A monitorização hemodinâmica é um tema frequente na terapia intensiva e leitura obrigatória para aqueles que dão plantão. Em nossa bibliografia ao final do texto, separamos alguns textos excelentes de revisão sobre o assunto. Qual o nosso objetivo aqui no Portal? Transformar este conteúdo em algo prático para ser usado à beira do leito. Então vamos começar com um cenário clínico.
Você é intensivista e recebe um paciente da emergência com sepse urinária. A família não está presente e não se sabe o histórico prévio do paciente, que no exame físico está sonolento e com sinais vitais: FC 120 bpm, FR 30 irpm, PA 80 x 40 mmHg e oximetria 85% em ar ambiente.
O que fazer? O primeiro passo é ganhar mais informações (investigação) ao mesmo tempo que um tratamento é instituído (plano terapêutico), pois não há tempo a perder. É necessário:
- Acesso venoso profundo, de preferência jugular ou subclávia. Permite rápida infusão de líquidos, início de aminas, sedação e antibióticos e, nestes acessos, monitorização da PVC e SvO2, parâmetros úteis para entendermos volemia e perfusão.
- Monitorização contínua e invasiva da PA, a chamada “PAM”.
- Infusão antibióticos em até 1 hora da apresentação clínica, pois há critérios para sepse grave.
- Bolus cristaloide (SF 0,9% ou Ringer) 20 a 30 ml/kg. Use mais no paciente séptico e menos no cardiopata congesto.
Segundo passo: avalie as metas de perfusão. Os parâmetros mais utilizados são:
- PAM ≥ 65 mmHg: é o mais importante. Se a reposição inicial de volume não for suficiente ou se houver hipotensão profunda (PAS < 70 mmHg), considere iniciar noradrenalina enquanto o volume entra.
- Pressão venosa central (PVC) 8-12 mmHg.
- Débito urinário ≥ 0,5 mL/kg/hora.
- Saturação central de oxigênio venoso (SvO2, do cateter venoso profundo) ≥ 70%, ou venosa mista (Swan-Ganz) ≥ 65%.
- Normalização do lactato sérico: aqui cabe uma observação. Ao contrário dos parâmetros anteriores, o lactato não cai imediatamente, devendo ser acompanhado nas primeiras 3 a 6 horas após o início do tratamento.
- Exame físico: o enchimento capilar periférico é o parâmetro com melhor resultado nos estudos do choque circulatório. Leia nossa revisão sobre o tema!
Terceiro passo: você conseguiu boa perfusão? Se sim, é só seguir com tratamento para doença de base, no caso ilustrado, sepse. Se não, é hora de avançar nos seus conhecimentos hemodinâmicos. A pergunta é: cabe mais volume? A resposta a esta pergunta já foi tema de revisão nossa e segue do mais simples para menos invasivo.
Tabela 1: manobras para avaliação da volemia no paciente em choque circulatório
Elevação passiva das pernas | Método simples e fácil. O aumento da PA é sinal positivo para prova de volume. Obs: o sinal foi descrito com avaliação do débito cardíaco, mas pode ser feito com PA quando não houver monitor de DC. |
PVC | Você até pode usar o valor estático, mas a maior utilidade é o valor dinâmico: a medida em que o volume entra, observe se PVC aumenta. Quanto mais rápida essa ascensão, menos volume é indicado. |
Variação respiratória da PA (deltaPP) | Foi estudada em pacientes sedados em ventilação mecânica controlada e ritmo sinusal. Necessita de monitorização invasiva da PA. Variações acima 11-13% estão associadas com resposta a volume. |
Veia cava inferior | Antes um parâmetro estático da ecocardiografia, hoje assume papel maior com o ultrassom “poin-of-care”. Deve ser avaliado o diâmetro e a variação respiratória. Cava < 2cm e variando > 50%, sinal que pode caber volume. Fica prejudicado em pacientes com PEEP alta ou ICFER. |
Pressão capilar pulmonar (PCAP OU POAP) | Considerado padrão-ouro da volemia, requer uso de monitorização hemodinâmica invasiva (Swan-Ganz). Está reservada para os cenários mais difíceis, onde há choque, insuficiência cardíaca e renal. |
A decisão agora ficou mais fácil: se as provas acima mostrarem que “cabe volume”, faça e ao final reavalie a perfusão.
Se não houver necessidade de mais volume, e ainda assim persistirem os sinais de má perfusão, será necessário avaliar o débito cardíaco, pois pode ser “falta de bomba”.
Quarto passo: como monitorar o débito cardíaco
O padrão ouro para monitorização do débito cardíaco é o cateter de termodiluição, ou Swan-Ganz. Ele está indicado nas situações onde há choque circulatório, com uso de nora, associado à disfunção cardíaca e/ou renal, de modo que estimar a volemia e o DC se torna mais difícil pelos sinais clínicos ou pelas manobras citadas na tabela 1.
Como sua inserção e manuseio estão relacionados a riscos como complicações do acesso (sangramento e infecção), plaquetopenia e lesão da artéria pulmonar, tem-se buscado formas menos invasivas para medir ou estimar o DC. A tabela 2 mostra os métodos mais utilizados até então.
Tabela 2: principais métodos para estimar o débito cardíaco
Cateter termodiluição (Swan-Ganz) | Padrão-ouro, permite fazer cálculos e definir padrão do choque bem como monitorar o DC, a SvO2 (marcador de perfusão) e a PCAP (volemia), orientando as melhores intervenções a serem feitas no choque.
Riscos inerentes ao acesso vascular e à permanência do cateter em artéria pulmonar. |
Vigileo | Monitor que pela curva da PAM radial estima o débito cardíaco e calcula o deltaPP. Com isso, fornece informações se há necessidade de inotrópico e/ou volume. Contudo, a medida é estimada por curva que leva em consideração idade, peso e altura e, como tal, está sujeito a falhas. Por isso, o melhor uso não são os valores absolutos, mas sim como eles se modificam com intervenção. Por exemplo, se você administra volume e o DC sobre, bom sinal. Se não, “segura a mão” no volume! |
LiDCO | É um método que se apoia na infusão de lítio entre um acesso venoso profundo e o arterial para monitorar o débito cardíaco. A partir de outras informações, como PVC e SvO2, calcula resistência vascular de modo semelhante ao Swan-Ganz.
As críticas são pela infusão do lítio e a necessidade de calibração frequente. |
PiCCO | De modo similar ao LiDCO, mede o DC entre o acesso venoso profundo e o arterial. Contudo, utiliza a termodiluição, semelhante ao Swan-Ganz. Além das medidas como o DC, é capaz de estimar volemia e a água extrapulmonar (edema pulmonar).
As críticas são por também depender e calibração e pequenas interferências na curva arterial podem afetar as medidas. |
Ecocardiograma | Muito útil, avalia diretamente a função miocárdica. Através do doppler na veia cava, estima também a volemia. O problema é que para uso contínuo, necessita de posicionamento como transesofágico, o que na prática não se mostrou bom. Além disso, o cálculo do débito mesmo requer a medida do trato de saída do VE, e uma pequena variação, de 1 mm que seja, já interfere no resultado.
Por isso, cresce o uso como “point-of-care” no qual o intensivista avalia variações na cava e na contração do VE ao longo do plantão após cada medida ou intervenção. |
*Lembrando que falamos muito em débito cardíaco, mas é comum normatizá-lo pela superfície corporal, gerando o índice cardíaco.
Vamos então voltar ao nosso paciente. Ele foi intubado e, após o volume inicial, permaneceu hipotenso, necessitando de nora. Agora a PA está 120 x 80, mas o paciente permanece oligúrico, com lactato de 5 mmol/L e enchimento capilar lento. O que fazer?
Considere que o CTI de vocês dispõe apenas de acesso venoso profundo, PAM e um ultrassom portátil. Na Tabela 3, há diferentes medidas e a resposta mais apropriada a cada uma.
Tabela 3: conduta hemodinâmica no choque circulatório
PVC |
Cava |
VE |
Conduta |
Normal ou ↑ |
Normal ou ↑ |
↓ |
Inotrópico |
↓ |
↓ |
N |
Volume |
Normal ou ↑ |
↓ |
N |
Volume* |
↓ |
↓ |
↓ |
1º Volume Se VE não responder, inotrópico. |
*Uma PVC pode estar falsamente alta quando há aumento nas pressões intratorácicas, como no uso da PEEP. Por isso, mais importante que valor estático é resposta à volume. Se subir demais com reposição, é hora de parar.
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Bibliografia recomendada:
- https://www.ncbi.nlm.nih.gov/pubmed/21884645
- https://www.ncbi.nlm.nih.gov/pubmed/25392034
- https://www.ncbi.nlm.nih.gov/pubmed/28366285
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