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Cardiologia25 dezembro 2025

Desfechos cardiovasculares em pacientes com ANOCA 

Estudo avaliou o risco cardiovascular em 15 anos em pacientes com angina sem doença coronariana obstrutiva (ANOCA)
Por Juliana Avelar

Pacientes com sintomas compatíveis com angina e alta probabilidade clínica de DAC são comumente encaminhados para imagem coronária diagnóstica. No entanto, muitos desses pacientes não apresentam DAC obstrutiva, condição que mais recentemente tem sido denominada angina sem doença coronariana obstrutiva (ANOCA). De acordo com diretrizes internacionais, pacientes com ANOCA apresentam maior risco de eventos clínicos adversos e, portanto, merecem atenção. No entanto, não havia evidências de que esses pacientes realmente têm risco maior do que a população geral. 

Nesse contexto, foi publicado recentemente no JACC um estudo que teve o objetivo de avaliar o risco cardiovascular em 15 anos em pacientes com ANOCA.  

Foram utilizados dados do Registro Nacional de Pacientes da Dinamarca. Todos os pacientes com idade ≥ 18 anos, que realizaram angiografia coronária na Dinamarca entre 1º de janeiro de 2003 e 31 de dezembro de 2021, foram identificados. Pacientes com DAC obstrutiva (definida como estenose ≥ 50% em pelo menos um vaso coronário); DAC difusa (doença multivascular não obstrutiva); ou histórico de infarto do miocárdio, angioplastia coronária ou cirurgia de revascularização antes da angiografia foram excluídos. Pacientes submetidos a angiografia em contexto agudo ou subagudo, ou encaminhados para realizar o exame por indicação diferente de “angina estável”, também foram excluídos.  

Os pacientes foram pareados no dia da angiografia por sexo e idade, numa proporção de 1:5, com indivíduos da população geral sem história prévia de doença isquêmica do coração, definida como ausência de infarto do miocárdio, angioplastia ou cirurgia de revascularização. 

Resultados: desfechos cardiovasculares em pacientes com ANOCA 

A coorte final consistiu de 21.132 pacientes no momento da angiografia coronária e 105.660 indivíduos da população geral. O tempo mediano de seguimento foi de 10,7 anos. 

Em comparação com a coorte da população geral, os pacientes submetidos à angiografia coronária apresentavam com maior frequência diabetes (13,1% vs 6,7%), hipertensão (42,2% vs 11,6%), doença pulmonar crônica (11,7% vs 5,7%), insuficiência cardíaca (3,6% vs 0,9%) e fibrilação atrial (11,6% vs 3,3%). Os pacientes submetidos à angiografia também eram tratados com maior frequência com agentes antitrombóticos, estatinas, anti-hipertensivos e fármacos para redução da glicose 

O risco de infarto do miocárdio foi ligeiramente menor menor na coorte submetida à angiografia coronária do que na coorte da população geral durante a maior parte do período de seguimento de 15 anos.  

O risco de AVC isquêmico foi maior, e a mortalidade foi menor, na coorte submetida à angiografia. A análise da mortalidade por causas específicas indicou que câncer e doença cardiovascular foram as causas de óbito mais comuns tanto entre os pacientes submetidos à angiografia quanto na população geral. Os pacientes submetidos à angiografia apresentaram menor risco de morte cardiovascular e morte relacionada ao câncer do que os indivíduos da população geral, mas maior risco de morte por doenças respiratórias. 

Além disso, pacientes mais jovens submetidos à angiografia (< 55 anos) apresentaram riscos maiores de infarto do miocárdio, AVC isquêmico e óbito por todas as causas do que os indivíduos da coorte da população geral. Os resultados não diferiram substancialmente quando estratificados por tratamento com estatina ou presença prévia de doença aterosclerótica cardiovascular. Pacientes com DAC difusa, não obstrutiva e multivascular apresentaram maior risco de infarto do miocárdio e mortalidade por todas as causas (diferença de risco em 15 anos: 3,9%) em comparação com a coorte pareada da população geral. 

O tempo mediano até o infarto do miocárdio foi maior entre os pacientes da angiografia (7,1 anos vs 5,7 anos). O tempo mediano até o AVC isquêmico foi semelhante. Pacientes que apresentaram eventos isquêmicos após a angiografia tiveram menor mortalidade em 5 anos do que indivíduos da população geral que apresentaram o mesmo evento isquêmico, independentemente de o evento isquêmico ter sido infarto do miocárdio ou AVC isquêmico. 

Esse estudo fornece importantes e inéditas informações para interpretar o risco cardiovascular futuro em pacientes com ANOCA: 

  • ANOCA foi associada a um risco de infarto do miocárdio marginalmente menor do que o observado na população geral pareada ao longo da maior parte dos 15 anos de seguimento, embora as incidências cumulativas tenham atingido 3,5% em ambas as coortes ao final do seguimento de 15 anos. 
  • O risco de acidente vascular cerebral isquêmico foi maior em pacientes submetidos à angiografia coronária em comparação com a população geral, efeito principalmente impulsionado por maior risco excedente em pacientes mais jovens. No entanto, ao controlar fatores potenciais de confusão, o risco de acidente vascular cerebral foi menor em pacientes com ANOCA. 
  • Apesar de uma prevalência substancialmente maior de comorbidades relevantes, a mortalidade por todas as causas foi marginalmente menor em pacientes com ANOCA submetidos à angiografia do que na população geral.  
  • Pacientes com ANOCA foram mais frequentemente tratados com medicamentos preventivos, o que provavelmente contribuiu para seu prognóstico cardiovascular. 
  • Homens e pacientes mais velhos tiveram o prognóstico mais favorável quando comparados com a população geral.  

Esses resultados sugerem que pacientes com ANOCA devem ser tratados de acordo com seus perfis individuais de risco, seguindo metas terapêuticas baseadas em diretrizes semelhantes às recomendadas para a população geral, em vez de serem universalmente considerados como tendo risco elevado de eventos clínicos adversos. 

Um achado importante foi a influência marcante da idade no momento da angiografia: idade jovem (<55 anos) foi associada a maior risco de infarto do miocárdio, acidente vascular cerebral e morte, enquanto achados opostos (exceto para acidente vascular cerebral) foram observados em pacientes com 65 anos ou mais. Esses achados podem estar associados a pelo menos três fatores. Primeiro, a influência das comorbidades no risco de eventos cardiovasculares tende a diminuir com o tempo, pois a idade avançada se associa a maior probabilidade de morte por causas competitivas. Segundo, pacientes mais idosos com ANOCA teriam menor probabilidade de desenvolver DAC obstrutiva simplesmente porque viveram mais tempo sem desenvolvê-la. Terceiro, uma publicação dinamarquesa recente mostrou que aproximadamente 10% dos indivíduos assintomáticos com idade mediana de 60 anos apresentam DAC obstrutiva quando examinados por angiotomografia coronária, e que possuir DAC obstrutiva se associa a risco oito vezes maior de infarto do miocárdio. Assim, considerando que a população de comparação no presente estudo também tinha idade mediana de cerca de 60 anos, pode-se supor que aproximadamente 10% possuem DAC obstrutiva não identificada, porcentagem potencialmente maior entre os com 65 anos ou mais. 

Finalmente, uma diferença potencial entre pacientes com ANOCA e indivíduos da população geral diz respeito ao comportamento de busca por atendimento. Algumas pessoas tendem a procurar assistência ao apresentar sintomas, enquanto outras ignoram até mesmo sintomas graves. Dessa forma, pacientes com ANOCA podem receber tratamento preventivo adequado, enquanto a população geral pode estar subtratada em relação aos fatores de risco cardiovascular.  

Limitações  

Pacientes que chegam à angiografia têm maior probabilidade de buscar atendimento ao menor sintoma, realizar exames de prevenção e aderir a tratamentos. Isso pode reduzir o risco observado em comparação com a população geral, que pode estar subtratada. Além disso, a  população geral, apesar de pareada por idade e sexo, pode incluir indivíduos com DAC subclínica não diagnosticada (estimado: ~10% de obstrução subclínica em assintomáticos na angiotomografia). Esse fator pode nivelar artificialmente o risco entre os grupos.  

A definição de ANOCA vs DAC difusa depende exclusivamente do contorno luminal angiográfico, o que não detecta doença microvascular, vasoespasmo e aterosclerose difusa com remodelamento compensatório.  

Por fim, ANOCA engloba mecanismos diferentes com riscos distintos. Sem estratificação funcional (ex.: CMR perfusão, teste de acetilcolina), o risco é analisado em nível de coorte e não de fenótipo. 

Desfechos cardiovasculares em pacientes com ANOCA 

Conclusões 

Nesse estudo dinamarquês, pacientes com ANOCA apresentaram risco semelhante de infarto do miocárdio em 15 anos, menor mortalidade e risco marginalmente maior de acidente vascular cerebral quando comparados com uma coorte pareada da população geral sem DAC conhecida. Esses resultados parecerem estar relacionados aos benefícios de ausência/leve comprometimento arterial, manejo profilático otimizado dos fatores de risco cardiovascular e viés de usuário saudável, mas devemos ressaltar que ANOCA tem um espectro fisiopatológico variado e alguns mecanismos específicos (como disfunção de microcirculação) podem representar maior risco cardiovascular, o que reforça a necessidade de individualização da abordagem desses pacientes.

Autoria

Foto de Juliana Avelar

Juliana Avelar

Médica formada pela Universidade Federal Fluminense (UFF). Cardiologista pelo Instituto Dante Pazzanese de Cardiologia

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