A ventilação não invasiva com pressão positiva (VNI) é muito utilizada em pacientes com exacerbação de doença pulmonar obstrutiva crônica (DPOC) e acidose respiratória, reduzindo a mortalidade e a necessidade de intubação orotraqueal (IOT) nessa população. No entanto, mesmo com uso de VNI, cerca de 15% dos pacientes acabam precisando de IOT.
Usualmente, utilizamos VNI com objetivo de obter 6-8 mL/kg de volume corrente, com pressão inspiratória (IPAP) em geral abaixo de 18 cmH2O. Essa forma de VNI é chamada de VNI de baixa intensidade. Em comparação, a VNI de alta intensidade utiliza maiores IPAP (20-30 cmH2O), objetivando maior volume corrente (10-15 mL/kg). O uso de maior volume corrente é seguro fora do contexto de SDRA.
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Teoricamente, o uso de maior IPAP fornece melhor suporte respiratório e poderia reduzir as taxas de IOT nos pacientes com DPOC exacerbado. Assim, o estudo HAPPEN, ensaio clínico randomizado, foi realizado para comparar a incidência de IOT entre dois grupos de pacientes com DPOC descompensado que foram submetidos à VNI com baixas pressões ou altas pressões.
Metodologia
Para serem incluídos, os pacientes precisavam apresentar pH arterial < 7,35 e PaCO2 superior a 45 mmHg na admissão, além de permanecer com PaCO2 maior que 45 mmHg mesmo após 6 horas de VNI de baixa intensidade.
No grupo tratado com VNI de alta intensidade, o IPAP foi ajustado entre 20 e 30 cmH2O, buscando alcançar um volume corrente (VC) de 10 a 15 mL/kg e frequência respiratória (FR) abaixo de 25 respirações por minuto. No grupo de baixa intensidade, o IPAP foi ajustado até um máximo de 20 cmH2O, com objetivo de alcançar um VC de 6 a 10 mL/kg e FR menor que 25 respirações por minuto.
Os pacientes foram incentivados a utilizar a VNI de forma contínua nas primeiras 6 horas após a randomização e, pelo menos, por 10 horas diárias. É importante ressaltar que pacientes no grupo de baixa intensidade que preenchiam critérios para intubação puderam fazer crossover para o grupo de alta intensidade, como forma de evitar IOT.
O desfecho primário analisado foi a “indicação de IOT“, definido formalmente algum dos critérios a seguir:
- pH arterial < 7,25 com aumento de PaCO2 em mais de 20% em comparação com
O nível basal ou PaO2:FIO2 menor que 100 mmHg;
- Presença de pelo menos 1 dos seguintes: sinais clínicos sugestivos de consciência gravemente diminuída (ex: coma); uso de músculos respiratórios acessórios; secreções respiratórias excessivas; aspiração ou vômito; sangramento no trato gastrointestinal superior; instabilidade hemodinâmica grave;
- Parada cardíaca ou respiratória.
Foi realizada uma avaliação diária da necessidade de IOT por 2 especialistas independentes, que estavam cegos para a intervenção e confirmaram a necessidade de intubação endotraqueal com base nesses critérios. Em casos de desacordo, um terceiro especialista ajudou a tomar a decisão final.
Resultados
O estudo interrompeu o recrutamento precocemente, após recrutar 300 pacientes, durante a primeira análise interina, por recomendação do conselho de monitoramento e segurança. O desfecho primário (indicação de IOT) ocorreu em 4,8% dos pacientes no grupo de VNI de alta intensidade e 13,7% daqueles sob VNI de baixa intensidade (diferença −9 %; IC95% −15,4% a −2,5%; p=0,004).
No entanto, as taxas de IOT não foram significativamente diferentes entre os grupos (VNI alta intensidade 3,4 % x VNI baixa intensidade 3,9%; p=0.81). Essa ausência de diferença nas taxas de IOT ocorreu pelo crossover de pacientes do grupo de baixa intensidade para a VNI de alta intensidade, o que preveniu algumas IOT.
Dos 21 pacientes no grupo de baixa intensidade que preenchiam critérios para intubação endotraqueal, 13 (61,9%) passaram para VNI de alta intensidade. Destes 13 pacientes com crossover para VNI de alta intensidade 11 (84,6%) não precisaram ser intubados.
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A distensão abdominal ocorreu com maior frequência no grupo VNI de alta intensidade do que no grupo de baixa intensidade, mas nenhum paciente solicitou a remoção da VNI devido à distensão abdominal. Eventos adversos graves foram raros em ambos os grupos.
Discussão
A menor taxa de indicação de intubação no grupo de VNI de alta intensidade sugere que essa modalidade oferece um suporte mais eficaz para o esforço respiratório, ajudando a aliviar a dispneia e a fadiga muscular. Além disso, a VNI de alta intensidade proporciona maior suporte de pressão e volumes correntes mais altos, o que melhora a ventilação alveolar. A maior ventilação alveolar, por sua vez, auxilia a reverter a acidose respiratória.
Embora o desfecho principal (taxa de intubação) não tenha mostrado diferença significativa, o estudo demonstrou que a VNI de alta intensidade é mais eficiente na correção da retenção de CO2, na melhora do pH e na redução das indicações de intubação, sem aumentar complicações como distensão abdominal, broncoaspiração ou pneumotórax.
Conclusão
Esses resultados podem sugerir uma mudança na prática clínica, indicando a utilização da VNI de alta intensidade nos pacientes com exacerbação de DPOC, com acidose respiratória que não melhora com VNI convencional. Nesses casos, podemos utilizar IPAP 20-30 cmH2O, objetivando volume corrente de 10-15 ml/kg, com potencial de reduzir a necessidade de IOT, na Emergência e na UTI.
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