SOCESP 2024: Risco residual na doença aterotrombótica
No segundo dia do congresso da SOCESP, tivemos uma sessão bastante interessante sobre risco residual da doença aterotrombótica. O enfoque foi em novos alvos terapêuticos e no que fazer com os pacientes que têm risco aumentado.
Atualmente, pacientes com doença aterotrombótica são tratados com uma gama de medicações que reduz a morbimortalidade, como aspirina, inibidores do P2Y12, estatinas, entre outros. No entanto, mesmo o paciente com tratamento otimizado tem maior risco de novos eventos, e o grande desafio é identificar esse paciente e utilizar estratégias que ajudem a reduzir ainda mais esse risco.
Foram abordados quatro riscos principais: obesidade, inflamação, lipoproteína (a) e risco trombótico. Comentamos um pouco sobre cada um deles a seguir.
Obesidade
A obesidade é cada vez mais prevalente e está associada ao aumento do risco de hipertensão, insuficiência cardíaca, doença isquêmica e fibrilação atrial. Além disso, obesidade, por si só, mesmo na ausência desses fatores de risco, está associada ao aumento de mortalidade por todas as causas e por doença cardiovascular. Quanto maior o índice de massa corpórea (IMC), maior o risco de eventos, principalmente de doença isquêmica do coração, tanto na sua forma aguda quanto crônica.
Por muito tempo persistiu a dúvida se a redução do peso levaria a redução de eventos. Os estudos mais antigos mostraram-se neutros, porém estudos mais recentes, com realização de cirurgia bariátrica, mostraram benefício em contexto de prevenção secundária, com redução de infarto agudo do miocárdio (IAM) e de acidente vascular cerebral (AVC). Quando o peso é mantido estável, essa redução de risco se mantém.
Nos últimos anos, surgiram medicações com grande impacto em redução de peso que têm mostrado efeitos benéficos, tanto em perda de peso quanto em desfechos cardiovasculares. Recentemente, a semaglutida (análogo do GLP-1) e a tirzepatida, geralmente utilizadas para pacientes diabéticos, mostraram perda de peso significativa e redução de eventos cardiovasculares nas análises de subgrupos.
O estudo SELECT avaliou desfechos em pacientes não diabéticos, com sobrepeso ou obesidade e doença cardiovascular estabelecida e mostrou redução de desfechos cardiovasculares adversos maiores (MACE) em 20%.
Ou seja, caso o paciente tenha tido evento cardiovascular e esteja em prevenção secundária, a diminuição de peso auxilia na redução de eventos e deve ser uma meta terapêutica.
Inflamação
A doença aterosclerótica é uma doença inflamatória, e diversos estudos já mostraram que mesmo pacientes em tratamento otimizado com estatina ainda têm um risco residual relacionado à inflamação.
Um marcador de risco que pode ser utilizado é a proteína C reativa (PCR). Pacientes infartados que têm esse marcador aumentado parecem ter benefício com uso de medicações anti-inflamatórias, como o canakinumab, um anticorpo monoclonal.
Outro anti-inflamatório testado é a colchicina, avaliada nos estudos COLCOT e LODOCO-2. Ela tem ação na redução de citocinas inflamatórias e na redução da polimerização dos microtúbulos com consequente redução da migração de leucócitos. Seu uso reduziu eventos nos dois estudos. O primeiro incluiu pacientes com IAM, e o segundo, pacientes com doença aterosclerótica crônica.
Assim, as diretrizes passaram a indicar sua utilização como recomendação IIb, em pacientes com evento prévio e risco elevado de recorrência, desde que não tenham risco alto de efeitos colaterais com a medicação.
Existem alguns outros alvos terapêuticos em estudo, com foco na inibição da interleucina-6. Contudo, foi ressaltado que existem tratamentos que reduzem a inflamação de forma muito mais prática e barata, como com a perda de peso, cessação do tabagismo, realização de atividade física e mudanças da dieta.
Liproteína (a)
A liproproteína (a) já é conhecida há décadas, e é sabido que valores aumentados têm relação com risco cardiovascular. Ela é geneticamente determinada e fica estável a partir dos 5 anos de idade. Poucas situações interferem nos seus valores, como alterações da dieta, uso de medicações, como as próprias estatinas, e alterações, como hipertireoidismo.
Assim, sabemos que é fator de risco para doença cardiovascular, porém não temos nenhuma medida que reduza seus valores com redução de eventos clínicos. Existem diversos estudos em andamento, e talvez tenhamos uma medicação disponível em breve. Alguns exemplos são as medicações pelacarsen e olpasiran.
Risco trombótico
Mesmo pacientes com tratamento otimizado têm risco trombótico aumentado. No caso da inflamação, temos marcadores que podem nos auxiliar, como as interleucinas e o PCR, mas, no caso do risco trombótico, não existe um marcador específico.
Já foram desenvolvidas algumas formas de medir a agregabilidade plaquetária, porém pacientes com alteração dessa agregabilidade não tiveram diferença de desfechos ao serem tratados com antiagregantes em doses maiores, por exemplo. Assim, atualmente, não se recomenda a realização desses testes.
Alguns estudos já testaram a manutenção de um segundo antiagregante após um ano do IAM, como o PEGASUS, que comparou ticagrelor ao placebo em pacientes com IAM há um ou três anos da randomização e não houve redução de eventos.
Já o estudo COMPASS testou um anticoagulante, a rivaroxabana, em dose baixa associada à aspirina em comparação a aspirina isolada em pacientes com doença coronária estável ou doença arterial periférica. Esse estudo mostrou redução de morte cardiovascular, AVC e reinfarto de forma significativa, além de redução de eventos de membros inferiores, como amputação. Entretanto, houve aumento de sangramento não fatal. Assim, atualmente, essa medicação é recomendada por algumas diretrizes.
Em resumo, o paciente com doença cardiovascular, mesmo otimizado do ponto de vista medicamentoso, ainda pode ter risco aumentado de novos eventos. É importante tentar identificar esse paciente para manter o tratamento intensificado e tentar reduzir o risco residual a partir das características do paciente.
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