O choque cardiogênico (CS) continua sendo um desafio clínico, com mortalidade intra-hospitalar chegando a 50%. Estudos anteriores examinaram principalmente o CS na síndrome coronariana aguda (SCA), mas faltavam ensaios clínicos randomizados sobre o suporte circulatório mecânico temporário (tMCS) no CS não relacionado à SCA. O domínio do CS relacionado com insuficiência cardíaca (IC) tem sido reconhecido como um campo em crescimento, já que esses pacientes apresentam um fenótipo fisiológico único em comparação com os pacientes com SCA, o que pode levar a uma resposta diferente à terapia com dispositivos.
O uso rotineiro de IABP na SCA com CS, sem complicação mecânica, foi rebaixado para Classe IIIB (não recomendado) nas diretrizes recentes da Sociedade Europeia de Cardiologia sobre SCA com supradesnivelamento do segmento ST.
No entanto, os pacientes com CS-IC diferem significativamente, tornando questionável extrapolar os dados do estudo IABP-SHOCK II para CS não relacionado com SCA em pacientes com IC.
Foi publicado recentemente, no JACC, um ensaio clínico randomizado prospectivo – Altshock 2 – para testar a hipótese de que a implantação precoce de IABP em CS-IC resulta em menor mortalidade e maior sucesso na transição para terapias de substituição cardíaca (HTX ou LVAD durável) em comparação com o tratamento padrão.
Métodos
Ensaio clínico realizado na Itália, multicêntrico, randomizado e aberto.
Inicialmente, foram incluídos pacientes de 18 a 75 anos com hipotensão e hipoperfusão, de acordo com a definição padrão de CS. Um limite de idade de 75 anos foi estabelecido para considerar os pacientes para terapias de substituição cardíaca. Em 16 de dezembro de 2022, uma nova emenda foi aprovada tornando elegíveis os pacientes com CS-IC nos estágios B a D da Society for Cardiovascular Angiography and Interventions (SCAI), conforme a definição atualizada do Cardiogenic Shock Working Group (CSWG).
Os critérios de inclusão foram modificados para incluir pacientes com choque SCAI estágio B, pois representam um subconjunto vulnerável que pode ser negligenciado devido à ausência de hipotensão.
Os critérios de exclusão incluíam:
- Choque séptico com foco infeccioso evidente
- Doença vascular periférica grave
- CS secundário a cirurgia cardíaca ou não cardíaca
- Infarto do miocárdio nos últimos 30 dias
Os pacientes foram randomizados 1:1 para IABP precoce versus tratamento padrão com agente vasoativo. Devido à natureza do procedimento, a alocação não foi cega para os médicos e a equipe do estudo.
O uso de inotrópicos foi permitido até um índice inotrópico máximo de 20, após o qual a escalonamento terapêutico era obrigatório.
Para os pacientes designados para receber o balão intra-aórtico (IABP), o dispositivo deveria ser implantado imediatamente após a randomização.
O cateter de Swan-Ganz foi recomendado, mas não obrigatório.
O manejo terapêutico após a inclusão no estudo seguiu a prática clínica local, com enfoque na titulação da dosagem de medicamentos e na redução progressiva do IABP. O objetivo era limitar a dose e a duração dos vasoativos conforme a perfusão tecidual fosse restaurada, reduzindo o consumo de oxigênio do miocárdio e o risco de arritmias.
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Desfechos do estudo
O desfecho primário foi avaliar o impacto do uso precoce do IABP em comparação com o tratamento padrão na sobrevivência em 60 dias ou na ponte bem-sucedida para terapia de substituição cardíaca (HRT).
Os desfechos de segurança avaliaram:
- Eventos hemorrágicos (Bleeding Academic Research Consortium ≥ 3)
- Complicações vasculares
- Fenômenos embólicos sistêmicos e cerebrais
Interrupção Precoce do Estudo
O primeiro paciente foi incluído em 30 de junho de 2020. A análise após acompanhamento completo dos primeiros 100 pacientes (o estudo previa a inclusão de 200) sugeriu que o tratamento experimental não estava proporcionando nenhum benefício significativo em comparação com o grupo controle. Além disso, os resultados indicaram que o estudo dificilmente atingiria seu objetivo primário, mesmo se o recrutamento fosse concluído.
Dessa forma, o estudo foi interrompido por futilidade, a fim de evitar desperdício de recursos e exposição desnecessária dos participantes a intervenções sem benefício comprovado.
Resultados
As características basais dos pacientes estavam bem balanceadas entre os grupos. Idade média de 60 anos, 80% do sexo masculino, lactato mediano 1,85 mmol/lL, FEVE mediana 25%.
Dois terços dos pacientes foram admitidos no estágio SCAI C, 30% estavam no estágio SCAI B. 70% apresentavam falência do ventrículo direito na admissão.
Desfecho primário
A sobrevivência em 60 dias ou ponte bem-sucedida para terapia de substituição cardíaca (HRT) ocorreu em 43 pacientes (81%) no grupo IABP e em 36 pacientes (75%) no grupo tratamento padrão, sem significância estatística.
As taxas de eventos adversos foram similares entre os grupos.
Limitações do estudo
- Heterogeneidade das etiologias: A definição de choque cardiogênico na insuficiência cardíaca (HF-CS) engloba diversas etiologias, que podem responder de maneira diferente ao tratamento. No entanto, todos os pacientes deste estudo tinham disfunção ventricular esquerda crônica e estavam otimizados com terapia baseada em diretrizes.
- Falta de padronização no manejo do IABP: O estudo não protocolizou o manejo ideal do IABP, incluindo configuração da bomba e desmame do suporte.
- Baixa taxa de monitorização invasiva: Apenas 40% dos pacientes receberam monitorização invasiva, o que pode ter impactado o manejo clínico e os resultados.
- Sobrevida maior do que a esperada (75% em ambos os grupos): mostra que a população selecionada talvez fosse de baixo risco.
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Conclusões: Balão intra-aórtico precoce na IC complicada com choque cardiogênico
O uso precoce do balão intra-aórtico não melhorou a sobrevida em 60 dias nem o sucesso na ponte para terapia de substituição cardíaca em pacientes com choque cardiogênico por insuficiência cardíaca (HF-CS), quando comparado ao tratamento padrão.
O uso de BIA no choque cardiogênico pós IAM já é considerado classe III pelas últimas diretrizes. Na prática clínica, ainda é muito utilizado em casos de complicações mecânicas pós-IAM (recomendação IIa) e como ponte para transplante cardíaco, já que pacientes com BIA são priorizados para transplante.
Depois do Altshock-2, será que o uso do IABP no choque por IC descompensada também receberá classe de indicação III?
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