Caso clínico: Cefaleia pós-cesariana
Paciente feminina, 34 anos, a termo, 39 semanas, G2/1, sem comorbidades e sem queixas relevantes, deu entrada no serviço de emergência, em trabalho de parto, para realização de cesariana devido à desproporção céfalo pélvica.
Durante visita pré-anestésica, paciente apresentava-se assintomática, sem queixas, negava qualquer comorbidade, alergias ou complicações cirúrgicas-anestésicas anteriores. Relatava jejum de aproximadamente 7 horas e não fazia uso de nenhuma medicação. Negava asma, bronquite, pressão alta, diabetes, distúrbios cardiovasculares ou pulmonares ou neurológicos.
Ao exame físico apresentava-se em bom estado geral, lúcida e orientada no tempo e espaço, hidratada, corada, eupneica com 11 irpm, FC 87 bpm, PA 112 X 78 mmHg e SPO2 97% em ar ambiente.
Encaminhada ao centro cirúrgico onde foi programado a realização de uma anestesia raquidiana.
Paciente monitorizada com cardioscópio, pressão arterial não invasiva e oximetria. Realizada venóclise em MSE com jelco 18G para hidratação e administração de medicamentos. Realizada profilaxia de náuseas e vômitos com Zofran 4 mg. Sinais vitais estáveis antes do bloqueio, PA 123 X 79 mmHg, FC 95 bpm e SPO2 98%. Paciente colocada em posição de decúbito lateral esquerdo e realizado assepsia e antissepsia adequada da região com colocação de campos estéreis e realizada raquianestesia hiperbárica com agulha 27 G, punção única paramediana, em espaço L1-L2. Saída de LCR claro, normotenso, tipo água de rocha.
Administrado 10 mg de marcaína hiperbárica com 0,08 mg de morfina. Paciente colocada em decúbito dorsal com desvio do útero para esquerda e acoplada a máscara de oxigênio 100% com fluxo de 3l/min. Nos primeiros cinco minutos pós bloqueio, paciente apresentou hipotensão arterial com queixas de náuseas e dois episódios de vômitos. Pressão sistólica mínima de 72 mmHg, quando foi administrado efedrina e aumentado a hidratação venosa, com resposta satisfatória. Após o nascimento, a pressão arterial se estabilizou e foi realizado uma sedação leve com midazolan 2,5 mg EV pois paciente apresentava-se bastante ansiosa. Procedimento realizado sem intercorrências. APGAR do recém-nascido 9/10.
Paciente encaminhada à RPA e após uma hora em observação e sem queixas com Aldrete 10 teve alta para o quarto. Cerca de seis horas após começou a apresentar cefaleia e fotofobia. Foi solicitado aumento da hidratação venosa e administração de analgésicos como dipirona associado a mucato de isometepteno e cafeína, porém não houve melhora. Paciente permaneceu com quadro de cefaleia por mais 24 horas, agora incapacitante, holo craniana, pulsátil, com episódios de vômitos, que piorava quando tentava se levantar e só apresentava melhora se permanecesse em decúbito dorsal e com as luzes apagadas. Apesar de todas as condutas medicamentosas e aumento de hidratação não houve remissão do quadro.
Nesse momento a equipe anestésica optou por realizar um blood patch, uma vez que o quadro não apresentava melhora e a paciente ainda estava internada na unidade hospitalar. Paciente concordou com o procedimento e foi encaminhada ao centro cirúrgico. Procedimento realizado sem intercorrências. Alguns minutos após a realização do blood patch, paciente relatou melhora da cefaleia com remissão completa do quadro em menos de uma hora. No terceiro dia pós-cesariana, paciente e bebê tiveram alta sem queixas e passam bem.
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Hipótese diagnóstica
Uma das causas mais comuns de cefaleia súbita após realização de bloqueio espinhal é a cefaleia por baixa pressão ou mais comumente conhecida como cefaleia pós-raqui ou cefaleia pós-parto. Apesar dessa comorbidade estar mais relacionada a dificuldades de punção com uso de agulhas de grosso calibre, também há relatos de casos com punções únicas e agulhas finas, como foi o caso descrito acima.
A cefaleia pós-punção ocorre devido à diminuição do gradiente pressórico no espaço subaracnóideo pelo extravasamento de líquor para fora desse espaço devido a permanência do orifício causado pela perfuração da dura-máter durante a realização do bloqueio raquidiano.
Fatores como múltiplas tentativas de punção, agulhas de grosso calibre, sexo feminino, idade jovem, gestação, manobra de valsalva após bloqueio, desidratação, passado de enxaqueca, são alguns fatores causadores da cefaleia pós-punção.
Uma característica específica da cefaleia pós-punção é a piora do quadro quando o paciente assume a posição supina, além de ter características incapacitantes. Alguns outros sintomas que também podem aparecer, mas que não são obrigatórios, são sintomas visuais como fotofobia, auditivos como zumbidos ou hipoacusia e sintomas neurológicos como rigidez de nuca e vômitos.
Normalmente o paciente apresenta melhora do quadro com aumento da hidratação e uso de analgésicos, porém, em alguns casos com falha terapêutica, a melhor opção é a realização do blood patch, um procedimento realizado apenas e exclusivamente por anestesistas e que consiste no tamponamento do orifício da dura-máter com sangue colhido de forma estéril, da própria paciente. O sangue é depositado no mesmo espaço onde foi realizada a punção e o paciente apresenta remissão da cefaleia de forma praticamente instantânea.
No caso relatado acima, o blood patch foi uma excelente escolha uma vez que as medicações usuais não estavam surtindo efeito e a paciente ainda permanecia internada, o que não necessitou de uma nova internação pós alta hospitalar.
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