O ticagrelor, um potente antagonista do receptor P2Y12, é um fármaco recomendado pelas diretrizes para síndromes coronarianas agudas (SCA). Mais de 10% dos pacientes com SCA necessitam de cirurgia de revascularização do miocárdio (CRM). Uma preocupação central nesses pacientes em uso de ticagrelor é o risco de sangramento perioperatório grave, associado à mortalidade. A transfusão de plaquetas não é capaz de reverter os efeitos antiplaquetários do ticagrelor.
As diretrizes para pacientes em uso de ticagrelor variam, com recomendação de aguardar pelo menos 3 a 5 dias antes da cirurgia. Essas recomendações foram baseadas exclusivamente em dados farmacodinâmicos e estudos retrospectivos. O padrão convencional de aguardar de 5 a 7 dias foi baseado em suposições sobre a recuperação da função plaquetária e a redução do risco de sangramento. A cirurgia precoce, com 2 dias após a suspensão, poderia reduzir eventos isquêmicos, embora haja preocupações com sangramentos aumentados.
O estudo em discussão hoje, publicado recentemente no JAMA, avaliou se a realização precoce da CRM — entre 2 e 3 dias após a interrupção do ticagrelor — é não inferior à estratégia convencional de 5 a 7 dias no que se refere a sangramento perioperatório em pacientes com SCA que requerem CRM não emergencial.
Métodos
O estudo RAPID CABG foi um ensaio clínico multicêntrico, aberto e randomizado, com delineamento de não inferioridade, que comparou a cirurgia precoce (2–3 dias após suspensão do ticagrelor) versus cirurgia tardia (5–7 dias após suspensão), em pacientes com SCA que haviam recebido ticagrelor e foram posteriormente encaminhados para CRM.
O estudo foi conduzido em dois centros no Canadá. Em janeiro de 2021, o comitê diretivo recomendou o encerramento do estudo ao término da fase piloto (último paciente incluído em março de 2021), devido à taxa de recrutamento mais lenta que a esperada e à iminente chegada de um antídoto para o ticagrelor, o que poderia modificar futuras estratégias terapêuticas. Com isso, decidiu-se publicar os dados tanto sobre sangramento quanto sobre desfechos isquêmicos.
Foram incluídos pacientes com pelo menos 18 anos, submetidos à angiografia por SCA. Eram elegíveis aqueles com até 48 horas desde a última dose de ticagrelor e dentro de 7 dias do diagnóstico da SCA. Foram excluídos pacientes que haviam recebido stent para lesão culpada, que necessitavam de cirurgia valvar concomitante, ou que precisavam de CRM emergencial (dentro de 24 horas).
Os participantes foram randomizados 1:1 para cirurgia precoce ou tardia. No momento da revisão do cateterismo e decisão pela CRM, os cirurgiões estavam cegos quanto à alocação do grupo.
Após a randomização, todos os pacientes mantiveram o uso diário de aspirina. O uso de anticoagulantes ficou a critério do médico assistente. Pacientes alocados para CRM precoce foram programados para cirurgia entre 2 dias (> 48 horas) e 3 dias após a última dose de ticagrelor. O grupo da cirurgia tardia teve a CRM programada para entre 5 dias (> 120 horas) e 7 dias.
O desfecho primário foi a ocorrência de sangramento grau 3 (grave) ou grau 4 (maciço), conforme a definição universal de sangramento perioperatório (UDPB – Universal Definition of Perioperative Bleeding).
Para avaliar ainda mais a segurança da abordagem precoce, a drenagem torácica em 12 horas — um desfecho secundário definido a priori — também foi reportada por não inferioridade. Desfechos secundários, incluindo eventos hemorrágicos e isquêmicos, foram avaliados por superioridade. O sangramento perioperatório foi adicionalmente definido conforme os tipos 4 e 5 do Consórcio Acadêmico de Pesquisa em Sangramento (BARC) e sangramento associado à CRM segundo o critério TIMI. Os desfechos isquêmicos antes da cirurgia e em 6 meses incluíram um desfecho composto de morte por todas as causas, infarto do miocárdio não fatal, AVC, isquemia refratária ou revascularização não planejada de urgência. O tempo de internação foi definido como o intervalo da randomização até a alta hospitalar. A função plaquetária foi medida usando o VerifyNow P2Y12 (Werfen), em unidades de reação P2Y12.
Resultados
No total, 143 pacientes foram incluídos, com 72 alocados para o grupo precoce e 71 para o grupo tardio de CRM. Um paciente no grupo precoce e dois no grupo tardio recusaram a cirurgia após randomização. No grupo tardio, 5 pacientes foram operados antes por instabilidade clínica, e outros 2 por decisão médica. Dez pacientes realizaram a cirurgia após a janela alocada por motivos clínicos ou logísticos (6 no grupo precoce, 4 no tardio). Para a análise por protocolo, foram incluídos 65 pacientes no grupo precoce e 58 no grupo tardio.
Os grupos estavam bem balanceados nas características basais, medicações pré-operatórias e razões para CRM. A mediana de idade foi 65 anos; havia 117 homens (82%) e 26 mulheres (18%).
O tempo mediano entre a última dose de ticagrelor e a cirurgia foi de 3 (2-3) dias para o grupo precoce e 6 (5-7) dias para o grupo tardio.
As características cirúrgicas e os exames laboratoriais pré e pós-operatórios foram semelhantes entre os grupos. 92 cirurgias (74,8%) foram realizadas com circulação extracorpórea: 45 (69,2%) no grupo precoce e 47 (81,0%) no grupo tardio (P = 0,15). O número médio de drenos torácicos foi 2,97 em ambos os grupos. Quatro pacientes necessitaram de dreno adicional na UTI por derrame pleural (2 em cada grupo). Entre a interrupção do ticagrelor e a cirurgia, 62 pacientes (95,3%) e 55 (94,8%) nos grupos precoce e tardio, respectivamente, receberam anticoagulação.
Sangramento perioperatório grave ou maciço ocorreu em 4,6% dos pacientes no grupo precoce e em 5,2% no grupo tardio. A mediana da drenagem torácica foi 470 mL no grupo precoce e 495 mL no grupo tardio. Um de 65 pacientes (1,5%) no grupo precoce e nenhum no grupo tardio apresentaram sangramento BARC tipo 4 (relacionado à CRM). Não houve sangramentos fatais (BARC tipo 5). Um paciente (1,5%) no grupo precoce foi submetido a reexploração cirúrgica; nenhum no grupo tardio.
Discussão: CRM precoce vs. tardia em pacientes com SCA em uso de ticagrelor
Em pacientes com síndrome coronariana aguda (SCA) tratados com ticagrelor, uma estratégia de cirurgia de revascularização miocárdica (CRM) precoce, realizada 2 a 3 dias após a suspensão do ticagrelor, foi não inferior à espera de 5 a 7 dias quanto à ocorrência de sangramento perioperatório grave ou maciço. A estratégia precoce não demonstrou aumento na drenagem torácica nas primeiras 12 horas. Além disso, o tempo de internação foi reduzido com a cirurgia precoce, e houve numericamente menos eventos isquêmicos.
As diretrizes canadenses de 2018 recomendavam esperar 5 dias para CRM não urgente, com base principalmente nos achados do PLATO e na bula do medicamento. Diretrizes mais recentes da Sociedade Europeia de Cardiologia, do Japão e de Taiwan recomendam aguardar 3 dias após a suspensão do ticagrelor para CRM não emergencial. Em contraste com diretrizes anteriores que recomendavam 5 dias, o American College of Cardiology e a American Heart Association revisaram recentemente suas recomendações, sugerindo a suspensão do ticagrelor ao menos 24 horas antes de uma CRM urgente. Para cirurgias eletivas, as novas diretrizes recomendam suspensão por 3 dias. Essas recomendações se baseiam em dados retrospectivos e há ausência de evidência prospectiva randomizada.
O PB2453 (bentracimabe), um fragmento de anticorpo monoclonal, mostrou potencial como agente de reversão do ticagrelor e atualmente está sendo avaliado em um estudo de braço único.
Devemos destacar que o RAPID CABG foi desenhado para avaliar a segurança em relação ao sangramento perioperatório em CRM precoce. No entanto, os desfechos isquêmicos devem ser considerados apenas como geradores de hipótese, e conclusões sobre esses desfechos estariam sujeitas a erro tipo II.
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Limitações
O estudo incluiu predominantemente homens, com apenas 20% de mulheres recrutadas.
Pacientes submetidos a implante de stent ad hoc na apresentação foram excluídos, já que stents recentemente implantados exigem inibição agressiva de P2Y12 para prevenção de trombose. Portanto, os achados do estudo não podem ser extrapolados para esse contexto.
O estudo foi conduzido em dois centros de grande volume, o que pode limitar a generalização dos resultados.
Devido ao tamanho da amostra, não é possível tirar conclusões sobre os componentes individuais do desfecho de sangramento.
Conclusões
O estudo RAPID CABG demonstrou que uma estratégia de CRM precoce, realizada 2 a 3 dias após a suspensão do ticagrelor, é segura e não inferior em termos de ocorrência de sangramento perioperatório grave ou maciço. A redução no tempo de espera para cirurgia deve ser considerada, especialmente entre pacientes com anatomia de alto risco, sintomas isquêmicos recorrentes ou instabilidade clínica.
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