Diagnóstico da sarcoidose cardíaca
A sarcoidose cardíaca (SC) é uma cardiomiopatia infiltrativa que resulta da inflamação granulomatosa do miocárdio. O diagnóstico preciso é um desafio devido às apresentações diversas e inespecíficas e, por isso, a combinação de imagens multimodais e equipe multidisciplinar são necessárias para estimar a probabilidade de um indivíduo ter SC.
Dada a morbidade e mortalidade associadas ao envolvimento cardíaco dessa doença, é essencial um diagnóstico preciso para permitir o tratamento imediato. No entanto, faltam ensaios clínicos randomizados sobre o assunto.
Nesse contexto, a AHA publicou uma declaração científica a fim de sumarizar o que há de mais atualizado sobre a doença.
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Fisiopatologia e epidemiologia
A causa exata e a fisiopatologia da sarcoidose não são totalmente compreendidas, mas a hipótese mais comum envolve exposição ambiental (incluindo mofo, inseticidas ou pó de sílica) a um antígeno desconhecido no contexto de predisposição genética. Estudos demonstraram suscetibilidade genética relacionada aos alelos HLA classe II.
Após a exposição ao antígeno, ocorre uma reposta imunológica desregulada das células T, o que leva, em última análise à ativação de macrófagos e à formação de células inflamatórias não necróticas (chamadas granulomas não caseosos) que podem ser observadas em quase todos os sistemas orgânicos, incluindo o coração.
A fase inflamatória ativa pode progredir para a fase fibrótica e ambas podem contribuir para a disfunção cardíaca.
Nos Estados Unidos, a sarcoidose sistémica tem prevalência de 35,2 casos por 100 mil habitantes.
A prevalência é maior em mulheres e particularmente prevalente na população japonesa. Além disso, o fenótipo clínico da sarcoidose cardíaca parece variar de acordo com a raça e o sexo, com insuficiência cardíaca (IC) sintomática mais comum em indivíduos negros e em mulheres, enquanto as arritmias ventriculares (AVs) são mais frequentes em homens.
Manifestações clínicas
Em indivíduos com sarcoidose sistêmica, o pulmão é o órgão mais frequentemente envolvido (90% dos casos). Embora 20% dos pacientes com sarcoidose sistêmica encaminhados para exames de imagem tenham envolvimento cardíaco, a doença clinicamente manifesta é encontrada em apenas 5%.
Certos cenários clínicos devem levantar “sinais de alerta” para a possibilidade de SC:
- Bloqueio atrioventricular de alto grau inexplicável, indivíduo <60 anos de idade;
- Fração de ejeção do VE (FEVE) reduzida;
- Aneurisma de parede regional ou adelgaçamento do septo basal na ausência de doença arterial coronariana.
Nos exames laboratoriais, pode haver hipercalcemia pelo aumento da produção de 1,25-di-hidroxivitamina D pelos macrófagos ativados.
A maioria dos indivíduos com sarcoidose cardíaca demonstrará envolvimento sistêmico, ressaltando a necessidade de uma avaliação completa dos órgãos.
Em casos de SC clinicamente isolada, outras causas para a apresentação cardíaca devem ser excluídas, principalmente cardiomiopatia hereditária.
Diagnóstico
Eletrocardiografia e ecocardiografia
Ambos têm sensibilidade limitada, mas podem fornecer pistas sobre o diagnóstico.
No ECG: atraso de condução, BAV, complexos QRS fragmentados e bloqueio de ramo direito ou esquerdo.
Na ecocardiografia: FEVE reduzida, aneurisma de parede regional, afinamento septal basal e deformação longitudinal global anormal.
Vale destacar indivíduos com SC podem apresentar ECG e ecocardiografia normais; assim, a ressonância magnética cardíaca (RMC) e a tomografia por emissão de pósitrons (PET) com flúor-18 fluordesoxiglicose (FDG) são as modalidades de imagem fundamentais para o diagnóstico preciso.
Ressonância magnética cardíaca (RMC)
Útil para localizar e quantificar áreas de realce tardio com gadolínio (RTG) como marcador de envolvimento miocárdico por sarcoidose.
Com critérios clínicos utilizados como referência e padrões de RTG não isquêmicos, a RMC pode apresentar alta sensibilidade (95%) e especificidade (85%) para o diagnóstico de SC.
O RTG miocárdico pode ocorrer devido à inflamação ou à fibrose/cicatriz relacionada à sarcoidose. Locais comuns de envolvimento: envolvimento subepicárdico do VE, septal, multifocal do VE ou envolvimento da parede livre do VD.
Vale destacar que o RTG frequente está associado a um alto risco de eventos arrítmicos, independentemente da FEVE e da extensão do RTG.
Entretanto, não existem padrões de RTG que sejam suficientes para o diagnóstico de SC e a ausência de RTG não exclui totalmente sarcoidose cardíaca porque pode existir envolvimento cardíaco precoce antes de aparecer RTG nos exames de imagem.
PET FDG
O FDG-PET é geralmente realizado em conjunto com a RMC para avaliar a atividade da doença e monitorar a resposta ao tratamento. O FDG-PET também deve ser realizado se alta probabilidade pré-teste permanecer apesar dos resultados negativos, não diagnósticos ou equívocos da RMC ou em situações em que a RMC for contraindicada.
A imagem de FDG-PET identifica lesões inflamatórias metabolicamente ativas.
A marca registrada da CS na imagem FDG-PET é a presença de captação multifocal de FDG, particularmente quando associada a defeitos de perfusão em repouso ou em associação com inflamação extracardíaca.
Vale destacar que um exame negativo não exclui SC, já que os granulomas metabolicamente ativos podem ter sido substituídos por granulomas metabolicamente inativos (tecido fibrótico), resultando em falso negativo.
Resultados falso-positivos podem ocorrer como resultado de supressão fisiológica incompleta ou regulação positiva de glicose em outros estados de doença, como miocárdio isquêmico (hibernação), outras formas de cardiomiopatia dilatada ou infarto do miocárdio recente.
Além disso, procedimentos cardíacos recentes, como a ablação de AVs, podem resultar em inflamação aguda e levar a um estudo falso-positivo.
Diagnóstico
Existem duas vias aceitas para diagnosticar SC. A primeira via requer confirmação histológica de granulomas não caseosos (sem causa alternativa identificada). A biópsia, no entanto, tem sensibilidade limitada devido à natureza irregular da infiltração miocárdica.
O diagnóstico de sarcoidose cardíaca também pode ser feito por meio da integração de critérios clínicos, patológicos e de imagem. Atualmente, tem se preferido pensar na probabilidade de SC de acordo com as seguintes categorias: definida, altamente provável, provável e possível/baixa probabilidade:
PROBABILIDADE DIAGNÓSTICA | CRITÉRIOS |
Diagnóstico definido de SC | Granuloma não caseoso na análise de tecido miocárdico (sem outras causas alternativas) |
Alta probabilidade de SC | Requer os 4 critérios: sarcoidose extracardíaca confirmada, clínica consistente, imagem compatível (RM ou PET-FDG) e outras causas excluídas |
SC provável | Diagnóstico histológico de sarcoidose extracardíaca + 2:
OU Sem diagnóstico histológico de sarcoidose extracardíaca -> Requer os 3 critérios:
|
Possível/baixa probabilidade | Inclui pacientes com ou sem diagnóstico histológico ou clínico de sarcoidose extracardíaca que não atendem aos critérios de SC definida, altamente provável ou provável. |
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Conclusões
O crescente reconhecimento da SC oferece a oportunidade de iniciar terapias eficazes em tempo hábil. Um alto índice de suspeita clínica é fundamental para identificar esse possível diagnóstico e a colaboração multidisciplinar é necessária para garantir um diagnóstico preciso e fornecer o melhor cuidado possível aos indivíduos com SC.
Ainda existem muitas lacunas no conhecimento sobre a SC, portanto aguardamos ensaios clínicos randomizados que forneçam evidências robustas sobre o assunto.
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