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No último mês, saiu na New England Journal of Medicine um excelente artigo de revisão cujo título era “Acute Myocardial Infarction”, mas que, na verdade, discute as novidades na abordagem à síndrome coronariana aguda na sala de emergência. Nós preparamos para você um especial com as novidades mais relevantes integradas a uma abordagem prática.
O conceito inicial fala da classificação de IAM em 6 tipos:
Tipo | Fisiopatologia |
Tipo 1 | Obstrução na placa de aterosclerose |
Tipo 2 | Consumo excessivo, maior que oferta de O2 |
Tipo 3 | Morte súbita de origem coronariana |
Tipo 4a | Durante ou após angioplastia |
Tipo 4b | Causado por trombose do stent |
Tipo 5 | Relacionado à cirurgia cardíaca (em geral, pós operatório) |
A maioria dos pacientes apresenta o tipo 1 e, portanto, será este o cenário abordado aqui: o paciente que chega com dor precordial anginosa na sala de emergência.
Um aspecto interessante é que estatísticas recentes mostram que 10% dos IAM não apresentam doença obstrutiva coronariana epicárdica, um número maior que no passado. As hipóteses para tal fenômeno são a lise do trombo, a presença de doença microcirculatória e o IAM tipo 2. Contudo, a dosagem ultrassensível da troponina aumentou a capacidade de detectar mesmo lesões cardíacas leves e pode ser um viés nessa estatística. Em apenas 1 ou 2 horas, a troponina ultrassensível já é capaz de detectar lesão miocárdica! Para ser considerada coronariana, deve haver uma curva apropriada de troponina – subida, pico 24-36h e descida – e estar acima do percentil 99 para idade/sexo. Além disso, é preciso olhar o contexto e afastar causas não coronarianas de aumento da troponina (insuficiência cardíaca, insuficiência renal, embolia pulmonar, sepse, entre outras).
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Passo 1: inicie o protocolo de dor torácica.
Você tem 10 min para rodar ECG, monitorar o paciente e obter história + exame físico sucintos.
Protocolo de Dor Torácica | |
História | Tipo de dor (A, B ou C);
Fatores de risco; Alergias. |
Exame Físico | Procure sinais de gravidade:
-Má perfusão; -Congestão pulmonar; -Arritmias ventriculares. |
Eletrocardiograma | É o definidor da próxima etapa. A questão norteadora é: há supra de ST? |
Monitorização | Monitore o ritmo cardíaco;
Deixe fonte de O2 disponível; Obtenha acesso venoso periférico. |
Medicações | AAS (mastigado);
Nitrato*; Morfina*; Oxigênio. |
Laboratório | Troponina.
-Não há indicação para CK-MB ou mioglobina. |
*Nitrato é contraindicado se houve uso recente de sildenafila (Viagra) ou similares. Morfina e nitrato são contraindicados se houver hipotensão (PAS< 100 mmHg) ou sinais de disfunção do VD (turgência jugular patológica com “pulmões limpos”, IAM de parede inferior etc).
Passo 2: defina seu plano terapêutico
O ECG é o divisor de águas: paciente com supradesnível do segmento ST necessita de reperfusão emergencial, mecânica (angioplastia) ou química (trombólise). Já os pacientes sem supradesnível do segmento ST deverão estratificar o seu risco cardiovascular: se moderado a alto, vão para estratégia invasiva precoce; se baixo, devem avaliar melhor o grau de isquemia por um teste funcional.
SEM SUPRA ST |
COM SUPRA ST | |||
Estratificação de Risco |
Angioplastia Primária (90 min) |
Trombólise | ||
Preferencial | Caso CAT demore > 120 min | |||
Baixo | Moderado | Alto | Obrigatório:
Instabilidade hemodinâmica Contraindicações trombólise |
Tem bons resultados: Até 3h do início da dor Parede inferior |
Avaliar teste funcional vs CAT 24-72h | CAT em 12-24h | CAT em 2h | ||
AAS | AAS | AAS | AAS |
AAS |
iP2Y12 (clopidogrel, ticagrelor ou prasugrel) | iP2Y12 (clopidogrel, ticagrelor ou prasugrel) | iP2Y12 (clopidogrel, ticagrelor ou prasugrel) | iP2Y12 (clopidogrel, ticagrelor ou prasugrel) | Clopidogrel |
HBPM plena 2 a 8d
(ou só até o CAT) | HBPM até o CAT | HBPM até o CAT | HBPM até o CAT |
Heparina (exceto se estreptoquinase) |
Estatina dose máxima | Estatina dose máxima | Estatina dose máxima | Estatina dose máxima |
Estatina dose máxima |
Betabloqueadores | Betabloqueadores | Betabloqueadores | Betabloqueadores | Betabloqueadores |
iECA ou BRA | iECA ou BRA | iECA ou BRA | iECA ou BRA | iECA ou BRA |
CAT = coronariografia; HBPM: heparina de baixo peso molecular.
Apesar de existirem dois escores para estimar o risco nos pacientes sem supra-ST (TIMI e GRACE), é importante que você saiba os principais marcadores de risco:
- Disfunção sistólica do ventrículo esquerdo: má perfusão ± congestão pulmonar;
- Arritmias ventriculares malignas (FV/TV);
- Dor típica refratária ou recorrente (a despeito de tratamento clínico otimizado).
Veja mais: ‘Quando a revascularização em síndrome coronariana aguda é indicada?’
Sobre o tratamento farmacológico, algumas novidades importantes são:
AAS: discute-se se a dose de 81 mg é a mais segura. Há um estudo em andamento (NCT02697916) comparando 81 vs 325 mg de AAS.
Inibidores P2Y12:
- Clopidogrel é a escolha quando usamos trombólise.
- Prasugrel é mais potente, mas sangra mais – evitar com AVC prévio e/ou idade > 75 anos.
- Ticagrelor tem sido a principal escolha, mas esteja atento à bradicardia e dispneia.
- O momento de iniciar dependerá da sua instituição: locais com tradição hemodinâmica preferem começar na sala de emergência. Hospitais com alto percentual de casos cirúrgicos preferem esperar a coronariografia e administrar uma droga de ação rápida, como prasugrel, caso a anatomia não seja cirúrgica.
Heparina:
- Os melhores resultados são com enoxaparina (HBPM). A literatura americana e europeia é cheia de dados sobre bivalirudina e fondaparinux, mas no Brasil o que você terá disponível é a boa e velha heparina.
- Quando a opção é por trombólise, parte dos autores prefere a heparina tradicional, pois possui meia vida menor (6h) e há antídoto disponível (protamina).
- Deve ser mantida até a coronariografia. Caso o paciente realize apenas tratamento clínico e avaliação funcional, o tempo mínimo de uso são 48h, mas muitos autores recomendam a manutenção durante a internação, em média por 8 dias.
Betabloqueadores:
- O uso indiscutível é no paciente com insuficiência cardíaca e fração de ejeção reduzida (ICFER).
- Debate-se o melhor momento do seu início. A dica prática é a avaliação hemodinâmica: paciente mais hipertenso e sem congestão pulmonar, iniciar de imediato para aliviar consumo de oxigênio pelo miocárdio. Na presença de congestão ou IVE, aguardar 24h e iniciar aos poucos.
Angioplastia:
- Apesar de haver espaço para debates, a melhor evidência até o momento aponta para abordagem de todas as lesões obstrutivas > 50% nas coronárias – e não apenas o vaso “culpado” pelo IAM.
- A longo prazo, os melhores resultados são com os stents farmacológicos de segunda geração a base de everolimus. Mas cuidado com risco de sangramento, pois este tipo de stent requer dupla terapia antitrombótica por no mínimo 6 meses (ideal: 12m).
- Prefira acesso radial, pelo menor risco de sangramento.
- Não utilize aspiração mecânica de trombos de rotina, pois não melhora prognóstico e tem riscos associados.
iECA/BRA: são preferenciais na presença de ICFER, hipertensão ou diabetes. Atenção à função renal!
Veja também: ‘Malformação coronariana: o que o clínico precisa saber’
Etapa 3: hora da alta
Pacientes submetidos ao tratamento invasivo com revascularização percutânea são os que mais rapidamente vão para casa – alguns em menos de três dias! Quando houver revascularização de todas as lesões, o paciente poderá gradualmente (leia-se uma semana) retomar suas atividades habituais. Nos pacientes que realizaram apenas revascularização da artéria culpada, é necessário um teste funcional, em geral um ergométrico submáximo, para avaliação funcional e de isquemia residual.
Referências:
- https://www.nejm.org/doi/full/10.1056/NEJMra1606915
- https://circ.ahajournals.org/content/126/16/2020
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