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Gastroenterologia8 agosto 2024

Fístulas do trato gastrointestinal alto: Como abordá-las? 

As fístulas do TGI alto, definidas pela presença de comunicação anormal entre duas superfícies epitelizadas, são complexas e vinculadas à elevada morbimortalidade.
Por Leandro Lima

Destacam-se três principais mecanismos fisiopatogênicos: malignidades, processos inflamatórios ou iatrogênicos, os últimos secundários a intervenções endoscópicas, cirúrgicas (fístulas anastomóticas, com destaque para as cirurgias bariátricas) ou radioterápicas. As fístulas do TGI alto podem ser classificadas como internas, quando comunicam dois órgãos internos, como é o caso das fístulas traqueoesofágicas, esofagopleurais e esofagoatriais; ou externas, quando há comunicação com a superfície corporal externa, a exemplo das fístulas esôfagocutâneas.  

Quando suspeitar das fístulas do TGI alto? 

Em pacientes com histórico de manipulação cirúrgica, endoscópica ou radioterápica do TGI alto, bem como suspeita de processos inflamatórios ou malignidades nessa topografia, os sinais de alarme incluem:  

  • Febre e sepse; 
  • Tosse e dispneia; 
  • Diarreia; 
  • Drenagem cutânea de conteúdo purulento ou entérico. 

A partir da suspeição clínica, deve-se ampliar a propedêutica com exames seccionais de imagem, fistulgrama e radiografia contrastada do TGI. A endoscopia digestiva, por sua vez, costumeiramente é útil para a confirmação da localização e caracterização das dimensões e anatomia do óstio fistuloso.   

A abordagem é desafiadora, trazendo a necessidade de cuidados multidisciplinares e terapia personalizada, baseada na avaliação por exames radiológicos e endoscópicos do trajeto fistuloso, levando-se em conta as condições clínicas, cronologia dos eventos e anatomia do defeito mucoso. O objetivo final do tratamento é o restabelecimento da continuidade e integridade do TGI.   

Manejo suportivo das fístulas do TGI alto 

  • Correção de hipovolemia e distúrbios hidroeletrolíticos;
  • Antibioticoterapia e drenagem de coleções profundas por radiointervenção;
  • Terapia nutricional enteral e/ou parenteral. 

Um grande avanço tem sido observado, nos últimos anos, em relação à endoscopia terapêutica avançada e minimamente invasiva, contornando, parcialmente, a morbidade das intervenções cirúrgicas tradicionais.  

Os clipes convencionais (through-the-scope), introduzidos e disparados pelos canais de trabalho dos endoscópios, podem ser de valia diante de óstios fistulosos de até 10 mm, embora a sua eficácia seja limitada na presença de inflamação e fibrose adjacentes.  

Os clipes também podem ser ancorados externamente aos endoscópicos (over-the-scope) , por meio de caps, a semelhança do que é feito nas ligaduras elásticas. O dispositivo permite uma abertura mais ampla e maior força de fechamento, permitindo o fechamento de espessura total da parede do TGI e oclusão de defeitos maiores, de até 2 cm (Ovesco®: https://www.youtube.com/watch?v=jvxRmm3r1-s). Questiona-se a elevada taxa de recidiva nos defeitos crônicos. 

Os stents luminais, sejam os plásticos, metálicos ou biodegradáveis, apresentam excelentes desfechos clínicos, contudo a passagem exige a combinação de fluoroscopia e endoscopia, geralmente sob anestesia geral. Os stents precisam ser totalmente ou parcialmente recobertos, para selar o óstio fistuloso. As suas vantagens incluem a retomada precoce da dieta oral, com redução do tempo de internação e da mortalidade em relação ao tratamento conservador. A desvantagem é que se faz necessária a remoção em 4 a 5 semanas, por exceção dos biodegradáveis.  

Os principais fatores desfavoráveis à terapia com stent incluem a localização da fístula no esôfago proximal, a necessidade de posicionamento do mesmo na transição esofagogástrica, a presença de defeitos com diâmetro superior a 6 cm ou extravasamento anastomótico distal.  

Nas fístulas pós-gastrectomia vertical laparoscópica, os fatores de sucesso para a inserção de stents luminais são a ausência de histórico de cirurgia de banda gástrica, óstios fistulosos inferiores a 1 cm, intervalo curto entre a cirurgia bariátrica e o desenvolvimento da fístula (≤ 3 dias) e entre o diagnóstico da fístula e a primeira endoscopia (≤ 21 dias).  

Leia também: Assistência paliativa precoce em cânceres metastáticos no TGI superior

Os principais eventos adversos dos stents são a migração, ruptura, impactação por alimentos, ulceração da mucosa, perfuração, sangramento e crescimento tecidual no interior de sua trama.  

A técnica de sutura endoscópica é um procedimento tecnicamente desafiador e que demanda um elevado nível de treinamento, podendo ser associada a outras técnicas, como os stents luminais, reduzindo a taxa de migração dos mesmos.  

A terapia a vácuo endoluminal consiste em aplicação de pressão negativa ao defeito mucoso ou à cavidade por ele nutrida, aproximado as margens e favorecendo o seu fechamento. Uma esponja é alocada à cavidade e acoplada a um tubo nasogástrico, sendo esse conectado a um gerador de vácuo.  

Os adesivos teciduais, como a cola de fibrina e o cianoacrilato, podem ser especialmente úteis nas fístulas de baixo débito. 

A drenagem interna endoscópica, pautada na inserção de stents double pigtail através do trato fistuloso, viabiliza a drenagem das coleções para o lúmen do TGI, enquanto serve como um guia para a reepitelização.  

Uma boa perspectiva futura é relacionada com a injeção submucosa de fração vascular estromal obtida por meio da emulsificação mecânica de tecido adiposo autólogo, injetada nos 4 quadrantes das margens da fístula, com eficácia de 100% em uma pequena amostra de 5 pacientes. Outra terapia promissora, adaptada da hemodinâmica, é o dispositivo de oclusão septal cardíaco, com a finalidade de vedação dos defeitos mucosos do TGI.  

Conclusão e mensagens práticas  

  • As fístulas do trato gastrointestinal (TGI) alto são complexas, desafiadoras e atreladas à elevada morbimortalidade.
  • Os principais mecanismos incluem as malignidades, inflamações crônicas e iatrogenias.
  • A suspeita deve partir da presença de febre, sepse, tosse, dispneia ou drenagem cutânea de conteúdo purulento na presença dos fatores de risco. 
  • A propedêutica inclui os exames seccionais de imagem, fistulograma, radiografia contrastada do TGI e endoscopia digestiva. 
  • A abordagem deve ser multiprofissional e personalizada. 
  • As medidas suportivas gerais incluem ressuscitação volêmica, correção de distúrbios hidroeletrolíticos, antibioticoterapia, drenagem de coleções profundas e terapia nutricional.  
  • A endoscopia terapêutica avançada e minimamente avançada tem revolucionado o manejo, contornando, parcialmente, a morbidade das intervenções cirúrgicas tradicionais. 
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Referências bibliográficas

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