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As doenças cardiovasculares são as maiores causas de morte no Brasil e no mundo, e a hipertensão arterial sistêmica (HAS) é o principal fator de risco. A prevalência de HAS é de 30% da população, mas apenas metade sabe do diagnóstico e, destes, menos de um terço estão com a pressão arterial (PA) controlada. Por ser uma doença comum, publicamos diversas reportagens anteriores falando do diagnóstico, investigação e tratamento, e recomendamos a leitura do resumo que preparamos. Aqui, nosso objetivo é destacar as novidades clinicamente relevantes da nova diretriz de hipertensão da European Society of Hypertension.
Definição
Essa era a novidade mais aguardada, face às novas recomendações da AHA/ACC no fim de 2017. Mas a ESC não seguiu os americanos e manteve os valores 140/90 mmHg como definição de hipertensão. É bem verdade que à frente podem ser observados vários “pontos-e-vírgulas” falando dos 130/80, mas para fins epidemiológicos, lá na Europa continua HAS = PAS ≥ 140 e/ou PAD ≥ 90 mmHg. E a tendência é que a SBC siga esse padrão.
Além disso, foi mantida a classificação de risco:
ESC 2018 | PAS
(mmHg) | PAD
(mmHg) |
Ótimo | < 120 | < 80 |
Normal | 120-129 | 80-84 |
Normal-Alto | 130-139 | 85-89 |
Estágio 1 | 140-159 | 90-99 |
Estágio 2 | 160-179 | 100-109 |
Estágio 3 | ≥ 180 | ≥ 110 |
Como fazer o diagnóstico
A medida em consultório continua como padrão por sua simplicidade e baixo custo. Exceto em grávidas, a diretriz recomenda o uso de aparelhos automáticos ou semiautomáticos, oscilométricos, de braço, como referência para as medidas.
O ideal é medir nos dois braços na primeira consulta e usar maior valor. Caso a diferença entre os membros seja > 15 mmHg, pesquisa doença arterial.
Em cada consulta, meça a PA três vezes com 1-2 min de intervalo e utilize a médias das duas últimas medidas como referência.
No paciente com HAS estágio 3, e/ou se houver lesão do órgão-alvo já instalada, não é necessária uma segunda consulta e você está autorizado a começar o tratamento de imediato. Nos demais casos, repita as medidas em outro dia antes de iniciar o tratamento. Quanto maior a PA basal, menor o intervalo entre tais consultas.
Além disso, mantém-se a recomendação para as medidas domiciliares, seja por MAPA ou pela MRPA, como forma de obtermos valores mais próximos da vida real, do dia a dia, bem como engajar o paciente no autocuidado e tratamento.
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Estratificação do Risco Cardiovascular
É recomendado o uso de um escore para estimar o risco cardiovascular, que leve em consideração o valor da PA basal e o conjunto de fatores de risco para eventos cardiovasculares (IAM, AVC ou morte). Na Europa, eles utilizam o SCORE, mas no Brasil a SBC recomenda o escore de risco global. Além disso, informações da história, exame físico e exames complementares ajudam a refinar a classificação de risco:
Baixo | SCORE < 1%
ERG < 5% |
Moderado | SCORE 1-5%
ERG 5-20% (H) ou 5-10% (M) HAS estágio 2 |
Alto | SCORE 5-10%
TFGe 30-59 ml/min/m² HVE (etiologia hipertensiva) DM sem lesão órgão-alvo HAS estágio 3 Hipercolesterolemia familiar (e equivalentes) |
Muito Alto | SCORE ≥ 10%
ERG > 20% (H) ou > 10% (M) TFGe < 30 ml/min/m² DM com lesão órgão-alvo Doença cardiovascular estabelecida Aterosclerose comprovada (ex: placa >50% carótida) Evento cardiovascular prévio |
*TFGe: taxa de filtração glomerular estimada; ERG, escore de risco global.
Como pode ser observado, há uma valorização da pesquisa de condições associadas, como diabetes e dislipidemia, e da presença de lesões de órgão-alvo, agora chamadas HMOD (hypertension mediated organ damage). Por isso, houve alteração na avaliação inicial do paciente hipertenso:
Exames já recomendados na diretriz anterior:
- Glicemia de jejum
- Colesterol total, HDL-col, LDL-col, triglicerídeos
- Creatinina sérica (com estimativa da taxa de filtração glomerular)
- Potássio sérico
- Ácido úrico sérico
- Análise da urina (EAS ou tipo 1)
- Eletrocardiograma
O que entrou:
- Hemoglobina glicada
- Ureia
- Sódio
- Relação albumina/creatinina em amostra urinária
- Fundoscopia para HAS estágio 2 e 3
Tratamento
As opções de tratamento estão mantidas, assim como a importância da adoção das medidas não farmacológicas. Mas um trecho muito destacado na diretriz são os dois fatores principais que atrapalham o controle da PA:
- Má adesão ao tratamento.
- “Inércia” do médico em reajustar a dose dos anti-hipertensivos.
Por isso, o texto traz grande ênfase a medidas simples, como:
- Tentar combinações de fármaco. A má adesão é proporcional à quantidade de comprimidos, indo de 10% em pacientes com uma dose por dia a 40% com três tomadas.
- Simplificar posologia.
- Envolver o paciente no autocuidado e no tratamento. Reforçar a importância de tomar a medicação mesmo com a PA controlada.
- Preferir medicações de baixo custo.
As classes de fármacos para tratamento inicial são as mesmas, com destaque para o tripé iECA ou BRA + bloqueador canais cálcio (BCC) + diurético tiazídico, sendo os betabloqueadores mais importantes quando há cardiopatia estrutural, como isquemia e insuficiência cardíaca.
Leia mais: Atualização em hipertensão: novidades do congresso ESC 2018
Outro aspecto fundamental é que a diretriz recomenda expressamente o início do tratamento com dois fármacos anti-hipertensivos em dose baixa. Os argumentos são mais eficácia (sinergismo), menos efeitos colaterais e maior adesão, pois na falha inicial ao controlar a PA, basta ajustar a dose, sem o efeito “psicológico” de acrescentar mais remédios à prescrição. A monoterapia ficaria restrita a pacientes de baixo risco e aos muito idosos, como forma de obter redução gradual e pequena da PA.
Quando iniciar tratamento farmacológico?
*As medidas não farmacológicas, com destaque para dieta do Mediterrâneo, restrição do consumo de sal e exercícios físicos, são recomendadas para todos os grupos.
**Principalmente se houver doença arterial coronariana.
Qual a meta no controle da hipertensão?
A diretriz recomenda uma meta inicial < 140/90 mmHg e, no paciente com boa tolerância, a seguir tentar < 130/80 mmHg, com atenção a três fatores:
- A meta final é PAS 120-129 e PAD < 80 (ideal 70-79) mmHg
- Evitar PAS < 120 mmHg em qualquer paciente e em qualquer idade
- Evitar PAS < 130 mmHg em idosos > 65 anos
Sobre os procedimentos invasivos, a diretriz recomenda novos estudos, incluindo o marcapasso no bulbo carotídeo, a denervação renal e a cirurgia para confecção de fístula arteriovenosa.
Grupos especiais:
- Idosos: a fragilidade e o estado geral, incluindo cognição, é que irão guiar a meta.
- Início do tratamento 65-80 anos: 140/90 mmHg
- Início do tratamento > 80 anos: 160/90 mmHg
- Quanto mais “inteiro” ou saudável o idoso, mais você deve correr atrás da meta de PAS 130-139 e PAD < 80 mmHg.
- Renal crônico: segue a mesma meta da população em geral. iECA e BRA são frequentemente usados para reduzir proteinúria e “aceite” perda de até 20-30% na função renal. Se piorar mais que isso, suspenda medicação e investigue doença renovascular.
- Hipertensão resistente
- Busque sempre causas de pseudo-resistência, com destaque para má adesão ao tratamento e fenômeno do jaleco-branco.
- A espironolactona se consolida como 4ª droga, quando o esquema de iECA ou BRA + BCC + diurético não for suficiente.
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Referências:
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