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Terapia Intensiva12 agosto 2024

Nutrição parenteral em adultos gravemente enfermos

Neste artigo apresentaremos os pontos levantados por revisão delineando o papel da nutrição parenteral (NP) no cumprimento das metas nutricionais
Por Julia Vargas

A doença crítica está associada a uma demanda metabólica aumentada e um consumo de energia que coloca os pacientes em um estado de elevado risco nutricional. Pacientes críticos com má nutrição pré-existente possuem um maior risco de mortalidade. Fornecer um suporte nutricional adequado na unidade de terapia intensiva (UTI) é importante para prevenir a desnutrição e melhorar os desfechos clínicos. Enquanto a nutrição enteral (NE) é a via de escolha, a nutrição parenteral (NP) deve ser considerada quando a via enteral não é viável. Nas últimas duas décadas, o uso de dieta parenteral diminuiu enquanto a enteral cresceu. Essa tendência parece ser reflexo do conhecimento de que a NE mantém a integridade da mucosa intestinal, além de efeitos benéficos na resposta imune e modulação do estresse metabólico.

A Sociedade Europeia de Nutrição Clínica e Metabolismo (ESPEN) e a Sociedade Americana para Nutrição Parenteral e Enteral (ASPEN) recomendaram, de forma geral, a NE sobre a NP. A ESPEN também recomenda que a NP deve ser iniciada precocemente em caso de contraindicação absoluta à NE e que NP suplementar deve ser iniciada em 7 dias caso a NE não consiga oferecer as necessidades nutricionais adequadamente. Ademais, ASPEN recomendou que tanto a NE quanto a NP são equivalentes quando a oferta calórica é semelhante, na primeira semana de doença.

Nutrição parenteral em adultos gravemente enfermos

Imagem de freepik

Nutrição Parenteral x Enteral

Metanálises e revisões sistemáticas mais antigas mostraram que a NP estava associada a maiores taxas de complicações infecciosas e aumentavam o tempo de internação hospitalar quando comparada à NE. Entretanto, estudos randomizados e metanálises mais recentes levantaram questionamentos sobre estes achados e sugeriram que a NP e NE são modalidades equivalentes para prover nutrição em pacientes críticos.

Leia também: Análise de EAS em pacientes hospitalizados para predizer infecção urinária 

Nesses estudos não houve diferenças estatisticamente significantes entre NP e NE nos desfechos número de infecções, tempo de permanência na UTI, mortalidade em 30 dias e mortalidade em 90 dias (CALORIES – Harvey et al). Além disso, a NP foi associada a menores taxas de vômitos e hipoglicemia. Em outro estudo, o NUTRIREA-2, Reignier et al também não encontrou diferenças em taxas de mortalidade em 28 e 90 dias, tempo de permanência na UTI, dias livres de ventilação mecânica e infecções adquiridas na UTI quando comparou NP e NE em pacientes críticos, além de também ter encontrado incidência maior de vômitos, diarreia, isquemia intestinal e pseudo-obstrução colônica nos pacientes que receberam NE.

Alguns estudos sugerem que as diferenças encontradas em estudos anteriores no que se refere à aumento no tempo de permanência na UTI e risco de infecção estão associadas à quantidade de calorias ofertadas, a NP hipercalórica, e não à via de administração utilizada. É importante salientar que todos esses estudos avaliaram a NP durante 5 a 7 dias, portanto não se sabe ao certo se a administração mais prolongada poderia resultar em desfechos piores.

Nutrição Parenteral Suplementar

Apesar de as evidências mostrarem ausência de inferioridade entre NP e NE enquanto fontes primárias de nutrição, existem menos definições sobre o uso da NP suplementar.

Devido às alterações hemodinâmicas e limitações gastrointestinais em pacientes críticos, a NE frequentemente não é capaz de oferecer as necessidades calóricas que eles necessitam. Sabemos que pacientes que recebem menos do que 50% da meta calórica possuem mortalidade mais elevada. A NP suplementar foi idealizada para melhorar os desfechos clínicos aumentando a oferta calórica naqueles pacientes em que a NE isolada não consegue atingir a meta, porém não houveram resultados que confirmem esta hipótese. Sugere-se que a decisão seja individualizada e a NP seja cogitada naqueles pacientes com risco nutricional muito elevado.

Tempo de Início

Poucos estudos foram realizados sobre o início precoce e tardio de NP quando utilizada como única fonte de nutrição. Por enquanto, sugere-se que a NP primária pode ser iniciada precocemente e usada durante os primeiros 7 dias de tratamento na UTI. No entanto, devido a dados conflitantes, o julgamento clínico deve ser exercido ao decidir iniciar a NP suplementar precocemente, antes de 7 dias. Fatores como estado nutricional basal, risco nutricional e gravidade da doença devem ser levados em consideração.

Composição Nutricional

Uma vez tomada a decisão de utilizar NP, a equipe deve prescrever a quantidade apropriada de macronutrientes para fornecer energia adequadamente, minimizando os riscos de hiperglicemia, distúrbios eletrolíticos, sobrecarga de volume e hipertrigliceridemia, uma vez que doentes críticos possuem o metabolismo de glicose e a resistência à insulina alterados.

O padrão-ouro para definição das metas calóricas é a calorimetria indireta, porém ela não está disponível em muitos centros. Fórmulas baseadas no peso são simples porém, podem não acompanhar as mudanças de demanda metabólica dos pacientes críticos.

Saiba mais: Metas calóricas das vias de nutrição de pacientes operados 

Há algumas evidências de que a NP hipocalórica (≤ 20 kcal/kg/dia) é pelo menos não inferior, e talvez possa ter alguns benefícios sobre oferta total de calorias (≥ 25 kcal/kg/dia). Entende-se que esse dado esteja relacionado ao estresse oxidativo elevado, aumento da ureagênese e da produção de dióxido de carbono, e ausência da supressão esperada do catabolismo que pode ocorrer com a alimentação normocalórica. A ASPEN recomenda atingir entre 12 e 25 kcal/kg/dia nos primeiros 7 a 10 dias de internação na UTI, enquanto a ESPEN recomenda atingir menos de 70% da meta calórica na primeira semana de internação na UTI. O overfeeding deve ser evitado dado as evidências de piores desfechos em dietas hipercalóricas.

A ESPEN fornece algumas orientações nessa área e sugere que os lipídios intravenosos não devem exceder 1,5 g/kg/dia, e as infusões de glicose não devem exceder 5 mg/kg/min. As diretrizes da ASPEN enfatizam ainda que seja fornecida proteína adequada de pelo menos 1,2 g/kg/dia para atender às altas necessidades catabólicas do paciente na UTI.

Via de Administração

As vias ideais para administração de NP são os acessos venosos centrais (CVC) ou os acessos centrais de inserção periférica (PICC). Eles permitem uma flexibilidade maior na concentração e na taxa de infusão da NP, porém deve-se considerar os riscos inerentes ao procedimento de inserção desses cateteres, além das complicações deles, como infecções, trombose e mau funcionamento. A administração de NP em acesso periférico reduz esses riscos, mas limita a infusão da dieta à osmolaridades de até 800 a 900 mOsm/L enquanto a infusão central poderia chegar até 2.000 mOsm/L. Isso leva a infusão de maiores volumes, podendo gerar sobrecarga volêmica.

Monitorização

A nutrição parenteral (NP) pode causar alterações metabólicas significativas e necessita de monitoramento. A hiperglicemia com NP não é incomum e, como tal, os níveis de glicose no sangue devem ser verificados rotineiramente. O overfeeding pode levar ao aumento da produção de dióxido de carbono, o que por sua vez pode levar à hipercapnia. Além disso, o excesso de proteína na NP também pode levar à azotemia e disfunção renal. A síndrome de realimentação com NP, especialmente em pacientes com alto risco nutricional, também é comum. Por isso, marcadores bioquímicos como ureia, sódio, potássio, magnésio, fósforo, bicarbonato e cálcio, devem ser obtidos diariamente ou várias vezes ao dia, dependendo da estabilidade do paciente. O excesso de lipídios na NP pode levar à hipertrigliceridemia e disfunção hepática, necessitando de medições de rotina de triglicerídeos sanguíneos, níveis de transaminases e bilirrubina.

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Referências bibliográficas

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