A cardiomiopatia amiloide por transtirretina (ATTR-CM) é uma doença crônica progressiva causada pela desestabilização e dissociação dos tetrâmeros da proteína transtirretina (TTR), seguida de dobramento incorreto e agregação da TTR monomérica em precursores tóxicos de amiloide, com posterior deposição fibrilas de TTR no coração. Esse processo pode resultar em insuficiência cardíaca progressiva, redução da tolerância ao esforço, prejuízo na qualidade de vida e morte. Devido à natureza progressiva da ATTR-CM, tanto o diagnóstico precoce quanto o início oportuno do tratamento com benefícios clínicos rápidos são essenciais. Nos últimos anos, o cenário da ATTR-CM evoluiu consideravelmente pela possibilidade de diagnóstico por métodos não invasivos, pela melhora no manejo da insuficiência cardíaca e pela disponibilidade de um tratamento direcionado eficaz (tafamidis).
Como mais uma opção de tratamento, surgiu o acoramidis, um estabilizador oral seletivo da TTR para o tratamento da ATTR-CM, que inibe a dissociação do tetrâmero de TTR. Ele foi projetado para imitar os efeitos estabilizadores da variante genética protetora T119M da TTR.
No estudo de fase 3 ATTRibute-CM, o acoramidis demonstrou eficácia clínica em comparação com placebo em mortalidade por todas as causas, frequência cumulativa de CVH, mudança em relação ao valor basal no nível de peptídeo natriurético tipo B N-terminal (NT-proBNP) e mudança na distância percorrida no teste de caminhada de 6 minutos (6MWD) ao longo de 30 meses. Com os resultados desse estudo, a medicação foi aprovada em 2024 nos EUA e, agora em 2025, na Europa.
O artigo discutido hoje foi publicado recentemente no JACC e apresenta análises secundárias pré-especificadas e pós-hoc do estudo ATTRibute-CM.
Métodos
Estudo de fase 3, randomizado, multicêntrico, duplo-cego, controlado por placebo, que incluiu homens e mulheres entre 18 e 90 anos com diagnóstico estabelecido de ATTR-CM crônica, estável e sintomática; classe funcional I, II ou III da NYHA; e genótipo TTR do tipo selvagem ou variante.
Os participantes foram randomizados na proporção 2:1 para receber acoramidis (800 mg) ou placebo, administrado por via oral duas vezes ao dia por 30 meses. Os participantes puderam iniciar o uso de tafamidis como medicação concomitante, se disponível, após 12 meses de tratamento cego. Todos os participantes randomizados receberam ao menos uma dose da medicação do estudo.
Desfechos
Os participantes foram avaliados a cada 3 meses até o mês 30 durante o período de tratamento duplo-cego.
ACM foi definida como morte por qualquer causa, recebimento de transplante cardíaco ou implantação de dispositivo de assistência mecânica cardíaca.
CVH foi definida como admissão não eletiva em unidade de cuidados agudos por morbidade cardiovascular com internação de pelo menos 24 horas, ou visita não planejada ao pronto-socorro, unidade de atendimento urgente ou clínica de curta permanência (<24 horas) para manejo de insuficiência cardíaca descompensada com necessidade de diurético intravenoso.
A mortalidade cardiovascular incluiu mortes atribuídas a causas cardiovasculares ou indeterminadas, além de implante de dispositivo de assistência mecânica cardíaca ou transplante cardíaco. Apenas os eventos avaliados foram considerados nas análises de eficácia de ACM e CVH.
Resultados
De abril de 2019 até outubro de 2020, 632 indivíduos foram randomizados para receber acoramidis (n = 421) ou placebo (n = 211) em 95 centros de 18 países.
A média da idade dos participantes foi de 77,2 ± 6,6 anos, e 90,8% eram homens. O tempo médio relatado desde o diagnóstico de miocardiopatia por transtirretina amiloide (ATTR-CM) foi de 1,2 ano. A maioria dos participantes apresentava sintomas funcionais NYHA classe I/II e ATTR-CM estágio NAC I/II.
Tafamidis foi iniciado em 107 (17,5%) de 611 participantes. No grupo acoramidis, 61 (14,9%) participantes receberam tafamidis, iniciado após uma mediana de 17,8 meses. No grupo placebo, tafamidis foi iniciado em 46 (22,8%) participantes.
Na linha de base, medicamentos para insuficiência cardíaca foram utilizados por 621 (98,3%) participantes na população de segurança. Antagonistas de receptor de mineralocorticoide (MRA) foram utilizados por 34,0% dos participantes e inibidores de SGLT2 foram utilizados por 2,1% dos participantes.
O desfecho composto de mortalidade por todas as causas (ACM) ou primeiro evento de hospitalização cardiovascular (CVH) ao longo de 30 meses foi observado em 147 (35,9%) de 409 participantes no grupo acoramidis e 102 (50,5%) de 202 participantes no grupo placebo, correspondendo a uma redução absoluta de risco de 14,6% e a um NNT de 7 para prevenir ACM ou primeira CVH em 30 meses de tratamento.
A análise de regressão de Cox revelou uma redução de risco de 36% (HR: 0,64; IC95%: 0,50–0,83; P = 0,0008). As curvas de Kaplan-Meier para tempo até ACM ou primeira CVH nos participantes recebendo acoramidis ou placebo divergiram a partir do mês 3 e continuaram a divergir progressivamente até o mês 30.
Para o subgrupo de 21 participantes com eGFR < 30 mL/min/1,73 m², eventos de ACM foram relatados em 5 (41,7%) de 12 participantes que receberam acoramidis e 5 (55,6%) de 9 participantes que receberam placebo.
As análises de subgrupos para o desfecho composto de ACM ou primeira CVH mostraram eficácia consistente favorecendo acoramidis em quase todos os subgrupos, incluindo genótipo ATTR-CM, níveis de NT-proBNP, eGFR, idade, país, classe funcional NYHA e estágio NAC.
Em comparação com outros estabilizadores de TTR bem caracterizados, como o tafamidis, o acoramidis demonstrou potência, afinidade de ligação, ocupação de sítios de ligação, termodinâmica de ligação e estabilização de TTR melhoradas quando avaliado por uma série de técnicas quantitativas.
Análise de ACM e CVH recorrentes
Ao longo de 30 meses, um total de 261 eventos de ACM e CVH recorrente foi relatado entre os 409 participantes tratados com acoramidis, em comparação com 222 eventos totais em 202 participantes que receberam placebo. Isso corresponde a uma média de eventos de ACM e CVH recorrente por participante de 0,64 com acoramidis e 1,10 com placebo.
Distância percorrida em 6 minutos de caminhada
Houve uma diferença média estimada entre grupos de 15,0 m a favor do acoramidis na distância percorrida no teste de caminhada de 6 minutos (6MWT) no mês 30.
Escore de Kansas City Cardiomyopathy Questionnaire–Clinical Summary (KCCQ-CS)
A análise MMRM mostrou uma diferença média estimada entre os grupos de 3,6 pontos a favor do acoramidis no KCCQ-CS no mês 30.
NT-PROBNP
A mediana dos níveis de NT-proBNP foi consistentemente menor com acoramidis do que com placebo desde o mês 3 até o mês 30.
Espessura da parede posterior do VE e mapeamento por T1 cardíaco
O acoramidis atenuou a progressão da espessura da parede posterior do ventrículo esquerdo em comparação ao placebo. A análise do subgrupo de ressonância magnética cardíaca mostrou que o acoramidis atenuou a progressão do mapeamento por T1 nativo do miocárdio.
Segurança
Eventos adversos foram relatados em 93,3% participantes no grupo acoramidis e em 91,5% participantes no grupo placebo. Eventos graves ocorreram em 60,1% participantes no grupo acoramidis e em 60,2% participantes no grupo placebo. Alterações clinicamente significativas em exames laboratoriais, sinais vitais e eletrocardiograma foram incomuns e similares entre os grupos.
Limitações
O tafamidis concomitante foi introduzido em um subconjunto de participantes em momentos variáveis durante o estudo (17,5% dos participantes no total, com um desequilíbrio em direção a maior uso no grupo placebo em comparação ao grupo acoramidis). Esse desequilíbrio entre os grupos pode ter levado a uma subestimação dos efeitos do acoramidis. Além disso, uma pequena proporção de participantes (2,1% no total) recebeu inibidores de SGLT2 na linha de base. Estudos retrospectivos observacionais recentes mostraram que os inibidores de SGLT2 podem oferecer benefício na ATTR-CM
Por fim, o ATTRibute-CM incluiu uma proporção relativamente baixa de mulheres, participantes como negros ou afro-americanos e de participantes com ATTRv-CM (variante hereditária), que sabidamente tem pior prognóstico.
Conclusões
O tratamento com acoramidis levou a redução em mortalidade cardiovascular e internação por insuficiência cardíaca a partir do terceiro mês de tratamento. A eficácia do acoramidis foi observada em múltiplos desfechos e subgrupos. A consistência interna dos resultados do estudo ATTRibute-CM demonstra a robustez da eficácia do tratamento com acoramidis na melhora dos desfechos clínicos em uma população contemporânea com ATTR-CM. Estudos adicionais, incluindo a extensão aberta atualmente em andamento do ATTRibute-CM (NCT04988386), fornecerão mais informações sobre a eficácia e segurança de longo prazo dessa medicação.
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