A reposição volêmica é parte do tratamento da sepse, incluída no pacote de 1 hora após o reconhecimento do quadro e abertura de protocolo. Enquanto a antibioticoterapia precoce reduz a mortalidade quanto mais precoce possível, a reposição volêmica é reconhecida como medida importante mas de efeito duvidoso sobre os desfechos de complicações ou mortalidade na sepse. Esta controvérsia pode ter diversas explicações, desde o momento e a dose de líquidos oferecida até a composição dos líquidos que é muito variável. Dentro desta perspectiva, a famosa “batalha” entre médicos intensivistas que preferem coloides ou cristaloides sempre esteve nas mesas de debate em congressos ao redor do mundo.
Na década passada, as evidências se empilharam para esclarecer 2 pontos: soluções cristaloides balanceadas (contendo íons além de sódio e cloro) parecem causar menos complicações que as soluções salinas; e amidos hidroxietílicos de alto ou baixo peso molecular acarretam maior incidência de disfunção renal e até mortalidade.
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Objetivos e Metodologia:
O problema é que os estudos geralmente comparam de 2 a 3 soluções entre si, e dificilmente teremos estudos comparativos de várias soluções ao mesmo tempo; daí a estratégia de realizar meta-análise em rede, quando se consegue inferir direta e indiretamente os efeitos das soluções entre si, juntando os vários estudos ao longo das últimas décadas. O fator limitante é que algumas soluções já não são usadas na maior parte do mundo, como os dextranos e as gelatinas, e as comparações são de dados de pacientes tratados antes da Surviving Sepsis Campaign surgir em 2003. Para mitigar este problema, os autores limitaram a procura por artigos com as palavras chaves: “Sepsis”, “Septic Shock”, “Balanced crystalloids”, “Ringer’s acetate”, “Hyperoncotic albumin” e “RCT – randomized controlled trial”. Os autores selecionaram somente estudos prospectivos e randomizados de 1983 até 2021, a maioria da Europa (18) e o resto da Ásia (5), Oceania (3) e América do Norte (1) e do Sul (1). O tamanho amostral variou de 50 a 2336 pacientes. Os estudos avaliaram 7 tipos de fluidos: gelatinas, amidos de alto e baixo peso, salina, Ringer lactato, outros cristaloides balanceados e albumina em diversas concentrações. Os desfechos escolhidos foram de disfunção renal, hemodiálise, mortalidade de 28 e 90 dias.
Resultados:
Houve grande heterogeneidade entre os estudos, desde as soluções testadas até a taxa de dados “missing”. Dez estudos tiveram resultados divulgados de maneira incompleta.
Os primeiros resultados são de mortalidade em 28 dias: a maior parte dos estudos envolvem salina e amidos de baixo peso molecular; a salina foi geralmente o cristaloide escolhido como comparador da maioria das soluções testadas. De modo geral, o risco relativo e o intervalo de confiança não demonstraram diferença estatística, com leve vantagem para as soluções cristaloides.
A mortalidade em 90 dias foi reduzida com o uso de cristaloides balanceados, com queda do risco relativo de 11 a 16% na comparação com salina e amidos de baixo peso, respectivamente. Não houve diferença significativa dos outros cristaloides e coloides entre si. A maior parte dos estudos foram com salina e amidos de baixo peso, seguidos de cristaloides balanceados, albumina e outros amidos. Somente amidos de alto peso molecular foram comparados com gelatinas, e por isso a comparação deste último ficou muito limitada e não demonstrou diferença estatística com os diversos fluidos.
A incidência de insuficiência renal aguda também não demonstrou diferença de risco relativo significativo entre as soluções. De modo geral, o intervalo de confiança sempre ultrapassou a unidade, somente as soluções balanceadas quase atingindo benefício quando comparadas a amidos de alto peso. A grande limitação é que a imensa maioria dos 13 estudos usou a salina como fluido de comparação com outros compostos. Do mesmo modo, o desfecho necessidade de hemodiálise também só demonstrou significância na comparação entre cristaloides balanceados e amidos de alto peso molecular (redução de risco relativo de 41%).
Uma análise de área sob o risco relativo foi realizada para fazer um ranking de fluidos com maior benefício, e os cristaloides balanceados venceram, mas esta é uma maneira estatística de evidenciar uma ordem de importância no quesito “qual é o melhor fluido” e não substitui as comparações estatísticas tradicionais. Portanto, mesmo que haja alguma vantagem das soluções balanceadas, não há clara vantagem entre os líquidos usados na reposição volêmica.
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Mensagens para o dia-a-dia:
- A comparação dos diversos fluidos para reposição na sepse mostra estudos muito heterogêneos, com leve superioridade para as soluções cristaloides balanceadas;
- Amidos de alto e baixo peso molecular estão associados a maior incidência de disfunção renal e mortalidade em 90 dias;
- O tipo de fluido para reposição volêmica não parece influenciar a mortalidade dos pacientes sépticos, de modo que o momento e a dose dos fluidos administrados deve ser mais impactante para os desfechos.
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