A hipertensão afeta mais de um bilhão de adultos no mundo e é um dos principais fatores de risco para doenças cardiovasculares (DCV) e doença renal crônica (DRC). Como mostrado no estudo SPRINT, o controle mais intensivo da pressão arterial (PA) reduz eventos cardiovasculares comparado a alvos tradicionais de PA.
Quando os níveis de controle de PA são mais intensivos, o risco de lesão renal pode ser considerável, porém parece ser compensado pelo benefício cardiovascular. Alguns estudos avaliaram o efeito do controle intensivo na função renal, porém foram realizados em populações selecionadas e os resultados foram controversos.
Assim, foi feito o estudo CRHCP, com objetivo de avaliar a efetividade e segurança de uma estratégia de controle de PA intensivo por profissionais de saúde em uma comunidade rural da China. Uma análise secundária deste estudo avaliou a associação do controle intensivo com desfechos cardiovasculares e renais. A seguir encontram-se os principais pontos desta análise.
Métodos do estudo e população envolvida
Foi estudo randomizado, aberto, porém com desfecho cego, realizado em 326 comunidades rurais da China. Esta análise secundária avaliou dados do seguimento de 36 meses desses pacientes.
Foram avaliados 33.332 pacientes sem DRC, ou seja, com taxa de filtração glomerular (TFG) ≥ 60 mL/min/1,73m². Do total, 17069 foram randomizados para o grupo intervenção e 16.263 para o grupo tratamento padrão. Os participantes foram ainda estratificados de acordo com a TFG em 2 grupos, um de 60 a 89 mL/min/1,73m² e outro ≥ 90 mL/min/1,73m².
O grupo intervenção recebeu tratamento para atingir meta de pressão arterial (PA) de 130x80mmHg e o grupo tratamento padrão era tratado para hipertensão sem um protocolo estabelecido. A pressão arterial (PA) era medida em casa e em consultas e os exames para avaliação da função renal foram coletados no início e após 36 meses de seguimento.
Os desfechos cardiovasculares eram infarto agudo do miocárdio (IAM), acidente vascular cerebral (AVC), insuficiência cardíaca (IC) com necessidade de internação ou morte cardiovascular. O desfecho renal era queda na TFG de 30% ou mais para níveis < 60 mL/min/1,73m².
A segurança do estudo foi avaliada pela ocorrência de efeitos adversos, como hipotensão sintomática e assintomática, lesões por queda, síncope e alterações eletrolíticas.
Resultados
A idade média dos pacientes era 62,8 anos e 61,3% eram do sexo feminino. Os pacientes do grupo intervenção tinham idade menor, maior PA sistólica (PAS) e diastólica (PAD), maior IMC e maior utilização de anti-hipertensivos que o grupo tratamento padrão. A TFG foi semelhante entre os grupos no início do tratamento e pacientes que estavam no grupo de TFG entre 60 e 89 mL/min/1,73m² tinham maior risco de DCV aterosclerótica em 10 anos comparado ao grupo com TFG ≥ 90mL/min/1,73m2.
Após 36 meses, pacientes com TFG entre 60 e 89 mL/min/1,73m² foram de PA 160,1 x 86,9mmHg para 126,4 x 72,3 mmHg no grupo intervenção, comparado a 158,1 x 85,8 mmHg para 149,5 x 81,4 mmHg no grupo tratamento padrão. Nos pacientes com TFG ≥ 90 mL/min/1,73m², a PA foi de 156 x 88,4 para 125,9 x 73,4 no grupo intervenção e de 154,5 x 87,8 mmHg para 146,8 x 82,6 no tratamento padrão.
A ocorrência de desfechos cardiovasculares foi de 2% ao ano no grupo intervenção e 3,3% ao ano no grupo tratamento padrão quando TFG entre 60 e 89 mL/min/1,73m² (HR 0,58; IC95% 0,49-0,70, p < 0,01). Todos os desfechos tiveram diferença estatística quando avaliados individualmente, exceto morte por todas as causas. Quando a TFG era ≥ 90 mL/min/1,73m², a ocorrência de eventos foi de 1,5% ao ano no grupo tratamento padrão e 2,1% no tratamento convencional (HR 0,67; IC95% 0,60-0,75, p < 0,001).
A ocorrência de desfechos renais foi semelhante entre os grupos intervenção e tratamento padrão para as duas faixas de TFG analisadas. Em relação a efeitos adversos, houve maior ocorrência de hipotensão no grupo tratamento intensivo, também para as duas faixas de TFG analisadas e maior ocorrência de hipocalemia nos pacientes do grupo tratamento intensivo quando TFG entre 60 e 89mL/min/1,73m2.
Comentários e conclusão: controle intensivo da pressão arterial
Essa análise secundária, com objetivo de avaliar a influência do controle intensivo da PA em desfechos renais e cardiovasculares de pacientes com hipertensão e sem DRC mostrou que o controle intensivo foi associado a redução de eventos cardiovasculares. Essa redução foi mais pronunciada no grupo com TFG entre 60 e 89mL/min/1,73m2, como podemos ver pelo HR, e não houve maior ocorrência de desfechos renais.
Importante ressaltar que, diferente de estudos prévios que avaliaram populações mais específicas como diabéticos ou idosos por exemplo, este estudo incluiu a população geral, o que torna os resultados mais generalizáveis. Outras diferenças foram que a duração do estudo foi maior, com alcance da meta de PA um pouco mais lentamente e com a meta um pouco mais alta, de 130x80mmHg, o valor atual recomendado pelas diretrizes.
Esses resultados reforçam as evidências de que o controle intensivo de pressão arterial (PA), com meta de 130x80mmHg, pode reduzir a ocorrência de eventos cardiovasculares sem aumentar o risco de piora renal em pacientes sem DRC e deve ser a meta seguida no tratamento dos pacientes.
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