Análise de EAS em pacientes hospitalizados para predizer infecção urinária
É comum que se peça análise de elementos anormais e sedimentos (EAS) na urina no sentido de identificar possibilidade de doenças do trato urinário, entre elas infecção deste sítio. Esta prática é frequente em hospitais, seja em pacientes com suspeita de infecção do trato urinário (ITU) na emergência, ou em pacientes presentes em enfermarias ou unidades fechadas. O exame de EAS pode apontar alterações na presença de nitrito, leucócitos urinários (piúria) e esterase leucocitária (enzima presente em leucócitos que está presente com inflamação) como preditores de ITU; o exame de contagem de colônias de bactérias (cultura) demonstra a presença de bactérias, podendo significar bacteriúria assintomática ou ITU.
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Este exame é solicitado quando os pacientes referem sintomas urinários, como frequência aumentada, disúria e estrangúria; ou quando ocorre investigação de quadros de síndrome febril ou descompensação clínica de outras síndromes (exemplo, sonolência em pacientes idosos). Porém, a performance do exame de EAS para predizer ITU pode ter acurácia insuficiente e levar ao início de antibioticoterapia de forma desnecessária. O uso excessivo de antibióticos pode acarretar resistência antimicrobiana e/ou eventos adversos relacionados a estas medicações.
Portanto, procura-se algum exame complementar que associado à clínica do paciente aumente a chance de diagnóstico de ITU.
Imagem de freepikO estudo
Os autores revisaram exames de EAS e urocultura, além de quadro clínico de pacientes adultos, internados em cinco hospitais dos estados americanos da Carolina do Norte, Virgínia e Georgia, de forma retrospectiva. Os critérios de ITU foram: crescimento de mais de 100.000 unidades formadoras de colônias (UFC) por ml, associado com sintomas urinários OU a presença de dois de alguns sinais de infecção (febre, calafrios, hipotensão, náusea e vômitos, delirium ou nova obstrução urinária). A análise de diversos cortes de valores de esterase leucocitária, piúria e contagem bacteriana no EAS, além de resultado positivo ou negativo de nitrito, foram analisados diante de urocultura positiva e presença de sintomas. O sexo (masculino ou feminino) e a idade de 65 anos também entraram na subanálise do estudo.
Resultados
Dentre 220.531 pacientes no período de 2017 a 2019 (36 meses), 3.392 casos foram incluídos: 60% de mulheres, idade média 67 anos, 42% com uroculturas positivas. As uroculturas ainda foram negativas em 30% dos casos e com flora mista em 17%. Os casos eram de emergência em 41% das vezes, de enfermaria em 46% e de unidade fechada em 7%.
Cerca de 21% tinham critérios de ITU. Nenhum parâmetro do EAS relatado acima foi preditor de boa acurácia: níveis de corte menores de piúria ou esterase leucocitária apresentaram boa sensibilidade, mas baixa especificidade (cerca de 90% e 50%, respectivamente). Ao aumentar os valores de corte, perdeu-se sensibilidade apesar de aumento moderado de especificidade (esta última foi no máximo 80%). Nitrito positivo teve desempenho ruim, com sensibilidade de 48%. A presença de bactérias no campo de aumento no EAS teve acurácia moderada (~ 70%).
Apesar do valor preditivo positivo baixo, a ausência de esterase leucocitária ou de piúria ou nitrito negativo são bons preditores de não haver ITU; ou seja, o valor preditivo negativo foi de 90% a 95% para os diversos parâmetros.
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Os autores experimentaram associar 2 a 4 parâmetros do EAS, com diferentes pontos de corte, para montar 9 modelos e recalcular a acurácia:
- O modelo com nitrito positivo com presença de mais de 20 leucócitos no campo de aumento (piúria acentuada) mostrou acurácia de 71%; por outro lado o valor preditivo negativo foi excelente 92%;
- Outro modelo com traço de esterase leucocitária e nitrito positivo teve acurácia de 70% e valor preditivo negativo de 97%;
- Modelo com 3 parâmetros não teve acurácia maior que os acima e manteve valor preditivo negativo de 95%.
A análise de subgrupos também foi reveladora: mulheres com mais de 65 anos tiveram resultados ruins de acurácia para ITU e também valor preditivo negativo pior que os outros subgrupos (81%, enquanto homens e mais jovens tiveram valor negativo em torno de 84% a 92%).
Por último, os autores fizeram uma projeção que se usasse algum dos modelos acima para se solicitar uroculturas, cerca de metade teria sido evitada, ou seja, não havia indicação. Provavelmente se evitaria um bom número de antibióticos prescritos de forma desnecessária.
Conclusão: EAS e ITU
O exame de EAS não é bom preditor da presença de ITU. Deve-se avaliar a clínica que cerca o possível diagnóstico de infecção do paciente. O EAS é um exame complementar, ou seja, auxilia a clínica. O mais interessante é usar este exame para se afastar ou evitar coleta de uroculturas, porque a ausência de parâmetros de inflamação da urina tem valor preditivo negativo alto. Porém, seu uso em mulheres com idade maior que 65 anos tem pior desempenho, o que torna o EAS de uso limitado neste subgrupo de pacientes.
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