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No último congresso europeu de cardiologia (ESC 2018), foram atualizadas as diretrizes sobre revascularização do miocárdio. O documento, bastante extenso e explicativo, contempla as indicações de abordagem em situações eletivas, de urgência, bem como complicações e aspectos técnicos da angioplastia e da cirurgia cardíaca. Nosso foco é trazer as principais novidades para você, de modo resumido e prático.
Cenário Eletivo
No paciente com queixa anginosa típica, o médico deve otimizar o tratamento clínico e decidir entre uma avaliação funcional ou anginosa. Não está claro qual exame tem melhor poder prognóstico e a escolha depende de disponibilidade, custo, comorbidades e preferências pessoais. Uma vez feito o estadiamento da doença, decidimos se há necessidade ou não de revascularização, isto é, identificação e “abertura” das obstruções arteriais.
A revascularização está indicada no paciente:
- Dor anginosa refratária ao tratamento clínico otimizado
- Isquemia extensa nos exames funcionais (FFR < 0,75 ou área isquêmica > 10%)
- Anatomia de alto risco, com destaque para lesão de tronco da coronária esquerda > 50%
- Sobreviventes de morte súbita
Para avaliação da isquemia e da anatomia, estão disponíveis, respectivamente, os testes funcionais (ergometria, cintilo e eco-stress) e as angiografias (TC ou CAT/coronariografia). De novidade, o documento reforça:
- Uso do FFR na coronariografia para decidir quais lesões obstrutivas (40-90% de obstrução) devem ser abordadas, com ponto de corte em 0,75. Os autores citam, inclusive, que os estudos com FFR na TC estão adiantados. Por outro lado, o US intravascular perde espaço com o crescimento do uso da FFR e fica mais restrito a lesões de tronco/ostiais suspeitas.
- A avaliação do miocárdio viável em pacientes com ICFER isquêmica avançada continua controversa. O estudo STICH mostrou benefício na revascularização cirúrgica destes pacientes, mas a viabilidade não ajudou a selecionar quais teriam mais benefício. Então fica a dúvida se operamos todos ou apenas os pacientes com viabilidade nos teste funcionais. Além disso, diversos estudos mostram benefício maior com a CABG para aumentar a sobrevida e a PCI fica reservada para pacientes mais idosos e com muitas comorbidades, cujo risco cirúrgico seja muito alto.
- A associação de uma técnica para remodelar o VE e/ou fazer aneurismectomia só deve ser feita em centros com experiência na técnica e nos pacientes cujos sintomas de IC foram mais importantes que a angina em si.
- A cirurgia para insuficiência mitral só agrega benefício se houver lesão primária da valva. Nas lesões secundárias à dilatação não há vantagens.
Outra novidade é que a diretriz recomenda agora um tempo entre a discussão do Heart Team e a cirurgia no paciente com angina estável. A recomendação é baseada em estudos mostrando risco de eventos cardiovasculares com a espera:
- Pacientes de alto risco: até 2 semanas
- Baixo ou médio risco: até 6 semanas
Na tabela abaixo ratificamos as orientações para escolha entre revascularização com angioplastia + stent (PCI) ou cirurgia bypass (CABG):
CABG | PCI |
Tronco > 50%*** | Univascular |
2 ou 3 vasos
+ DA proximal > 50% | Muita comorbidade |
FE ≤ 35% | Idoso frágil |
Diabetes | Deformidade tórax |
Contraindicação DAPT | Sequela Radioterapia |
SYNTHAX ≥ 23 | Aorta em porcelana |
Calcificação extensa** | SYNTHAX 0-22 |
*DAPT: dupla antiagregação plaquetária.
**Não permite abertura completa do stent.
***Já há respaldo na literatura para escolha da angioplastia (PCI) nas lesões de tronco com anatomia favorável.
Outras observações importantes:
Na avaliação do risco cirúrgico, a diretriz traz que o escore de STS tem apresentado melhor calibração / precisão do que o Euroscore II.
Leia mais: O impacto da revascularização do miocárdio em pacientes com cardiopatia isquêmica
O SYNTHAX escore é recomendado para avaliar a complexidade da anatomia coronariana.
Os enxertos arteriais na CABG apresentam melhor resultado de longo prazo e são a escolha no território coronariano esquerdo.
Deve-se tentar sempre a revascularização o mais completa possível, pelos melhores resultados de longo prazo.
Cenário de Urgência
É a síndrome coronariana aguda. A abordagem inicial recomendada é a mesma: protocolo de dor torácica com ECG em 10 minutos, dividindo os pacientes com dois grupos, conforme presença ou não do supradesnível do segmento ST.
Sem Supra-ST
A etapa mais importante é a estratificação de risco, pois os pacientes de maior risco se beneficiam de coronariografia com angioplastia/stent mais precoces. Por outro lado, aqueles de baixo risco podem até continuar a estratificação funcional ambulatorialmente, dependendo do cenário clínico.
O FFR pode ser utilizado e deve-se tentar a revascularização completa, de preferência em um único procedimento. A exceção são os pacientes com choque cardiogênico, nos quais deve-se abordar apenas a lesão culpada e estabilizar o paciente para um segundo tempo.
Muito Alto Risco | Alto Risco | Risco Intermediário |
Instabilidade hemodinâmica | Troponina positiva | DM |
Angina recorrente | Alteração dinâmica ST/T | Insuficiência renal |
Arritmia ventricular maligna ou PCR | GRACE > 140 | ICC ou FE < 40% |
Complicações mecânicas | Angina pós-IAM | |
IC aguda | PCI ou CABG prévios | |
Alterações dinâmicas ST/T recorrentes | GRACE 109-140 | |
Teste funcional positivo |
Com Supra-ST
A ênfase está na tentativa de angioplastia primária, sendo prioritária no paciente com choque cardiogênico ou contraindicação para trombólise. Caso sua opção seja trombólise, há dois caminhos: se houver reperfusão, deve fazer CAT eletivo em até 24h; se não houve reperfusão, CAT de urgência de resgate.
Outros aspectos:
- No paciente com supraST e estável hemodinamicamente, não está claro se todas as lesões devem ser abordadas no mesmo procedimento, nem o intervalo entre as sessões.
- Não há benefício no uso de devices de aspiração de trombos intracoronarianos.
- Se o paciente com supraST está sendo avaliado dias depois do infarto, situação infelizmente ainda comum no SUS, só há indicação de tentar abrir a lesão se houver dor recorrente e/ou isquemia no teste funcional. A tentativa de abrir uma obstrução total de coronária crônica tem maior risco e menor chance de sucesso que as lesões subtotais.
Veja na Tabela abaixo um resumo da abordagem terapêutica na síndrome coronariana aguda:
SEM SUPRA ST | COM SUPRA ST | ||||
Estratificação de Risco | Angioplastia Primária
(90 min) | Trombólise | |||
TIMI vs GRACE | Preferencial | Caso CAT demore > 120 min | |||
Baixo | Moderado | Alto | Muito Alto | Obrigatório:
Instabilidade hemodinâmica Contraindicação trombólise | Tem bons resultados:
Até 3h do início da dor Parede inferior |
Avaliar teste funcional vs CAT 72h | CAT em 72h | CAT em 24h | CAT 2h | ||
AAS | AAS | AAS | AAS | AAS | |
iP2Y12 (clopidogrel, ticagrelor ou prasugrel) | iP2Y12 (clopidogrel, ticagrelor ou prasugrel) | iP2Y12 (clopidogrel, ticagrelor ou prasugrel) | iP2Y12 (clopidogrel, ticagrelor ou prasugrel) | Clopidogrel | |
HBPM plena 2 a 8d
(ou só até o CAT) | HBPM até o CAT | HBPM até o CAT | HBPM até o CAT | Heparina
(exceto se estreptoquinase) | |
Estatina dose máxima | Estatina dose máxima | Estatina dose máxima | Estatina dose máxima | Estatina dose máxima | |
Betabloqueadores | Betabloqueadores | Betabloqueadores | Betabloqueadores | Betabloqueadores | |
iECA ou BRA | iECA ou BRA | iECA ou BRA | iECA ou BRA | iECA ou BRA |
Outras informações que podem ser úteis:
- A metformina, em teoria, deve ser suspensa 48h antes da coronariografia e reiniciada 48h depois. Mas o risco de acidose é muito baixo.
- A hidratação com salina é a única profilaxia de lesão renal pelo contraste que a diretriz recomenda.
- A endarterectomia carotídea antes ou concomitante à CABG deve ser reservada para pacientes de alto risco para AVC: obstrução bilateral e/ou AIT/AVC prévios.
- No paciente com FA após CABG, a decisão de anticoagular ou não deve ser a mesma do cenário eletivo, isto é, baseado no CHADS-VASC.
- O acesso radial é de escolha para PCI.
Antiagregantes plaquetários e antitrombóticos
Estável | SEM SUPRA | COM SUPRA | ||||
Antiagregante | AAS
+ Clopidogrel | AAS
+Clopidogrel ou Ticagrelor | AAS
+Clopidogrel ou Ticagrelor ou Prasugrel | |||
Antitrombina | Heparina ou
Enoxaparina | Heparina ou
Enoxaparina ou Bivalirudina | Heparina ou
Enoxaparina ou Bivalirudina | |||
Tempo tratamento
DAPT | Risco Sangramento | Risco Sangramento | Risco Sangramento | |||
Alto | Baixo | Alto | Baixo | Alto | Baixo | |
1-3 meses | 6 ou + meses | Não usar prasugrel | 12 ou + meses | Não usar prasugrel | 12 ou + meses | |
*Avaliar o risco de sangramento com DAPT pelo escore PRECISE-DAPT. O alto risco é pontuação ≥ 25.
Caso o paciente tenha indicação para terapia tripla, isto é, DAPT + anticoagulante, algumas dicas são importantes para reduzir o risco de sangramento:
- Restringir a terapia tripla ao menor tempo possível.
- AAS 100 mg/dia.
- O clopidogrel é o inibidor P2Y12 de escolha.
- Mantenha sempre com inibidor da bomba de prótons, lembrando que o pantoprazol é aquele com menos interação medicamentosa.
Neste grupo, a ideia é manter a terapia tripla por apenas 1 mês, seguido de 1 antiagregante + NOAC por 12 meses e, depois disso, apenas o NOAC. No paciente com lesão coronariana isquêmica de muito alto risco, pode-se considerar a terapia tripla por mais tempo, até 6 meses.
A favor da terapia tripla | Contra terapia tripla |
Trombose prévia de stent | Câncer |
Doença multiarterial | Baixa expectativa vida |
Única artéria patente | Adesão medicamentosa ruim |
DRC estágios III-V | DRC em diálise |
3 ou + stents | Idade avançada |
Bifurcação com 2 stents | AVC hemorrágico ou sangramento prévio |
Stent > 60 mm | Alcoolismo |
Tratamento de oclusão crônica | Anemia |
IAM com supraST |
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