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Cardiologia5 dezembro 2023

Hipotensão em decorrência de medicação para insuficiência cardíaca é prejudicial?

Estudo avaliou a interação entre pressão arterial sistólica e medicações para insuficiência cardíaca em relação a ocorrência de morte cardiovascular e internações por IC.

Por Isabela Abud Manta

Pacientes com insuficiência cardíaca com fração de ejeção reduzida (ICFER) têm indicação de diversas medicações que interferem na pressão arterial (PA) e a hipotensão acaba sendo um limitante para seu uso. Estudos mostram que a proporção de pacientes que usam as medicações na dose alvo ou em pelo menos 50% desta é baixa e os principais motivos são hipotensão estabelecida ou receio de que hipotensão ocorra.

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A pressão arterial sistólica (PAS) muito baixa (< 90mmHg) já foi associada a maior chance de óbito e transplante cardíaco, podendo ser fator de risco ou marcador de pior prognóstico, porém também pode ser um marcador de tratamento subótimo.

Assim, foi feito um estudo para avaliar a interação entre PAS e medicações para IC em relação a ocorrência de morte cardiovascular e internações por IC com pacientes de um grande registro. Também foi avaliado se a queda espontânea da PAS no seguimento tem relação diferente da queda associada ao uso de medicações.

Hipotensão em decorrência de medicação para insuficiência cardíaca é prejudicial

Métodos do estudo sobre pressão arterial sistólica e insuficiência cardíaca

Foi um estudo baseado nos dados do Registro Sueco de IC, que inclui pacientes com esse diagnóstico desde 2000 e tem mais de 80 variáveis registradas. Para esta análise, foram incluídos todos os pacientes com fração de ejeção do ventrículo esquerdo (FEVE) < 40%.

Para cada classe de medicação foi calculada a proporção da dose utilizada em relação a dose alvo recomendada pela diretriz europeia de IC. As classes incluídas foram os inibidores de enzima conversora de angiotensina (IECA), bloqueadores do receptor de angiotensina (BRA), betabloqueadores (BB) e antagonistas do receptor mineralocorticoide (ARM). Sacubitril (valsartana) não foi incluído, pois o número de pacientes foi muito pequeno até a realização do estudo.

O desfecho primário foi composto por morte cardiovascular ou primeira internação por IC e os desfechos secundários foram morte cardiovascular e internação por síncope.

Os pacientes foram divididos em quatro grupos: sem queda de PA (redução < 10 mmHg na PAS entre a consulta e seguimento), queda na PAS provavelmente por aumento da medicação (queda > 10 mmHg e aumento na dose de medicação entre a consulta e seguimento), queda na PAS com dose de medicação estável e PA basal baixa.

Em relação às medicações, foram divididas em grupos de acordo com pontuações: zero pontos quando ausente, 0,5 ponto quando dose < 50% da dose alvo, um ponto quando dose ≥ 50% da dose alvo. A pontuação final era a média das 3 classes de medicação avaliadas.

Resultados

Entre 2000 e 2018 havia 24.040 pacientes com ICFER, com idade mediana de 74 anos e 29,3% do sexo feminino. Do total, 22% (9124) estavam em uso das 3 classes de medicações e menos de 20% tinham 0 ou menos de 50% da dose alvo recomendada, sendo que esses eram mais velhos, com menor nível socioeconômico, mais frequentemente ambulatoriais, com pior classe funcional, pior função renal e maiores níveis de NT-proBNP.

Algum IECA foi usado em 89,2% dos pacientes, sendo mais frequentes ramipril e enalapril, BB em 91,7%, sendo mais frequentes metoprolol e bisoprolol, e ARM em 45,3%.

Os pacientes foram seguidos por uma mediana de 27,8 meses e foi observado aumento gradual no risco de morte cardiovascular e internação por IC com menores níveis de PAS a partir de níveis menores que 130 mmHg. Utilizando-se referência de PAS de 120 mmHg, o HR foi 2,5 quando PAS de 80 mmHg e 1,5 quando PAS de 100 mmHg.

As taxas do desfecho primário foram maiores nos pacientes com menores doses de medicação e menores níveis de PAS (HR 4,3 quando PAS < 90 mmHg e baixa dose de medicação), sendo a referência PAS ≥ 140 mmHg e dose máxima das 3 medicações. Esse risco também foi maior quando os pacientes com menores doses de medicação e menores níveis de PAS foram comparados a pacientes com PAS semelhante e doses máximas da medicação (HR 2,8). Também houve maior risco quando a dose das medicações era < 50% da dose alvo. O risco foi menor quando a PAS estava entre 100-119mmHg e a dose das medicações era máxima (HR 1,4) comparado a PAS 120-139 mmHg e dose de medicação < 50% (HR 1,9).

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Ao ajustar os resultados pelos valores de NT-proBNP, os valores diminuíram, porém os padrões das associações se mantiveram, assim como também se mantiveram na análise separada dos sexos feminino e masculino (apesar de com valores um pouco menores no sexo feminino). Na análise ajustada, PAS basal menor se manteve menos associada ao desfecho primário com aumento das doses de IECA/BRA e BB.

Ao se considerar síncope, maior PAS foi associada a maior risco de síncope em pacientes sem IECA/BRA (risco 15% maior a cada 10 mmHg de aumento na PAS), mas no geral não houve significância estatística: associação de PAS com síncope teve HR 1,00 em pacientes com uso de doses ≥ 50% da dose alvo de BB e 0,99 em pacientes com uso de doses ≥ 50% da dose alvo de IECA/BRA. O risco foi significativo apenas para pacientes com PAS > 140 mmHg e uso de doses de medicação < 50% da dose alvo.

Na análise dos dados de 13.671 pacientes que tiveram mudanças na PAS, 9,9% tiveram queda > 10 mmHg na PAS com aumento da dose de medicação, 18,6% tiveram queda da PAS com doses estáveis de medicação e 6,1% tiveram queda da PAS com redução da dose de medicação. Pacientes desses dois últimos grupos eram mais velhos, ambulatoriais e com função renal pior comparado ao primeiro grupo. Os valores da PAS nos grupos com medicação aumentada ou estável era 100mmHg e no grupo com medicação reduzida 105 mmHg.

Após ajustes, a queda da PAS > 10mmHg foi associada a maior risco de eventos em pacientes com doses de medicação estáveis (HR 1,08) ou reduzida (1,31). Não houve associação da queda da PAS com eventos quando a medicação foi aumentada.

Conclusão e mensagem prática

Nos pacientes com ICFER, menores níveis de PAS e menos uso de medicação, assim como uso em baixas doses, tem relação com maior risco. Estes achados foram confirmados neste estudo. Além disso, também foi encontrado que menores níveis de PAS basal tiveram relação com maior risco de morte cardiovascular e internação por IC, sendo essa relação atenuada pelo uso de maiores doses das medicações. Ainda, a queda da PAS ao longo do tempo em decorrência do aumento de IECA/BRA e BB não foi associado a maior risco.

Seria interessante confirmar esses resultados em estudos clínicos desenhados para isso, porém parece que, nessa população, o aumento da dose de medicações utilizadas para IC deve ser tentado e a PAS mais baixa não deve ser uma contraindicação.

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Referências bibliográficas

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