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Cardiologia11 junho 2024

Nova diretriz para a doença arterial periférica de membros inferiores 

As recomendações da AHA/ACC sobre o manejo de pacientes com doença arterial periférica dos membros inferiores foram atualizados com novas evidências

Recentemente foi publicada uma diretriz sobre doença arterial periférica (DAP).  Abaixo seguem os principais pontos abordados.  

Nova diretriz para a doença arterial periférica de membros inferiores 

Manifestações clínicas 

Os pacientes podem ter diferentes manifestações da doença e a apresentação clínica pode ser dividida em quatro categorias:  

  • DAP assintomática: até 50% dos pacientes com DAP comprovada são assintomáticos. Esses pacientes têm maior risco de eventos cardiovasculares e boa parte não tem sintomas pois acaba se limitando, fazendo esforço menor que o limiar para desencadear o sintoma. 
  • DAP crônica sintomática: costumam apresentar claudicação (mais comumente dor, cãibras, fadiga/cansaço nas nádegas, coxas, panturrilhas ou pés). Esse sintoma ocorre aos esforços, é pior quanto maior o esforço e melhora ao repouso (em até 10 minutos). É associado a prejuízo funcional.  
  • Isquemia crítica: forma grave de DAP, ocorre em 11 a 20% dos pacientes. Manifesta como dor isquêmica em repouso, úlceras ou feridas que não cicatrizam ou necrose. Geralmente os sintomas são mais prolongados e ficam presentes por no mínimo 2 semanas. A dor geralmente é na região anterior do pé e piora com a elevação do membro inferior. É classificada em relação a gravidade pelos sistemas de classificação de Fontaine e Rutherford e é a principal causa de amputação. Esses pacientes têm alta taxa de mortalidade, chegando a 30% em 1 ano. 
  • Isquemia aguda: ocorre em 1,7% dos pacientes e os fatores de risco são revascularização de membro inferior prévia, fibrilação atrial (FA) e menores valores de índice tornozelo braquial (ITB). É definida como a redução súbita de perfusão arterial da perna, com sintomas agudos de dor, palidez, ausência de pulso, poiquilotermia (redução de temperatura), parestesia e potencial de paralisia. Pode ser causada por embolia, trombose na artéria nativa ou em sítio de enxerto, trauma, aneurisma com embolização distal ou trombose. Nestes casos é utilizada a classificação de Rutherford. 

Fatores de risco para doença arterial periférica (DAP)

São os fatores de risco para doença aterosclerótica e a própria presença de aterosclerose em outros locais. A suspeita da doença a partir dos sintomas ou alterações do exame físico (redução de pulso, ruídos vasculares na ausculta epigástrica, periumbilical ou inguinal) ou presença de úlcera indica a realização do ITB para confirmação diagnóstica. 

Os pulsos dos membros inferiores devem ser avaliados e classificados como ausente (0), diminuído (1), normal (2) ou aumentado (3). A presença dos pulsos tibial posterior e pedioso é associada a baixa probabilidade de DAP. Outras alterações possíveis são palidez/rubor dependente da posição, crescimento anormal de pelos e atrofia da musculatura da panturrilha.  

Testes diagnósticos 

O ITB é um teste fisiológico não invasivo simples e o principal exame para diagnóstico de DAP. Pode ser realizado com um aparelho de pressão e um dispositivo Doppler, que avalia o fluxo sanguíneo e a pressão nas artérias pediosa e braquial. Esse índice é calculado pela maior pressão sistólica na artéria pediosa e tibial posterior divido pela maior pressão sistólica na artéria braquial. Pode haver limitações no paciente diabético e renal crônico, por dificuldade de compressão de vasos. 

O ITB no esforço pode ajudar pois tem maior sensibilidade diagnóstica. Pode ser medido após 1 e 5 minutos de exercício monitorizado em esteira e as medidas podem ser repetidas até a recuperação ao basal. Além disso, auxilia na determinação do status funcional, capacidade de deambulação e determinação da distância percorrida até o início dos sintomas. 

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Estudos de imagem são realizados se houver necessidade de avaliação anatômica, como nos casos em que se indica revascularização. Pode ser feito exame de ultrassonografia (USG), tomografia computadorizada (TC), ressonância magnética (RM) ou angiografia. 

A imagem mostra os locais de estenose e obstrução completa e auxilia a definir a possibilidade de revascularização, assim como a melhor técnica e sítios de punção mais adequados. A escolha do exame é individualizada para cada paciente e cada um tem suas vantagens e desvantagens. A USG tem boa sensibilidade para detectar estenose e obstrução, mas é examinador dependente. A TC e RM tem resolução espacial melhor, porém a TC precisa de contraste iodado e usa radiação e a RM usa gadolíneo. A angiografia também faz uso de contraste e radiação, porém pode possibilitar tratamento no mesmo procedimento. 

Fatores que aumentam os riscos  

Os pacientes com DAP já têm risco cardiovascular e risco de complicações do membro inferior aumentado, mas existem algumas condições que aumentam esse risco ainda mais: diabetes, tabagismo, doença renal crônica, presença de doença microvascular como retinopatia, neuropatia e nefropatia, hipertensão descontrolada, aterosclerose em outros locais e depressão. 

Outros fatores que influenciam são os determinantes de saúde como diferenças no atendimento, diferenças sociais, econômicas e de educação. 

Pacientes idosos 

Boa parte dos pacientes com DAP são idosos e esses devem ser avaliados de forma rotineira com anamnese e exames físico de membros inferiores. A presença de fragilidade, sarcopenia, desnutrição e piora funcional pode fazer com que o paciente idoso não mostre os sinais e sintomas da DAP até que esteja muito avançada. Ainda, a presença de fragilidade e sarcopenia aumenta o risco de complicações cardiovasculares, dos membros inferiores e de mortalidade. 

Tratamento  

O tratamento medicamentoso tem objetivo de reduzir o risco de progressão para estágios mais sintomáticos ou isquemia crítica, evitar lesões como úlceras e reduzir o risco de eventos cardiovasculares. 

Terapia antitrombótica 

Aspirina e outros antiplaquetários são utilizados para reduzir infarto agudo do miocárdio (IAM), acidente vascular cerebral isquêmico (AVCi) e morte em pacientes com aterosclerose clínica. No paciente com DAP assintomática o valor dessas medicações não é tão certo e o risco de sangramento pode não compensar o risco de eventos.  

A utilização de dupla antiagregação plaquetária (DAPT) e medicações mais potentes como vorapaxar em pacientes sem revascularização nos últimos seis meses também é incerto, já que há alto risco de sangramento.  

Já o uso do anticoagulante rivaroxabana em baixas doses associadas à aspirina também em baixas doses previne eventos isquêmicos comparado a aspirina apenas, mas às custas de alto risco de sangramento. Após procedimentos de revascularização aberta ou percutânea, DAPT ou anticoagulação associada à aspirina podem ser considerados, porém os dados ainda são limitados. 

As recomendações atuais são: 

Pacientes com DAP sintomática: um antiagregante é recomendado, clopidogrel 75 mg ao dia ou aspirina 75-325 mg ao dia com objetivo de reduzir eventos cardiovasculares adversos maiores (MACE). O benefício de DAPT é incerto. Rivaroxabana 2,5 mg 2x ao dia pode ser associada à aspirina em baixa dose no intuito de reduzir MACE e eventos de membros inferiores adversos maiores. Não se sabe se há benefício em associar vorapaxar.  

Pacientes submetidos a tratamento cirúrgico ou endovascular da DAP: terapia antiplaquetária é recomendada, rivaroxabana 2,5 mg 2x ao dia pode ser associada a aspirina em dose baixa para reduzir eventos. No caso de tratamento cirúrgico com enxerto de prótese pode-se considerar DAPT por 1 mês e no endovascular por 1 a 6 meses. 

Pacientes com DAP assintomática: um antiagregante pode ser considerado. O benefício de DAPT é incerto. 

Pacientes com indicação de anticoagulação por outro motivo: caso o risco de sangramento não seja alto pode-se considerar associar aspirina ao anticoagulante. 

Terapia hipolipemiante 

Pacientes com DAP têm indicação de estatinas de alta potência (atorvastatina 40-80 mg ou rosuvastatina 20-40 mg) com objetivo de reduzir o colesterol LDL em pelo menos 50%. Caso o paciente esteja em uso de dose máxima de estatina e o LDL se mantenha ≥ 70 mg/dL pode-se considerar inibidor do PCSK9 ou ezetimiba. 

Terapia anti-hipertensiva 

Em pacientes com DAP e hipertensão o tratamento da hipertensão reduz MACE. A meta é pressão arterial (PA) sistólica < 130 mmHg e PA diastólica < 80 mmHg. Para o tratamento recomenda-se o uso de inibidores da enzima conversora de angiotensina (IECA) ou bloqueadores do receptor de angiotensina (BRA). 

Cessação de tabagismo 

Pacientes que fumam devem ser orientados a parar em toda consulta e devem receber auxílio com farmacoterapia, orientações e encaminhamento para programas específicos de cessação do tabagismo. 

Tratamento do diabetes 

Pacientes com DAP e diabetes tipo 2 têm benefício de agonistas do GLP-1 e inibidores de SGLT-2, com benefício em redução de MACE. O controle glicêmico adequado tem benefício em redução de eventos dos membros inferiores.  

Outros tratamentos recomendados são vacinação anual para influenza e SARS-CoV-2 e dieta rica em vegetais, frutas, legumes, nozes e peixes. 

Tratamento dos sintomas 

Cilostazol: tem benefício para melhorar claudicação e aumentar a distância que o paciente consegue deambular. Também pode auxiliar na redução de reestenose após tratamento endovascular de doença fêmoro-poplítea. Porém, essa medicação não deve ser dada para pacientes com insuficiência cardíaca. 

Cuidados com os pés 

Os pacientes e familiares devem ser orientados sobre o autocuidado com os pés, que devem ser examinados em todas as consultas. Para os com alto risco de úlceras ou amputação, sapatos específicos são recomendados. Esses pacientes são os que têm história de úlcera ou amputação prévias, deformidades como pé de Charcot ou outras, diabetes com controle glicêmico ruim, doença renal crônica, neuropatia periférica, presença de calos e tabagismo ativo. 

Exercícios 

Pacientes sintomáticos e os que realizaram revascularização têm indicação de exercícios supervisionados, para melhorar capacidade de exercício, status funcional e qualidade de vida. O benefício dos exercícios não supervisionados é incerto. 

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Indicações de revascularização 

Pacientes assintomáticos: Indicado caso haja necessidade de algum outro procedimento como troca valvar aórtica transfemoral, suporte circulatório mecânico e correção de aneurisma de aorta endovascular. Não está indicada intervenção para prevenir progressão de doença. 

Pacientes sintomáticos (claudicação): Devem ter tratamento medicamentoso otimizado e a revascularização é indicada para os que não respondem ao tratamento clínico.  

  • Doença aorto-ilíaca ou fêmoro-poplítea: O tratamento endovascular tem benefício em melhora sintomática, capacidade de deambulação e qualidade de vida. A revascularização cirúrgica pode ser considerada se o risco cirúrgico for aceitável. 
  • Doença da artéria femoral comum: Pode-se considerar endarterectomia cirúrgica. O tratamento endovascular pode ser uma opção caso a anatomia seja favorável ou o risco cirúrgico muito alto. 
  • Doença infra-poplítea: Isolada é rara e o benefício da revascularização, tanto endovascular quanto cirúrgica é desconhecido. 
  • Estenose ou obstrução fêmoro-poplítea: Caso optado por bypass para a artéria poplítea, recomenda-se utilizar veia autógena em preferência ao material protético. No caso de cirurgias aorto-ilíacas, o enxerto protético tem bons resultados. 

Pacientes com isquemia crítica: A revascularização tem objetivo de minimizar a perda de tecido e preservar a função do membro. É importante que o cuidado de infecções e feridas seja adequado, assim como a redução de carga do membro, para auxílio no controle de úlceras. A intervenção pode ser cirúrgica, endovascular ou híbrida recomenda-se que o bypass para a artéria poplítea ou as artérias infrapoplíteas seja feito com veia autógena se disponível. Caso não haja veia disponível pode-se utilizar enxertos de próteses. 

Pacientes com necrose ou úlceras que não cicatrizam: Esses têm benefício com a revascularização. As infecções devem ser tratadas com antibióticos e desbridamento se necessário. Caso a infecção não esteja sendo controlada ou o paciente esteja em risco por conta da isquemia, realiza-se a amputação, sempre o mais distal possível de modo que auxilie no tratamento e mantenha a melhor funcionalidade possível. 

Isquemia aguda: É grave e tratável. Deve ser reconhecida rapidamente e sempre que o membro foi “salvável” recomenda-se a revascularização (endovascular ou cirúrgica, incluindo trombólise guiada por cateter), com objetivo de prevenir amputação. Pacientes sem possibilidade de salvamento do membro não devem ser submetidos a revascularização.  

Caso haja síndrome compartimental após a revascularização, essa deve ser tratada para prevenir sequelas, injúria de reperfusão e necessidade de amputação. Fasciotomia profilática pode ser considerada em alguns casos e em casos nos quais a isquemia é prolongada a amputação precoce pode ser benéfica, no intuito de se evitar complicações relacionadas a reperfusão. 

Nos casos de isquemia aguda, independente da causa e do nível da oclusão, recomenda-se anticoagulação com heparina não fracionada ao diagnóstico, exceto se houver contraindicação. A causa da obstrução aguda deve ser sempre investigada e incluir avaliação de causas cardiovasculares de eventos embólicos e doenças que afetam o sistema de coagulação. 

Comentários e conclusão  

A DAP é doença que deve ser investigada e tratada adequada, com objetivo de reduzir eventos cardiovasculares, complicações nos membros inferiores, morte e melhora da capacidade funcional e qualidade de vida dos pacientes. 

Existem ainda diversas dúvidas em relação ao tratamento, principalmente sobre o tratamento antitrombótico ideal e qual seria a melhor intervenção quando indicada. É fundamental que os fatores de risco sejam identificados e tratados de forma precoce e adequada para evitar desenvolvimento e progressão da doença.

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Referências bibliográficas

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