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Cardiologia20 abril 2024

ACP 2024: Colocando as diretrizes em prática na ICFEr

Uma das palestras do congresso de Medicina Interna do ACP discutiu as principais abordagens e estudos relacionados à doença.
Por Leandro Lima

No segundo dia do congresso de Medicina Interna do American College of Physician (ACP 2024), a dra. Biykem Bozkurt, editora-chefe do periódico JACC: Heart Failure e diretora do Instituto de Pesquisa Cardiovascular do Baylor College of Medicine (Houston – Texas), nos agraciou com uma excelente explanação sobre o estado da arte da insuficiência cardíaca com fração de ejeção reduzida (ICFEr).

imagem com estetoscópio, remédios e diretriz de insuficiência cardíaca, icfer

ICFEr

O risco de desenvolvimento de insuficiência cardíaca (IC) ao longo da vida está aumentando nas últimas décadas, bem como a mortalidade atribuível a essa condição, especialmente entre os idosos. Nota-se também uma disparidade racial e geográfica, com desfechos menos favoráveis entre afro-americanos e moradores de áreas rurais.

A IC, conforme a definição universal atualizada em 2021, é uma síndrome caracterizada por sintomas e sinais, atuais ou pregressos, causados por anormalidades cardíacas, sejam elas estruturais ou funcionais, e corroborada por ao menos um dos elementos abaixo destacados:

  • BNP elevado;
  • Evidência objetiva da congestão sistêmica ou pulmonar por exames de imagem (radiografia de tórax, elevação das pressões de enchimento à ecocardiografia, notadamente inferida por relação E/E’ > 15) ou medidas hemodinâmicas, sejam elas em repouso ou em testes provocativos.

A IC é classificada, com base na fração de ejeção do ventrículo esquerdo (FEVE), da seguinte maneira:

IC: insuficiência cardíaca; FEVE: fração de ejeção do ventrículo esquerdo; ICFEr: insuficiência cardíaca com fração de ejeção do ventrículo esquerdo reduzida; ICFEm: insuficiência cardíaca com fração de ejeção do ventrículo esquerdo melhorada; ICFElr: insuficiência cardíaca com fração de ejeção do ventrículo esquerdo levemente reduzida; ICFEp: insuficiência cardíaca com fração de ejeção do ventrículo esquerdo preservada.

Tratamento

A primeira linha de tratamento da ICFEr, conforme as diretrizes de 2022 da AHA/ACC/HFSA, é a terapia quádrupla, pautada em inibidores dos receptores da neprilisina e angiotensina (iARN), nas classes funcionais (CF) NYHA II a III) ou iECA/BRA para as CF II a IV); betabloqueadores, como o carvedilol ou succinato de metoprolol; antagonistas dos receptores mineralocorticoides (MRA), seja a espironolactona ou, mais recentemente, a finerenona; e inibidores do cotransportador de sódio e glicose (iSGLT2).

O início do tratamento deve ser precoce, com benefícios percebidos já em 30 dias, conforme dados dos estudos DAPA-HF e EMPEROR-Reduced.

Uma questão relevante é se é possível expressar claramente a superioridade dos iARN em relação aos inibidores da enzima conversora de angiotensina e blorequeadores dos receptores da angiotensina (iECA/BRA). Uma dos pontos fracos apontados no estudo PARADIGM-ARNi, que comparou a combinação sacubitril/valsartana com enalapril, foi o emprego de subdose do segundo (10 mg 12/12 horas, e não a dose otimizada de 20 mg de 12/12 horas. Com a devida ressalva, a partir de um N de 4.212, o desfecho combinado de mortes cardiovasculares ou hospitalização por insuficiência cardíaca, apresentou um hazard ratio (HR) de 0,8 (0,73 a 0,87, P < 0,05) favorável ao iARN em relação IECA.

Nessa comparação, apontamos alguns pontos relevantes. O uso de iARN, em relação ao iECA, se associa a risco aumentado de hipotensão arterial sintomática, menor risco de agravamento da função renal e de hipercalemia, risco comparável de angioedema e menor proporção de eventos adversos graves (EAG) resultantes em interrupção do tratamento. Lembramos que não há indicação do uso combinado desses medicamentos.

Os inibidores do cotransportador de sódio e glicose (iSGLT2), com crescimento exponencial de prescrição nos últimos anos se associam a risco aumentado de infecções do trato genital em relação ao placebo, mas apresentam menor incidência de EAG e são seguros no que se refere à hipotensão, depleção volêmica, hipoglicemia e cetoacidose.

Um dado extremamente importante, apontado no European Journal of Heart Failure em 2017, foi o paralelo traçado entre a IC e as malignidades. De fato, a curva de sobrevida da IC entre homens se compara a do câncer colorretal, e entre mulheres, ao câncer de ovário. Trazendo luz para a gravidade da condição, a Dra. Bozkurt nomeou o esquema quádruplo como terapia de indução, em referência às etapas da quimioterapia.

Não há uma sequência pré-definida para a introdução dos fármacos, podendo ser realizada desde um por vez até todos em simultaneidade, em doses baixas, com aumentos graduais até as doses máximas recomendadas, conforme a tolerância. De fato, o modo de introdução e progressão dependerá da etiologia, fenótipo e perfil hemodinâmico da IC, com necessidade de individualização. Alguns exemplos de fatores que contribuem para a tomada de decisão incluem:

  • Isquemia miocárdica ativa, status pós-IAM ou fibrilação atrial (FA) de alta resposta ventricular: betabloqueadores devem ser introduzidos de forma precoce, desde que não estejam presentes os critérios de alto risco para choque cardiogênico no cenário da síndrome coronariana aguda;
  • IC descompensada: diuréticos de alça para a descongestão, em concomitância à vasodilatação com iECA (CF NYHA IV) ou iARN (CF NYHA II ou III) e uso precoce de iSGLT2, aguardando a descongestão para a introdução do betabloqueador.

Os dados dos estudos PROVE-HF e SUGAR DM, publicados no JAMA em 2019 e Circulation em 2021, respectivamente, mostram que os iARN e os iSGLT2 atuam no remodelamento reverso, propiciando aumento da FEVE, redução dos volumes cavitários do VE e do átrio esquerdo. Outros estudos demonstram que ambos se associam à redução do risco de morte súbita cardíaca. Do ponto de vista renal, tanto os iSGLT2 quanto os iARN reduzem o declínio na taxa de filtração glomerular (TFG), fato que inclusive pode melhorar a tolerância aos outros medicamentos, como os MRA.

A titulação dos medicamentos deve ser dinâmica e precoce, podendo ser realizada de forma diária ou intervalada com alguns poucos dias ou semanas. A meta é que as metas posológicas sejam alcançadas em não mais do que 3 meses. Nesse quesito, as consultas devem ser preferencialmente presenciais, mas em pacientes de baixo risco, com função renal estável e ausência de hipercalemia, a teleconsulta pode desempenhar um papel importante. Outra estratégia de otimização da assistência é o cuidado por equipes multidisciplinares O estudo STRONG-HF, que alocou pacientes internados com IC descompensada aguda, demonstrou que alcançar as doses alvos de maneira ainda mais rápida, em 2 semanas, se correlacionou à redução da mortalidade geral, eventos de IC e hospitalizações, com boa segurança, com número necessário para tratar (NNT) de 12.

Ressincronização elétrica e outros tratamentos

Um passo adiante, frente aos indivíduos em tratamento otimizado e presença de BRE, mas com persistência de sintomas, é a terapia de ressincronização elétrica, bem como a consideração sobre implantação de cardiodesfibrilador implantável como profilaxia primária de morte súbita cardíaca na presença de FEVE ≤ 35%.

Além da terapia elétrica, tratamentos adicionais à terapia quádrupla otimizada podem ser adequados em alguns cenários, como a hidralazina + nitrato entre os afrodescendentes americanos; ivabradina para os pacientes com CF II ou III e frequência cardíaca ≥ 70 bpm a despeito de doses máximas de betabloqueador (classe IIa); digoxina para alívio sintomático (classe IIb); vericiguat na CF II a IV, e hospitalização recente por IC com FEVE < 45% (classe IIb); revascularização miocárdica na presença de evidências de isquemia, FEVE ≤ 35% e anatomia coronariana favorável; reparo transcateter de insuficiência mitral grave se FEVE entre 20 e 40%; quelantes de potássio na vigência de hipercalemia atribuível à inibição do sistema renina angiotensina aldosterona (iSRAA); reposição parenteral de ferro nos casos de deficiência.

Na trajetória das pacientes com IC, a resolução completa dos sinais e sintomas, com resolução das anormalidades estruturais e funcionais, deve ser entendida como remissão, e não como recuperação ou cura, embora isso de fato ocorrer em casos específicos, como na miocardite viral, miocardiopatia periparto e alcoólica. Na ICFEm, por exemplo, a tentativa de retirada da terapia farmacológica resulta em recidiva em 40% dos casos. Outra questão de nomenclatura é a preferência pelo termo IC estável, em detrimento de IC persistente, diante de sinais e sintomas ou capacidade funcional limitada, pois tende a minimizar a inércia terapêutica.

Nos pacientes internados para o tratamento de IC descompensada, um dos grandes entraves terapêuticos é a piora esperada na creatinina com a introdução de iECA, BRA ou iARN. Enfatiza-se que, de fato,  não seria adequado caracterizar injúria renal aguda (IRA) nos pacientes que estão descongestionando. Limitar a diureticoterapia ou vasodilatação simplesmente por piora da creatinina é uma iatrogenia, e a desprescrição arbitrária é desencorajada.

Na presença de IC avançada, com refratariedade clínica (estágio D), resta-nos três opções: suporte circulatório mecânico, transplante cardíaco e instituição de cuidados paliativos.

Nos estágios iniciais da IC (A e B), entretanto, está um alvo de profícua investigação: a prevenção de insuficiência cardíaca. A utilização de iSGLT2 entre diabéticos com risco cardiovascular aumentado é bem estabelecida. As intervenções direcionadas à mudança do estilo de vida, a partir da adoção de dieta mediterrânea ou DASH, prática regular de atividade física, emagrecimento e abstenção do tabagismo, etilismo e uso de drogas ilícitas. Já entre os diabéticos portadores de doença renal crônica (DRC) ou albuminúria, a finerenona, um inibidor do receptor mineralocorticoide, se associa à redução do risco de hospitalização por IC e mortalidade cardiovascular. No cenário da obesidade, os análogos do GLP-1, conforme demonstrado no estudo SELECT, se associam à redução da mortalidade cardiovascular e IAM-AVC não fatais em 20%, mas ainda carecemos de estudos com desfechos específicos para a insuficiência cardíaca. Por ora, não há dados de segurança e eficácia dos inibidores do GLP-1 entre pacientes com obesidade e ICFER.

Rastreamento de IC em estágio A

Um outro aspecto interessante levantado foi o rastreamento de IC nos pacientes em estágio A, ou seja, assintomáticos, sem alterações estruturais ou funcionais, mas com fatores de risco para o desenvolvimento de doenças cardiovasculares.

O estudo STOP-HF, que envolveu 1.374 pacientes, submeteu esses pacientes a dosagem basal e anual de BNP, com ponto de corte de 50 ng/mL para alocação em cuidado por equipe multidisciplinar, realização de ecocardiograma e manejo de fatores de risco. A taxa de eventos cardiovasculares foi reduzida com odds ratio (OR) de 0,69 (0,49 a 0,98 – P = 0,04), resultando em redução de primo-diagnóstico de IC.

Uma ressalva em relação ao BNP é que pode estar alterado por motivos alheios à IC, como idade avançada, DRC, FA de alta resposta ventricular, pericardiopatia e uso da iARN.

Atualmente, a partir do momento em que há alteração dos biomarcadores alterados, como a troponina e o BNP, os indivíduos, antes alocados no grupo A, passam a integrar o estágio B da IC. A maior relevância de identificar tais estágios é oportunizar o empregar estratégias de prevenção!

Um dos estudos em destaque, publicado em abril de 2024 no JACC, foi o DAPA-MI e EMPACT-MI, que avaliou a introdução de iSGLT2 nas primeiras 2 semanas pós-IAM, desde que implicasse em disfunção de VE ou ondas Q patológicas. Observou-se redução das hospitalizações no grupo intervenção, sem alterar, entretanto, o desfecho primário combinado: morte por todas as causas e internação.

Acompanhe o congresso com a gente! Veja outros destaques:

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