejo do risco intermediário é um desafio na ausência de uma predição de risco personalizada. O histórico familiar de DAC é uma preocupação frequente dos pacientes e é considerado um fator de aumento de risco, mas não é incorporado na maioria das calculadoras de risco.  

O escore de CAC tem sido utilizado como um possível fator de arbitragem de risco e demonstrou excelente validação prognóstica. No entanto, sua adoção generalizada tem sido limitada por várias razões, incluindo o benefício incremental inconsistente em relação à predição baseada em fatores de risco tradicionais. No entanto, o poder do escore de CAC também reside na capacidade de visualizar diretamente a presença de aterosclerose em um indivíduo específico, o que demonstrou ter um impacto significativo na melhoria da adesão dos pacientes às terapias de redução de risco. 

Em contraste, na ausência de informações do escore de cálcio coronariano (CAC), poucos pacientes de risco intermediário iniciam terapia e acabam apresentando progressão de placa. 

O ensaio demonstrou, então, uma redução na progressão da placa, mas não redução no volume da placa. 

Isso pode ser atribuído à coorte de baixo risco, à falta de titulação para alvos definidos de LDL-C e à ausência de terapia em alta dose (atorvastatina, 40 mg, foi a dose máxima utilizada). É notável que os volumes de placa calcificada aumentaram em ambos os grupos, inclusive na análise dos pacientes em tratamento. As estatinas demonstraram aumentar a calcificação das placas, e alguns estudos concluíram que uma maior carga de cálcio em pacientes que tomam estatinas, em comparação com aqueles que nunca usaram, deve ser esperada. 

Este estudo demonstra que há risco de progressão da placa em pacientes com escores de CAC acima de 100, sendo essa progressão menor nos participantes tratados com estatinas. Esses achados corroboram evidências observacionais de redução de risco quando o tratamento é iniciado em pacientes com CAC superior a 100. 

Embora cerca de 75% dos participantes deste estudo tivessem escores de CAC inferiores a 100, também foi observada uma menor progressão da placa não calcificada nesse grupo de participantes informados pelo CAC, sugerindo um possível benefício da terapia para esses pacientes também. 

Limitações 

Este estudo apresenta algumas limitações. 

Primeiro, embora a distribuição da mudança das medidas de placa tenha sido menor do que o esperado, esse estudo teve poder estatístico insuficiente para análises secundárias, o que pode explicar alguns resultados negativos. 

Segundo, o cálculo quantitativo da placa depende da excelente qualidade da imagem. Assim, 13% dos pacientes foram excluídos da análise final devido a preocupações com a qualidade da imagem. 

Terceiro, como esperado para uma coorte de prevenção primária, houve poucos desfechos adversos.  

Quarto, este foi um estudo aberto, sem o rigor de um ensaio duplo-cego. No entanto, os resultados da CCTA (desfecho primário do estudo) foram cegados para todos os investigadores e participantes. 

Conclusões: Escore de cálcio em pacientes com risco CV intermediário e HF de DAC precoce  

Em indivíduos com risco intermediário de DAC e histórico familiar de DAC prematura, uma intervenção baseada no escore de cálcio coronariano (CAC), aliada à terapia com estatinas de intensidade moderada, resultou em menor progressão de placa. 

Essa redução na progressão da placa foi acompanhada por uma redução sustentada nos escores de estimativa de risco e nos níveis de LDL-C, refletindo altos níveis de adesão ao tratamento nos pacientes que fizeram escore de CAC.  

Os resultados podem apoiar o uso do escore de cálcio coronariano (CAC) para orientar estratégias preventivas mais intensivas em pacientes de risco intermediário.

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Referências bibliográficas

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