O pré-diabetes é um estado intermediário entre normoglicemia e diabetes mellitus tipo 2, tendo critérios bem definidos por glicemia de jejum alterada, intolerância à glicose oral ou HbA1c alterada.
Embora classicamente associado a risco cardiovascular, cresce a evidência de que já nesta fase possam ocorrer complicações microvasculares, incluindo neuropatia periférica.
A revisão sistemática e meta-análise The Relationship Between Prediabetes and Peripheral Neuropathy, publicada no European Journal of Neurology (2025), investigou a força da associação entre pré-diabetes e manifestações neuropáticas, trazendo implicações relevantes para prevenção e rastreamento.
Objetivo do estudo
Avaliar a relação entre pré-diabetes e ocorrência de neuropatia periférica, sintetizando dados de diferentes métodos diagnósticos (clínicos, eletrofisiológicos e morfológicos).
Metodologia
A revisão sistemática foi registrada no PROSPERO, tendo busca em portais como PubMed, Web of Science, Scopus e Cochrane até julho de 2022, tendo a Inclusão de 26 estudos observacionais (caso-controle, coorte, transversais), totalizando 41.821 indivíduos (16.009 pré-diabéticos e 25.812 controles).
Avaliação da qualidade metodológica foi realizada com as ferramentas do NHLBI (a maioria classificada como alta qualidade) e meta-análise com modelo de efeitos aleatórios, padronizando medidas em standardized mean difference (SMD).
Principais resultados
Amostra total: 26 estudos (n=41.821), sendo 16.009 pacientes com pré-diabetes e 25.812 controles normoglicêmicos.
Qualidade metodológica: 17 estudos classificados como alta qualidade, 8 moderada e apenas 1 baixa.
Associação geral entre pré-diabetes e neuropatia
- Avaliando métricas clínicas de disfunção (ex.: dor neuropática, alteração vibratória, sintomas sensitivos), pacientes com pré-diabetes apresentaram pior desempenho: SMD 0,23 [0,14 – 0,33], p < 0,001.
- Avaliando parâmetros estruturais/fisiológicos (ex.: densidade de fibras da córnea, limiares térmicos), observou-se redução significativa: SMD −1,04 [−1,05 – −0,57], p < 0,001.
Subgrupos de neuropatia
- Evidência de comprometimento em fibras finas (redução de densidade de fibras intraepidérmicas, alterações em limiares térmicos, perda de fibras corneanas).
- Alterações também em fibras grossas (pior desempenho em testes de sensibilidade vibratória, monofilamento, condução nervosa).
- Neuropatia autonômica também foi descrita em alguns estudos, sobretudo em testes de reflexo cardiovascular.
Magnitude do efeito por desfecho
- Comprometimento significativo de fibras corneanas: perda de densidade e comprimento de fibras (SMD entre −0,9 e −1,6 em diferentes estudos).
- Alterações de condução nervosa: redução de velocidade do nervo fibular e do potencial do nervo sural em portadores de pré-diabetes.
- Sensibilidade vibratória reduzida em diversos estudos transversais (SMD ~0,2–0,3).
- Estudos longitudinais sugerem maior risco de desenvolvimento de neuropatia ao longo do seguimento, embora em número reduzido.
Heterogeneidade e consistência
A heterogeneidade foi elevada (I² até 85%), atribuída a diferenças nos métodos diagnósticos (clínicos vs. eletrofisiológicos vs. morfológicos). Apesar disso, análises de sensibilidade mantiveram a significância da associação.
Não houve evidência relevante de viés de publicação (testes de Egger e Begg não significativos).
Discussão e implicações clínicas
O estudo confirma que neuropatia pode estar presente já no estágio de pré-diabetes, reforçando que o dano neuropático não é exclusivo da hiperglicemia franca. Isso amplia a responsabilidade do neurologista e do clínico em reconhecer sintomas precoces (dor em queimação, parestesias, perda de sensibilidade) e em considerar exames de rastreamento, desde o exame clínico de sensibilidade até estudos de neurofisiologia e microscopia confocal de córnea. Além disso, os dados indicam a necessidade de intervenção precoce em estilo de vida e vigilância ativa em indivíduos com fatores de risco associados.
Limitações do estudo
O estudo apresenta heterogeneidade significativa nos métodos diagnósticos e populações, de forma que apenas cinco estudos incluíram ajuste adequado para idade, sexo e IMC.
A falta de estudos longitudinais robustos que confirmem a progressão da neuropatia ao longo do tempo no pré-diabetes também é um ponto de observação.
Mensagem prática
A revisão sistemática reforça que a neuropatia periférica não é exclusividade do diabetes estabelecido, mas pode surgir já no pré-diabetes. O neurologista deve estar atento a sinais precoces, incorporando a avaliação neurológica no cuidado desses pacientes e considerando métodos diagnósticos objetivos em casos sintomáticos ou de alto risco. Estratégias de prevenção e intervenção precoce em estilo de vida devem ser consideradas como parte do manejo integral, visando reduzir complicações e preservar a qualidade de vida.
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