A intubação traqueal é um procedimento crítico na prática anestésica, especialmente em pacientes pediátricos, onde a anatomia das vias aéreas e as reações fisiológicas são significativamente diferentes dos adultos. Tradicionalmente, a indução anestésica para intubação traqueal envolve o uso de agentes hipnóticos, opioides e bloqueadores musculares. No entanto, o uso de bloqueadores neuromusculares em crianças pode acarretar riscos adicionais, como dificuldades de ventilação, reações alérgicas, apneia prolongada e necessidade de monitoramento neuromuscular mais rigoroso.
Nos últimos anos, vimos um crescente interesse em técnicas de intubação traqueal sem o uso de relaxantes musculares, buscando alternativas seguras e eficazes para a população pediátrica. Nesse contexto, a combinação de novos agentes sedativos e analgésicos tem sido explorada como uma via promissora a fim de garantir condições adequadas de intubação, preservando a estabilidade hemodinâmica e minimizando os efeitos adversos.
O estudo em questão, visa determinar as doses eficazes (ED50 e ED95) de remimazolam e escetamina, administradas em associação com remifentanil, para a realização de intubação traqueal, sem o uso de bloqueadores neuromusculares, em pacientes pediátricos saudáveis.
O remimazolam, um benzodiazepinico de ação ultracurta recentemente introduzido na prática clínica nos EUA, Europa e China, ainda aguardando liberação para uso no Brasil, tem mostrado perfis favoráveis de sedação e recuperação rápida, sendo especialmente utilizado em pacientes mais instáveis. Já a escetamina, possui propriedades analgésicas potentes sem promover instabilidade cardiovascular, podendo complementar o efeito sedativo do remimazolam e potencializar a sua analgesia. O remifentanil, um opioide de início de ação rápido e duração também fugaz, é amplamente utilizado como coadjuvante para facilitar a intubação, sem os efeitos residuais prolongados de outros opioides.
Métodos
Foi realizado um estudo prospectivo, não controlado e não randomizado, com 41 crianças saudáveis, com idade entre 3 e 6 anos, submetidas à anestesia geral com intubação traqueal. Foi utilizado o método de Dixon para determinação sequencial de doses.
O estudo foi realizado em duas fases, em ambas com administração fixa de remifentanil na dose de 2,5 mcg/kg em infusão contínua por 90 segundos.
Fase 1: Determinação da dose efetiva de escetamina
Na primeira fase do estudo, a dose de remimazolam foi mantida fixa em 0,2 mg/kg, enquanto a dose de escetamina foi ajustada utilizando o método de escada de Dixon com incrementos de 0,05 mg/kg. A resposta foi considerada positiva se a intubação traqueal fosse realizada com sucesso, sem necessidade de manobras auxiliares e com escores aceitáveis na escala de intubação de Copenhague, onde se avaliou a qualidade da laringoscopia, a resposta à intubação e as condições das cordas vocais.
Fase 2: Determinação da dose efetiva de remimazolan
Na segunda fase, a dose de escetamina foi mantida fixa com a ED95 determinada na fase anterior, enquanto a dose de remimazolam foi ajustada de forma escalonada, também com incrementos de 0,05 mg/kg.
Resultados
A resposta foi considerada positiva quando a intubação traqueal fosse realizada com sucesso, sem necessidade de manobras auxiliares e com escores aceitáveis na escala de intubação de Copenhague, onde foi levado em consideração a qualidade da laringoscopia, com ausência de movimentos corporais, a boa visibilidade glótica sem a necessidade de manobras acessórias e o relaxamento adequado das cordas vocais.
Durante a indução e a intubação, os sinais vitais permaneceram estáveis em todos os pacientes. Nenhum episódio de queda de saturação, bradicardia, laringoespasmo ou rigidez torácica foi registrado. A recuperação da consciência foi rápida, com retorno espontâneo e eficaz da respiração em poucos minutos após o término da infusão dos fármacos.
Com base nas respostas sucessivas, as seguintes doses efetivas de escetamina foram estimadas:
- ED50 de escetamina: 0,74 mg/kg (intervalo de confiança 95%: 0,61–0,89 mg/kg)
- ED95 de escetamina: 0,97 mg/kg (intervalo de confiança 95%: 0,85–1,75 mg/kg)
As doses efetivas estimadas de remimazolam foram:
- ED50 de remimazolam: 0,39 mg/kg (intervalo de confiança 95%: 0,29–0,53 mg/kg)
- ED95 de remimazolam: 0,56 mg/kg (intervalo de confiança 95%: 0,46–1,47 mg/kg)
Conclusão: remimazolam e escetamina na intubação pediátrica
As doses determinadas de 0,56 mg/kg de remimazolam e 0,97 mg/kg de escetamina, associadas a 2,5 mcg/kg de remifentanil, proporcionaram condições de intubação adequadas na maioria dos pacientes pediátricos, com excelente tolerabilidade, estabilidade hemodinâmica e ausência de eventos adversos significativos.
Esses achados oferecem uma alternativa promissora, especialmente em situações clínicas onde o uso de relaxantes musculares é contraindicado ou indesejado, como por exemplo em crianças com doenças neuromusculares, risco de hipertermia maligna ou dificuldade ventilatória prevista.
Contudo, como limitação, os autores reconhecem o tamanho da amostra ser relativamente pequena, além da ausência de comparação direta com técnicas tradicionais que utilizam relaxantes musculares. Portanto, os autores recomendam que estudos futuros, multicêntricos e com grupos controle, sejam realizados para validar e expandir a aplicabilidade desses achados em maiores contextos clínicos e maiores faixas etárias pediátricas.
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