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Cardiologia19 abril 2024

ACP 2024: O manejo ambulatorial do tromboembolismo venoso

Por Leandro Lima

Na presente edição do congresso da American College Physicians (ACP 2024) a Dra. Anjlee Mahajan, diretora do serviço de anticoagulação do UC Davis Cancer Center, nos trouxe as atualizações sobre a abordagem do tromboembolismo venoso (TEV). 

tromboembolismo venoso

A discussão

Nos EUA, o TEV acomete quase um milhão de habitantes por ano, com taxa de letalidade de aproximadamente 10%, sendo a incidencia maior no sexo masculino e acima dos 50 anos, sobretudo entre afroamericanos e hispânicos.  

Os fatores associados ao TEV podem ser divididos entre os: 

  • Protetores: sexo feminino, etnia asiática, dieta saudável, prática de atividade física e facilidade de acesso aos serviços de saúde. 
  • De risco: sexo masculino, idade avançada, sedentarismo, tabagismo, indivíduos mais altos, obesos ou portadores da síndrome de May-Thurner, exposição hormonal exógena, cirurgia, fraturas, internação, infecções, malignidades, doenças autoimunes, síndrome antifosfolípides (SAF) e insuficiência cardíaca.  

Na década de 2010 houve um aumento significativo do percentual de pacientes com TEV tratados ambulatorialmente, fato atribuído ao uso disseminado dos anticoagulantes de ação direta (DOACs) e melhor definição do tromboembolismo pulmonar (TEP) de baixo risco. Atualmente, quase 60% dos pacientes com trombose venosa profunda (TVP) e 20% com TEP são tratados em domicílio. No mesmo período, tem sido observada uma redução da utilização dos serviços de saúde e menor taxa de sangramento durante o tratamento.  

A possibilidade de manejo ambulatorial da TVP não complicada deve ser sempre discutida com o paciente. Entretanto, a hospitalização pode ser benéfica na isquemia ameaçadora ao membro (flegmasia cerulea alba ou dolens), risco aumentado de sangramento ou demanda por analgesia endovenosa. A trombólise deve ser considerada na flegmasia e nos pacientes com TVP iliofemoral com baixo risco de sangramento, com objetivo de minimizar a síndrome pós-trombótica.  

Antes de seguir com o tratamento ambulatorial, entretanto, deve-se avaliar a rede de suporte domiciliar, capacidade de aquisição dos medicamentos e a adesão terapêutica.  

No TEP o cenário de alocação deve ser atrelado à classificação de risco, geralmente baseada nos escores de PESI (Pulmonary Embolism Severity Index) e Hestia: 

  • Alto risco, definido pela presença de choque, disfunção orgânica, hipotensão arterial sistólica (< 90 mmHg) ou parada cardiorrespiratória (PCR), deve ser avaliado para terapia de reperfusão imediata;
  • Risco intermediário, inferido por evidências ecocardiográficas ou tomográficas de sobrecarga do ventrículo direito (VD) e elevação de biomarcadores (troponina ou BNP), exige monitorização próxima e usualmente anticoagulação parenteral (heparina de baixo peso molecular – HBPM ou heparina não fracionada – HNF). 
  • Baixo risco, definido pela estabilidade hemodinâmica, ausência de strain do VD e marcadores cardíacos normais, devem ser oportunizados para o tratamento ambulatorial.

No TEP de baixo risco recomenda-se o tratamento ambulatorial, desde que exista acesso aos medicamentos, supervisão profissional e suporte familiar.  

As principais barreiras para a adoção mais ampla do tratamento ambulatorial no TEP de baixo risco, grupo que contempla quase metade dos casos, são as dificuldades de seguimento, desconforto do médico, custos dos DOACs e exposição a riscos médico-legais. 

As fases do tratamento do TEV são subdivididas da seguinte forma: 

  • Diagnóstico do TEV; 
  • Manejo inicial: primeiros 5 a 21 dias após o diagnóstico; 
  • Tratamento primário: com duração geralmente entre três e seis meses; 
  • Profilaxia secundária: duração indefinida, em casos selecionados, a partir do término do tratamento primário. 

A indicação da profilaxia secundária depende se o evento é provocado ou não. Eventos provocados por fatores de risco transitórios geralmente demandam apenas o tratamento primário por três a seis meses. Nos casos de TEV não provocado, entretanto, deve se considerar a anticoagulação por tempo indefinido. 

  • Fatores de risco transitórios maiores: cirurgia com anestesia geral e duração superior a 30 minutos; restrição ao leito por mais de três dias na vigência de doença aguda; cesariana. 
  • Fatores de risco menores: terapia com estrógenos, gestação, puerpério, restrição ao leito superior a três dias fora do hospital ou lesão em membro inferior com mobilidade reduzida pelo mesmo período. 
  • Fatores de risco persistentes (crônicos): malignidade ativa, doença inflamatória intestinal, SAF, infecções crônicas e síndrome de imobilidade.   

A pesquisa de trombofilias geralmente tem utilidade limitada no cenário agudo, além de implicar em dificuldades de interpretação. Os principais testes disponíveis incluem os genéticos (mutação do fator V de Leiden e do gene da protrombina); dosagem de proteína C, S e antitrombina (podem estar falsamente reduzidos na fase aguda); sorologias para SAF (com necessidade de repetição intervalada em 12 semanas) e rastreamento de malignidades conforme recomendado para a faixa etária. A princípio não há melhores desfechos com uma investigação mais liberal TC de tórax, abdome e pelve. 

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Quando considerar a pesquisa de trombofilias? 

  • A pesquisa não deve ser realizada de forma universal pela baixa probabilidade de modificar a conduta; 
  • Os pacientes com TEV não provocado, ou provocado por fator de risco crônico; 
  • Indivíduos com TEV provocado por fatores de risco transitórios e não cirúrgicos (mobilidade limitada ou uso de estrógenos) ou trombose em sítio não usual. 

A profilaxia secundária pode ser realizada com doses reduzidas de DOACs, conforme os dados dos estudos AMPLIFY-EXT (2013) e EINSTEIN CHOICE (2017), que avaliaram a apixabana 2,5 mg 12/12 horas e rivaroxabana 10 mg/dia, respectivamente, com taxas similares de recorrência de TEV e sangramento. 

O TEP subsegmentar isolado tem sido identificado em até 10% das angio-tomografias de tórax, e geralmente não se associa a alterações clínicas apreciáveis. Dessa forma, a recomendação é por vigilância, por exceção dos seguintes cenários, merecedores de tratamento: 

  • Hospitalização ou redução da mobilidade; 
  • Malignidade ativa; 
  • Ausência de fatores reversíveis de TEV; 
  • Gestação. 

Um dado de coorte retrospectiva de 300 pacientes, entretanto, demonstrou que TEP subsegmentar se associou a taxa de recorrência acima do imaginado: 5,7% (sem anticoagulação) vs. 2,1% (com anticoagulação). 

Na TVP isolada distal assintomática, com trombose abaixo dos joelhos e sem o envolvimento da veia poplítea, a trombose pode se resolver espontaneamente, sendo uma conduta válida a monitorização com doppler a cada sete dias. A anticoagulação é recomendada na presença de pelo menos um dos fatores abaixo citados: 

  • D-dímero > 500; 
  • Trombose extensa em múltiplas veias ou extensão > 5 cm; 
  • Trombose nas proximidades das veias mais proximais; 
  • Malignidade; 
  • TEV prévío; 
  • Imobilidade;  
  • Pacientes internados. 

A partir de 2018, o TEV relacionado à malignidade passou a contar com estudos específicos com DOACS, tendo sido demonstrada a não inferioridade da edoxabana, rivaroxabana e apixabana em relação à HBPM. Contudo, maiores taxas de sangramento com edoxanaba e rivaroxabana foram identificadas entre portadores de malignidades do trato gastrointestinal (TGI) superior. A ausência de malignidade primária ou metastática para o sistema nervoso central (SNC) foi uma das condições de alocação.   

Apesar do uso difundido dos DOACs na atualidade, lembramos que, em alguns cenários, como na SAF, o seu uso se correlaciona a riscos aumentados  de eventos arteriais e venosos. 

Os casos de falha terapêutica são raros e geralmente correlacionados à omissão de doses, desacoplamento da rivaroxabana da refeição, uso de DOACs na obesidade mórbida, interações medicamentosas, extensão da trombose antes do início da medicação ou interrupção inadvertida do tratamento.  

Em algumas situações, entretanto, a recorrência é confundida com síndrome pós-trombótica, e o D-dímero pode ajudar, tornando improvável a trombose ativa com valores < 150. 

A recorrência de TEV confirmada na presença de tratamento adequado deve levar a consideração sobre malignidades, vasculites (especialmente Behçet), SAF, hemoglobinúria paroxística noturna (HPN), gestação, malformação vascular e trombocitopenia induzida por heparina.  

Conclusão e mensagens práticas

  • O manejo ambulatorial para tromboembolismo venoso (TEV) é seguro e eficaz para a maioria dos pacientes. 
  • A seleção adequada dos candidatos ao tratamento domiciliar deve passar pela aplicação de escores preditores de gravidade: 
  • Os anticoagulantes orais de ação direta (DOACs) são a primeira opção para a maioria dos casos. 
  • A maioria dos pacientes não demanda testes para trombofilias. 
  • Um dos pontos promissores da anticoagulação é o emprego de inibição do fator XI, que tem se mostrado eficaz e mais segura quanto ao risco de sangramento.

Confira todas os destaques do ACP 2024!

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