Notamos nos últimos anos que a insuficiência cardíaca com fração de ejeção preservada (ICFEP) vem finalmente recebendo um destaque merecido pela comunidade médica e científica. A ICFEP deixou de ser vista como uma condição benigna e de boa evolução, ou até, com pouca relevância clinica. Ao contrário, ela está associada a um mau prognóstico e apresenta uma elevada prevalência. A sua fisiopatologia é complexa e multifatorial.
Em seu processo fisiopatológico temos diversos fatores e condições clinicas que estão envolvidos em diferentes níveis (doença coronariana, obesidade, fibrose, hipertrofia, disfunção autonômica, disfunção endotelial), além de várias comorbidades (DPOC, HAS, diabetes, anemia, doença renal crônica, apneia obstrutiva do sono, aterosclerose) levando a um processo inflamatório prolongado que culmina em rigidez e diminuição da complacência cardíaca com elevação das pressões de enchimento e remodelamento.
E infelizmente não existiam até a presente data terapias farmacológicas com impacto na redução de desfechos cardiovasculares incluindo mortalidade.
Hoje, foi apresentado no congresso da European Society of Cardiology (ESC 2021) os resultados do estudo EMPEROR-Preserved e publicado de maneira simultânea no New England Journal of Medicine.
EMPEROR-Preserved
Trata-se de um ensaio clinico randomizado, multicêntrico, duplo-cego. Envolveu pacientes com idade >= 18 anos, em classe funcional NYHA II-IV, e fração de ejeção (FE) > 40% e NT-proBNP ≥ 300 pg (≥ 900 pg em portadores de fibrilação atrial). Foram então randomizados (estratificada e em blocos) 1:1 para empaglifozina 10 mg vs placebo. O desfecho primário foi morte cardiovascular ou hospitalização por insuficiência cardíaca (IC). Desfechos secundários incluíram hospitalização por IC e taxa de declínio da filtração glomerular.
Neste estudo foram randomizados 2.997 vs 2.991 pacientes em cada grupo. A idade média de 71 anos e as mulheres foram bem representadas com aproximadamente 45% da amostra. A fração de ejeção média foi de 54% em ambos os grupos. Em torno de 50% eram diabéticos e portadores de FA. E hipertensos acima de 90%. O desfecho primário (morte cardiovascular ou hospitalização por IC) ocorreu em 415 (13.8%) vs 511 (17.1%), ou seja, 6.9 vs 8.7 eventos por 100 pacientes-ano (risco relativo de 0.79; 0.69 – 0.90 com P < 0.001) comparando-se empaglifozina com placebo, respectivamente.
O desfecho secundário hospitalização por IC foi 8.6 vs 11.8% com significância estatística (P < 0,001). Já morte por causas cardiovasculares foi 7.3% vs 8.2% sem significância estatística. Na analise de subgrupos observamos que:
– O desfecho primário foi fortemente influenciado pelo beneficio na redução de hospitalizações por IC;
– Idosos (≥ 70 anos) e Classe NYHA II parecem ser melhor respondedores ao tratamento;
– Ter ou não diabetes não fez qualquer diferença nos desfechos analisados;
– Fração de Ejeção ≥ 60% não apresentaram benefício;
Leia também: Devemos indicar coronariografia precoce em pacientes com insuficiência cardíaca aguda?
Em conclusão, a ICFEP é um grande desafio, um grande enigma ainda na nossa era. Trata-se talvez de uma grande síndrome com diferentes fenótipos e assim diferentes modalidades terapêuticas. O trial Emperor-Preserved nos mostrou que empaglifozina em pacientes com ICFEP que apresentem fração de ejeção < 60% é uma terapia segura e eficaz na redução de hospitalização por IC ou talvez no desfecho combinado que se agrega mortalidade cardiovascular.
Estamos realizando a cobertura do congresso. Fique ligado no Portal PEBMED!
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Referências bibliográficas:
- Maddox TM, Januzzi JL Jr, Allen LA, et al. 2021 Update to the 2017 ACC Expert Consensus Decision Pathway for Optimization of Heart Failure Treatment: Answers to 10 Pivotal Issues About Heart Failure With Reduced Ejection Fraction: A Report of the American College of Cardiology Solution Set Oversight Committee. J Am Coll Cardiol. 2021 Feb 16;77(6):772-810. doi: 10.1016/j.jacc.2020.11.022. Epub 2021 Jan 11. PMID: 33446410.
- Anker SD, et al. Empagliflozin in Heart Failure with a Preserved Ejection Fraction. New England Journal of Medicine. August 27, 2021 doi: 10.1056/NEJMoa2107038
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