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Hoje, 26 de abril, é comemorado o Dia Nacional de Prevenção e Combate à Hipertensão Arterial. As doenças cardiovasculares são a principal causa de óbito no Brasil e no Mundo e a hipertensão arterial sistêmica (HAS) é o principal fator de risco. Dados nacionais indicam, inclusive, crescimento da prevalência de HAS, diabetes e obesidade na última década. Portanto, combater a HAS tem grande impacto na redução do risco cardiovascular. Estudos mostram que, mesmo com progresso recente, a maioria dos pacientes hipertensos não está controlado.
No último Global Burden of Disease, a prevalência mundial de HAS cresceu de 17% para 20% nos últimos cinco anos, sendo hoje a principal causa de “dias perdidos” (DALY – disability-adjusted life years). As duas principais consequências da HAS que impactam a mortalidade e o DALY são a doença coronariana e o AVC, tanto isquêmico como hemorrágico.
O primeiro passo na HAS é a avaliação do paciente, que compreende:
- Medir corretamente a pressão arterial
- Pesquisar sinais de causas secundárias
- Estimar o risco cardiovascular
A medida de hipertensão
A medida da pressão arterial é o primeiro desafio. As duas diretrizes mais recentes, AHA (2017) e ESC (2018), enfatizam a importância da medida correta. Apesar de simples, estudos mostram que os médicos ainda falham muito, mesmo aqueles que estudaram há pouco tempo o assunto. E ao contrário da crença comum, os aparelhos automáticos mais novos, calibrados e validados apresentam maior acurácia na medida da PA que os nossos velhos aneroides. Esse dado foi ratificado em estudo recente agora em 2019.
O método mais usado ainda é a medida de consultório, mas a MAPA e a MRPA têm maior acurácia para diagnóstico e prognóstico. Por definição, a medida deve ser feita duas vezes na consulta e em pelo menos duas consultas. No paciente com HAS estágio 3 e/ou se houver lesão do órgão-alvo já instalada, não é necessária uma segunda consulta e você está autorizado a começar o tratamento de imediato.
Além disso, mantém-se a recomendação para as medidas domiciliares, seja por MAPA ou pela MRPA, como forma de obtermos valores mais próximos da vida real, do dia a dia, bem como engajar o paciente no autocuidado e tratamento. Em 2018 a SBC atualizou suas diretrizes de MAPA/MRPA e os valores de referência. Até 25% dos pacientes com HAS no consultório têm efeito do jaleco branco e sua PA em casa está normal.
Um estudo recente, inclusive, propõe o uso da MAPA como estratégia de rastreamento universal nos pacientes hipertensos de maior risco, e mostraram que um escore, chamado PROOF-BP, pode ser útil para identificar quem são essas pessoas.
Causas secundárias
Apesar dos livros de semiologia apresentarem diversas “pistas” de causas secundárias, o mais comum é a suspeita quando:
- Hipertensão em paciente jovem
- Hipertensão resistente ou de difícil controle
- Piora da função renal
- Suspeita de apneia do sono
- Drogas que podem aumentar a PA, como descongestionantes nasais, corticoide e anticoncepcionais.
Nestes cenários, o primeiro passo é avaliar a função renal e se há estenose renovascular. Se os exames forem negativos, prossegue-se à investigação hormonal (feocromocitoma e hiperaldosteronismo) e avaliação da síndrome de apneia obstrutiva do sono.
Estratificação de Risco
É recomendado o uso de um escore para estimar o risco cardiovascular, que leve em consideração o valor da PA basal e o conjunto de fatores de risco para eventos cardiovasculares (IAM, AVC ou morte). Na Europa, eles utilizam o SCORE, mas no Brasil a SBC recomenda o escore de risco global. Além disso, informações da história, exame físico e exames complementares ajudam a refinar a classificação de risco:
Baixo | SCORE < 1%
ERG < 5% |
Moderado | SCORE 1-5%
ERG 5-20% (H) ou 5-10% (M) HAS estágio 2 |
Alto | SCORE 5-10%
TFGe 30-59 ml/min/m² HVE (etiologia hipertensiva) DM sem lesão órgão alvo HAS estágio 3 Hipercolesterolemia familiar (e equivalentes) |
Muito Alto | SCORE ≥ 10%
ERG > 20% (H) ou > 10% (M) TFGe < 30 ml/min/m² DM com lesão órgão alvo Doença cardiovascular estabelecida Aterosclerose comprovada (ex: placa >50% carótida) Evento cardiovascular prévio |
*TFGe: taxa de filtração glomerular estimada; ERG, escore de risco global.
Como vocês podem observar, há uma valorização da pesquisa de condições associadas, como diabetes e dislipidemia, e da presença de lesões de órgão-alvo, agora chamadas HMOD (hypertension mediated organ damage).
O que é importante ao final? Que você consiga enxergar se o paciente é de baixo, moderado ou alto risco, porque é essa medida que irá orientar a intensidade e os objetivos do tratamento. Pacientes de baixo risco terão como meta a PA < 140/90, ao passo que os de alto risco têm por objetivo uma PA < 130/80 mmHg. Se você ficar na dúvida, crescem as evidências que o escore de cálcio na TC é o melhor método para refinar a estratificação, apesar que ainda podem ser utilizados o IMT na carótida, lipoproteína (a), PCR, microalbuminúria, entre outros.
O segundo passo na avaliação do hipertenso é o tratamento, que falaremos a seguir.
Tratamento
Uma vez que você tenha feito o diagnóstico e a estratificação de risco, chegou a hora de iniciar o tratamento:
Medidas não farmacológicas: destaque para dieta hipossódica e com padrão DASH, rica em verduras/frutas/fibras, bem como a prática regular de exercícios físicos. Lembrando que a dieta seria até mais normossódica que hipossódica, com 5 g sal/2 g sódio ao dia. Um reportagem recente mostrou o excesso do consumo de sal como o vilão mais comum na alimentação mundial.
O tabagismo também deve ser interrompido e o consumo de álcool moderado. Já em relação ao café há polêmica: em doses moderadas, não parece afetar o risco cardiovascular, e há até estudos associando com menor mortalidade. Mas doses excessivas, como encontrado em energéticos, pode aumentar o risco de hipertensão e arritmias.
Medidas farmacológicas: há três classes de drogas para primeira linha – iECA (ou BRA), bloqueadores dos canais de cálcio e tiazídicos. Em negros e idosos, as combinações com anlodipino e hidroclorotiazida são mais eficazes, como corroborado por estudo recente no congresso da ACC em 2019.
- META: Como regra geral, a meta da PA é < 140/90 mmHg. No fim de 2017, os americanos trouxeram polêmica e vêm sugerindo um novo valor de corte para diagnóstico de HAS: 130/80. Claro que o tema está em debate e não foi totalmente aceito pelas demais sociedades da área. A ESC, em 2018, manteve o ponto de corte para diagnóstico de hipertensão em 140/90 mmhg. Mas convergiu com a americana no objetivo do tratamento: pacientes de maior risco devem ter como meta PA < 130/80 mmHg.
- RESISTÊNCIA: Alguns pacientes podem não atingir a meta mesmo com o uso de três anti-hipertensivos, na dose máxima tolerada, incluindo um diurético. É a chamada “hipertensão resistente”. É importante avaliar a adesão, pesquisar o efeito do jaleco branco e se de fato for “HAS resistente verdadeira”, associar a 4ª droga: espironolactona. A diretriz de 2018 da AHA ratifica essa proposta, valorizando a medida correta e a adesão ao tratamento:
- Use MAPA ou MRPA para afastar o efeito do jaleco branco
- Meça adesão ao tratamento e facilite a vida do paciente: posologia simples e de baixo custo
Idosos apresentam peculiaridades e a meta da PA deve ser individualizada, levando em consideração cognição, frailty e expectativa de vida. Diretrizes recentes recomendam iniciar tratamento em pacientes com idade de 60 anos ou mais com pressão sistólica ≥ 150 mmHg, com o objetivo de manter a pressão sistólica < 150 mmHg.
Em gestantes, o tratamento da HAS tem peculiaridades:
- É preciso avaliar se há critérios de pré-eclâmpsia grave, nas quais o tratamento é uma urgência hipertensiva. Toda gestante com PA ≥ 170/100 mmHg é uma urgência e deve ser internada. Quando tratar?
- Sem fatores de risco: se PA ≥ 150/95 mmHg
- Com fatores de risco: se PA ≥ 140/90 mmHg
- As drogas para uso durante a gestação são metildopa, nifedipino e hidralazina. O labetalol, muito badalado em livros-textos, não está disponível no Brasil.
- Lembrar de na pré-eclâmpsia usar o AAS entre 12ª e 37ª semana de gestação.
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Referências:
- Forouzanfar MH, Liu P, Roth GA, et al. Global Burden of Hypertension and Systolic Blood Pressure of at Least 110 to 115 mm Hg, 1990-2015. JAMA. 2017;317(2):165–182. doi:10.1001/jama.2016.19043
- Abbasi J. Medical Students Fall Short on Blood Pressure Check Challenge. JAMA. 2017;318(11):991–992. doi:10.1001/jama.2017.11255
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