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Cardiologia21 abril 2025

Baixos níveis de LDL e o risco de demência 

Estudo examinou a associação entre os níveis de LDL-C de baixa densidade e o risco de demência e a influência da terapia com estatinas.
Por Juliana Avelar

A clara ligação entre níveis elevados de colesterol de lipoproteína de baixa densidade (LDL-C) e eventos cardiovasculares ressalta a importância de se manter os níveis de LDL controlados e dentro da meta. No entanto, a relação entre os níveis de LDL-C e demência é complexa. Preocupações históricas em relação aos riscos potenciais associados a níveis muito baixos de LDL-C e ao declínio cognitivo levaram a orientações cautelosas de autoridades de saúde, incluindo a Food and Drug Administration (FDA) dos EUA. 

Essa cautela surgiu a partir de estudos observacionais e intervenções farmacológicas que sugeriram uma relação paradoxal entre a redução do LDL-C e a saúde cognitiva. Desenvolvimentos recentes desafiaram essas preocupações. Meta-análises abrangentes e importantes ensaios clínicos randomizados, como o FOURIER e o ODYSSEY, demonstraram que a redução significativa do LDL-C, mesmo para 30 mg/dL (0,8 mmol/L), não aumenta o risco de demência ou outros desfechos cognitivos adversos. No entanto, o limiar exato de LDL-C que pode alterar potencialmente o risco e declínio cognitivo permanece indefinido, ressaltando a necessidade de estudos direcionados nessa área. 

Nesse contexto, foi publicado recentemente na revista “Cognitive Neurology” um estudo que objetivou explorar a correlação entre níveis de LDL-C e o risco de desenvolver demência, incluindo demência por todas as causas e relacionada à doença de Alzheimer (ADRD).  

Métodos 

Foram utilizados dados retrospectivos de coorte de pacientes de 11 centros médicos da Coreia do Sul. 

Tratou-se, então, de uma coorte retrospectiva, observacional e comparativa de indivíduos ambulatoriais com idade ≥ 18 anos entre novembro de 1986 e dezembro de 2020.
A coorte primária foi composta por 192.213 pacientes com LDL-C < 70 mg/dL e 379.006 pacientes com LDL-C > 130 mg/dL (> 3,4 mmol/L) para o grupo controle.
Após pareamento por escore de propensão 1:1, 108.908 pacientes foram pareados em cada grupo. 

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Desfechos 

O desfecho primário foi demência por todas as causas, sendo o desfecho secundário a demência relacionada à doença de Alzheimer (ADRD).  

Resultados e discussão 

O estudo revelou uma associação significativa entre os níveis basais de LDL-C e o risco de desenvolvimento de demência incidente. Níveis de LDL-C < 70 mg/dL ou < 55 mg/dL mostraram uma redução significativa tanto na demência por todas as causas quanto na demência relacionada à doença de Alzheimer (ADRD), quando comparados a níveis >130 mg/dL. Essa redução foi evidente independentemente do uso de estatinas, destacando a importância intrínseca do controle do LDL-C na redução do risco de demência. 

Os achados principais deste estudo destacam a importância crítica dos níveis de LDL-C no risco de demência, independentemente do uso de estatinas. Níveis mais baixos de LDL-C estão diretamente associados a uma menor incidência de demência, apoiando o controle do colesterol como uma estratégia fundamental na prevenção da doença. 

Esses resultados contrastam com os de estudos recentes que não encontraram associação entre níveis de LDL-C e risco de demência. Por exemplo, um estudo com 184.367 participantes do plano de saúde Kaiser Permanente Northern California não encontrou associação geral entre níveis de LDL-C e risco de demência, sugerindo que o uso de estatinas poderia alterar qualitativamente essa relação. 

Da mesma forma, um estudo coreano observou uma relação em forma de J invertido entre níveis de LDL-C e risco de demência, com maior risco observado nos níveis mais baixos de LDL-C (< 75 mg/dL). 

Os achados desse estudo reforçam a hipotése da relação em J invertido: níveis de LDL-C < 30 mg/dL não se associaram à redução do risco de demência em comparação a níveis > 130 mg/dL, ao contrário do que foi observado para LDL-C < 55 mg/dL ou < 70 mg/dL. Isso sugere que níveis muito baixos de LDL-C (< 30 mg/dL) não aumentam significativamente o risco de demência, mas, se houver algum efeito protetor, este parece ser mínimo, validando a consistência dos resultados. 

A redução do risco de demência associada a níveis de LDL-C < 70 mg/dL ou < 55 mg/dL, quando comparados a níveis mais altos, sugere um efeito limiar claro, enfatizando a potencial eficácia do controle lipídico direcionado na redução do risco de declínio cognitivo. Esses achados reforçam o LDL-C como um fator de risco modificável na prevenção da demência e a necessidade de incluí-lo como alvo em diretrizes preventivas. 

Nas populações em uso de estatinas, a análise reforça a importância de alcançar metas específicas de LDL-C para reduzir o risco de demência. Níveis mais baixos de LDL-C foram associados à diminuição do risco, sustentando a hipótese de que o LDL-C tem influência significativa sobre esse desfecho. Este achado reforça a ideia de que, embora as estatinas possam oferecer benefícios neuroprotetores adicionais por mecanismos além da redução do colesterol, manter níveis específicos de LDL-C é essencial para o manejo do risco de demência. 

Dentro das mesmas categorias de níveis de LDL-C, o uso de estatinas reduziu significativamente o risco de demência em grupos com LDL-C < 70 mg/dL e também naqueles com LDL > 130 mg/dL. Essa observação sugere que a eficácia das estatinas na prevenção da demência pode não depender apenas de alcançar metas lipídicas. No entanto, a menor efetividade das estatinas quando o LDL-C está < 55 mg/dL permanece sem explicação, podendo estar relacionada a fatores como estilo de vida bem controlado e estado nutricional. Essa compreensão reforça a necessidade de prescrições personalizadas de estatinas, focadas em níveis de LDL-C que maximizem os benefícios cognitivos. 

Mecanismos biológicos 

Os mecanismos biológicos que conectam os níveis de LDL-C ao risco de demência merecem investigação detalhada. Níveis elevados de LDL-C podem influenciar a saúde cognitiva por diversas vias, como o desequilíbrio na homeostase do colesterol cerebral, inflamação e estresse oxidativo, todos implicados na fisiopatologia da demência. Níveis mais baixos de LDL-C também podem reduzir o risco de doenças cerebrovasculares, fator de risco estabelecido para demência, ao prevenir a aterosclerose. Além disso, as estatinas podem exercer efeitos neuroprotetores pleiotrópicos, como melhora da função endotelial, redução da neuroinflamação e regulação do metabolismo do peptídeo beta-amiloide. 

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Limitações 

Este estudo apresenta algumas limitações. O desenho retrospectivo introduz o potencial de fatores de confusão não mensurados que poderiam influenciar a associação entre LDL-C, uso de estatinas e risco de demência. Além disso, confiar em prontuários eletrônicos para identificar desfechos pode levar a variações na acurácia diagnóstica e possível subnotificação de casos de demência, o que pode afetar a força da associação observada. Outro ponto é que o foco do estudo nos níveis basais de LDL-C, sem acompanhamento longitudinal dos perfis lipídicos, limita a avaliação do impacto de mudanças dinâmicas ao longo do tempo sobre o risco de demência. 

Baixos níveis de LDL e o risco de demência 

Imagem freepik

Conclusão: níveis de LDL e o risco de demência 

O estudo mostrou que níveis de LDL-C < 70 mg/dL ou < 55 mg/dL na linha de base reduzem significativamente o risco de demência por todas as causas e ADRD em comparação a níveis > 130 mg/dL. A associação entre LDL-C < 70 mg/dL e menor risco de demência se mantém entre usuários de estatinas. Esses achados ressaltam o papel crucial do controle do LDL-C na redução do risco de demência e destacam a importância de estratégias direcionadas na abordagem de desfechos cardiovasculares e cognitivos por parte dos médicos. 

Estudos futuros são necessários para validar esses resultados e elucidar os mecanismos subjacentes à associação entre LDL-C, estatinas e risco de demência, de modo a facilitar intervenções direcionadas na prevenção da doença. 

Mensagens práticas 

LDL-C < 70 mg/dL ou < 55 mg/dL se associou a redução significativa do risco de demência por todas as causas e ADRD, comparado a LDL-C > 130 mg/dL, independentemente do uso de estatinas. 

O uso de estatinas reduziu ainda mais o risco de demência em ambos os grupos (< 70 mg/dL e > 130 mg/dL), sugerindo um efeito neuroprotetor adicional além da redução do LDL-C. 

LDL-C < 30 mg/dL não conferiu benefício adicional em comparação a > 130 mg/dL, sugerindo um efeito limiar para benefício cognitivo em torno de 55–70 mg/dL.

Autoria

Foto de Juliana Avelar

Juliana Avelar

Médica formada pela Universidade Federal Fluminense (UFF). Cardiologista pelo Instituto Dante Pazzanese de Cardiologia

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