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Terapia Intensiva15 fevereiro 2024

Trajetória dos idosos nos CTIs: como cuidar desses pacientes?

A admissão de idosos acima dos 80 anos em centros de terapia intensiva (CTIs) tem se tornado cada vez mais frequente.

Por Leandro Lima

O envelhecimento populacional tem gerado uma demanda crescente por admissões em centros de terapia intensiva (CTIs), especialmente nas últimas duas décadas. A pressão imposta sobre os sistemas de saúde pelo boom geriátrico, acentuada durante a pandemia da covid-19, trouxe à tona preconceitos utilitaristas, relacionados ao etarismo.

Contudo, os critérios para a admissão em CTI devem primar pelo equilíbrio entre as demandas individuais e da coletividade, sem deixar de lado a jornada do indivíduo.   

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A idade cronológica, embora não possa ser interpretada de forma isolada, se associa a desfechos críticos desfavoráveis, com uma dicotomia evidente a partir dos 80 anos: 

Idade Abaixo dos 80 anos Acima dos 80 anos 
Mortalidade em 3 anos 35% 61% 
Fragilidade 16 a 20% 30 a 50% 

Tendo essa perspectiva em mente, lembramos que os objetivos do tratamento intensivo, mais do que simplesmente evitarem a morte, incluem a qualidade de vida e autonomia funcional após a alta hospitalar. Portanto, entende-se que o suporte intensivo pleno não é universalmente aplicável, quer seja o paciente idoso ou jovem, em contextos pertinentes, os esforços devem ser direcionados à dispensação de cuidados finais de vida de alta qualidade.   

idoso/idosos em CTI ao fundo e médico à frente com tablet na mão

Consultas de rotina  

As metas terapêuticas geriátricas, por sua vez, devem ser trabalhadas precocemente nas consultas de rotina, com o envolvimento ativo do paciente e seus familiares, em um processo de decisão compartilhada. Nos cenários pré-operatórios, os anestesiologistas e cirurgiões são convidados à integração, da mesma forma que, no momento do adoecimento agudo, os emergencistas e intensivistas ganham papel de destaque. Entretanto, é desejável que o médico assistente, na maioria das vezes, um geriatra, participe com dinamismo das várias etapas mencionadas, catalisando o melhor plano de ação.    

Relações entre profissionais e com familiares  

Nessa interação interprofissional, todavia, existem incongruências, sendo que a taxa de discordância prognóstica entre o médico assistente e a equipe do CTI ultrapassa os 50%, muitas vezes deflagrando discussões árduas e desgastantes para ambas partes. A despeito do viés afetivo esperado, a capacidade prognóstica do médico assistente supera a da equipe intensiva. Logo, o médico assistente deve ser bem recebido no ambiente do CTI, fomentando o diálogo, as relações respeitosas, harmônicas e construtivas, com o objetivo final de viabilizar o melhor plano terapêutico destinado ao idoso crítico.   

A comunicação entre as equipes de saúde, os pacientes e seus familiares, para que seja eficaz, exige trocas verdadeiras, atenuando as inevitáveis assimetrias. Deve-se enfatizar o suporte emocional e acolhimento, a elucidação dos valores e preferências do paciente e da família, a avaliação do grau de compreensão do processo de adoecimento, o fornecimento de explicações em linguagem acessível sobre a condição médica e o prognóstico e definição clara do papel do médico intensivista.     

Um a cada cinco familiares enlutados por idosos que experimentaram a terapia intensiva revela, em seis meses, arrependimento quanto às decisões tomadas referentes à proporcionalidade terapêutica. Os profissionais de saúde podem amenizar esse sofrimento, muitas vezes invisível. A decisão informada, respaldada em conhecimento médico-científico, deve ser individualizada sob a óptica dos valores, crenças culturais, religiosas e letramento em saúde dos assistidos. Os dados biográficos devem ser destacados, permitindo o conhecimento sobre quem é a pessoa enferma, permitindo o reconhecimento das estratégias de enfrentamento.  

Na prática, as perguntas-chave diante dos idosos candidatos à admissão em CTI podem ser assim sintetizadas:  

  1. Qual a chance do idoso criticamente enfermo responder bem ao suporte intensivo avançado, recebendo alta com um prognóstico funcional e qualidade de vida razoável? 
  2. Quais serão os limites da terapia?

Os questionamentos são complexos, mas decisões importantes devem ser tomadas a partir deles. Dessa forma, deve-se lapidar a capacidade preditiva.  

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Inventário destinado ao idoso candidato à vaga em CTI:  

  • Qual é a condição médica aguda? 
  • A admissão em CTI é apropriada? 
  • Qual o prognóstico de sobrevida em curto e longo prazo? 
  • Qual é a condição clínica basal? 
  • Qual será o planejamento terapêutico? 
  • Em caso de sobrevivência, qual é a autonomia funcional e a qualidade de vida esperadas após a alta hospitalar?

Tendo-se como base um diagnóstico correto e a definição de um prognóstico provável, as opções terapêuticas serão analisadas e diferenciadas entre adequadas, fúteis ou inaceitáveis. Logo, as metas de cuidado podem deflagrar a introdução, manutenção ou suspensão de medidas suportivas, sempre norteadas pela necessidade de alívio dos sintomas e de viabilização do processo de morte natural.    

As informações-chave devem ser obtidas em tempo hábil, com o intuito de facilitar o fluxo e o processo de tomada de decisão. Devem ser contempladas as considerações do paciente frente à terapia intensiva, zelando-se pelo princípio da autonomia nos cenários em que ele é capaz de decidir por si mesmo. Lembramos que a taxa de concordância entre pacientes e familiares sob aspectos fundamentais do final de vida não ultrapassa os 75%.  

A condição de saúde basal, relativa aos 14 dias precedentes à internação, é um parâmetro fundamental a ser avaliado, e deve englobar a estimativa da reserva fisiológica com base nas comorbidades, o status da fragilidade (Clinical Frailty Scale) e sarcopenia. Deve-se elucidar a presença de declínio cognitivo e funcional pré-existente e revisar o histórico de internações recentes e o tempo de internação que precedeu a admissão em CTI.  

Imprecisões do prognóstico  

A predição de prognóstico entre os idosos, especialmente naqueles frágeis e com mais de 80 anos, é inacurada quando comparada aos pacientes jovens. Entretanto, a capacidade preditiva é otimizada após transcorridos alguns poucos dias em CTI. Trata-se do conceito de prova terapêutica plena, caracterizada por tratamento intensivo completo, mas por um tempo limitado (time-limited trials), enquanto se observa a evolução do quadro, que pode estar em piora, estagnado ou em melhora.   

Quando considerar medidas paliativas?  

A proposição mais aceita é de se fazer o balanço em dois dias de terapia intensiva entre os idosos sem fragilidade e em cinco dias entre os idosos frágeis. Na ausência de resposta aos cuidados intensivos, discute-se a  migração da ênfase dos cuidados para a paliação.  

A maioria das mortes em CTI é precedida pela decisão de limitar ou interromper medidas suportivas, em um processo desafiador pautado no adequado julgamento médico, ético e legal, valendo-se da sensibilidade cultural e da colaboração dos familiares, com alvo comum em desfechos dignos. Mais do que a própria morte, teme-se a incapacidade, a dependência, a institucionalização e o abandono.  

Os idosos que sobrevivem ao CTI têm sobrevida estimada em não mais do que 40% em 6 meses, e a mortalidade segue elevada nos anos subsequentes.

O dado nos leva a uma reflexão: vale a pena a permanência no CTI? Quando a internação em terapia intensiva é curta e o paciente goza de um ano sequencial proveitoso em termos de qualidade de vida, mantendo a sua autonomia e independência, a concepção é de mais valia em relação ao tratamento recebido.

Por outro lado, a estadia crítica prolongada, a ocorrência de óbito logo após a alta hospitalar ou a sobrevida marcada por sofrimento, dor, desespero, perda de autonomia, depressão e ansiedade, apontam para o fracasso do tratamento recebido.   

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Conclusão e mensagens práticas 

  • A admissão de idosos acima dos 80 anos em centros de terapia intensiva (CTIs) tem se tornado cada vez mais frequente.  
  • A idade cronológica, embora não seja isoladamente definidora de prognóstico, se associa ao incremento da fragilidade e mortalidade.  
  • A adequada alocação em tratamento intensivo, portanto, depende do conhecimento do status de saúde basal.  
  • As metas de tratamento devem ser trabalhadas precocemente, geralmente com o envolvimento do geriatra e, em condições especiais, dos anestesiologistas e cirurgiões, como em pré-operatórios de cirurgias de alto risco; e dos emergencistas e intensivistas, por ocasião do adoecimento agudo.  
  • A capacidade preditiva de prognóstico é limitada entre os idosos, especialmente na presença de fragilidade. Dessa forma, recomenda-se, aos casos duvidosos, uma prova de terapia intensiva plena, por não mais do que 2 a 5 dias, quando um balanço guiado por alvos pré-estabelecidos é realizado: na presença de melhora, segue-se com a ênfase no cuidado crítico. Nos casos de piora, discute-se a migração da ênfase de cuidados para a paliação.  

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Referências bibliográficas

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