A intubação traqueal é um dos momentos mais críticos na passagem de um paciente pela UTI. Ela está indicada nos casos de insuficiência respiratória ou choque. São estes justamente os momentos mais críticos do paciente durante a admissão na unidade. A intubação traqueal deve ser feita por um profissional experiente com técnica adequada, com ajuda do time multidisciplinar.
No entanto, mesmo em casos nos quais a técnica foi feita de maneira correta, existem complicações como hipoxemia (10%-25%), hipotensão (25%-40%) e dificuldade de acesso a via aérea na primeira tentativa (7%-15%). Estas complicações podem levar a uma parada cardíaca e a óbito. Nos últimos anos, diversos estudos têm sido realizados para comparar diferentes técnicas de preparo e auxílio no momento da intubação. Há 3 momentos cruciais que podem ser segmentados no processo da intubação traqueal:
(1) O preparo do paciente deve ser feito de modo que haja pré-oxigenação e melhora da hipoxemia.
(2) O momento da indução deve ser feito com sedativos e possivelmente bloqueadores neuromusculares; esse é um momento no qual o paciente está propenso a fazer hipotensão.
(3) E por último, a intubação traqueal por si, que é realizada com laringoscopia e o médico pode dispor de dispositivos para ajudar no acesso à laringe.
Leia mais: Intubação traqueal – 1 em cada 3 pacientes tem complicações
Objetivos e Metodologia
Uma revisão sistemática com estudos randomizados e controlados de cuidados clínicos durante o processo de intubação traqueal e quais são os “gaps” de conhecimento para serem considerados adiante. Não foi escopo do artigo: aspectos da anatomia e fisiologia das vias aéreas, classificação de via aérea difícil, opiniões de experts, estudos observacionais e extrapolações de estudos no cenário de centro cirúrgico.
Resultados:
(1) Oxigenação e ventilação:
- A pré oxigenação é fundamental no preparo do paciente, mas estes pacientes estão com variados graus de hipoxemia por causa da insuficiência respiratória, e métodos acessórios de ventilação podem ser necessários para alcançar níveis adequados de oxigenação antes da laringoscopia. Foram 3 estudos controlados que sugeriram que a ventilação não-invasiva (VNI) reduz a hipoxemia (~ menos 10%) e consequentemente a incidência de parada cardíaca (de 1,1% para 0,2%); o uso de VNI pode ser mantido até segundos antes da laringoscopia, inclusive após a indução com sedativos e com ventilação com bolsa e máscara após uso de bloqueio neuromuscular (BNM);
- O uso de cateter de alto fluxo de oxigênio é alternativa para o uso de VNI, mas outros 2 estudos tiveram resultados inconclusivos para redução de hipoxemia antes de laringoscopia.
(2) Indução com medicações:
- Etomidato e ketamina são as medicações mais usadas atualmente; propofol vem a seguir, é mais preferido por intensivistas do que emergencistas, mas causa hipotensão;
- Etomidato tem farmacologia mais favorável, com meia vida previsível e estabilidade hemodinâmica, porém está associado a maior mortalidade em 7 e 28 dias (estudos EvK e KETASED);
- O BNM não é praticado universalmente, mas tem vantagens de facilitar a ventilação com bolsa e máscara e aumentar chance de intubação “de primeira”; a succinilcolina é mais antiga, pode causar hipercalemia mas tem meia vida curta de 6-10 minutos; o rocurônio tem menos efeitos colaterais mas tem meia vida maior, de 30-90 minutos e pode ter que ser revertido com antídoto sugamadex;
- Não há diferença estatística de sucesso na primeira tentativa entre rocurônio e succinilcolina (75% e 79%, respectivamente); houve mais hipotensão e uso de vasopressor com succinilcolina;
- Embora o uso de reposição volêmica (500 ml de bolus de cristaloides) tenha o potencial de reduzir a incidência de hipotensão, os estudos PrePARE I e II não mostraram benefício desta estratégia em mais de 1000 pacientes randomizados;
- Outro estudo com bolus ou infusão contínua de vasopressores (ex. noradrenalina) também não mostrou benefício, com taxas de 40% e 32% de hipotensão (p valor 0,08).
(3) Laringoscopia e intubação traqueal:
- O posicionamento da cabeça e tronco com elevação da cabeceira e hiperextensão da cabeça prejudicam a visualização da glote (maior índice de Comark III e IV), em comparação à posição neutra em decúbito dorsal; mas aqui são dois aspectos misturados e que se confundem – provavelmente a elevação da cabeceira da cama mantendo a posição neutra da cabeça (como farejando ou “sniffing”) deve ser equivalente ao decúbito dorsal com zero grau de cabeceira;
- O estudo DEVICE mostrou benefício da videolaringoscopia em relação à laringoscopia direta para acesso à laringe na primeira tentativa: 85% versus 71%, com p valor < 0,001;
- O uso de estilete (ou guia) dentro do tubo traqueal também é recomendado, pois aumenta a chance de intubação em torno de 7% (estudo STYLETO), quando comparado ao procedimento com tubo sem estilete;
- O bougie também pode ser considerado, porque o estudo BEAM avaliou mais de 700 pacientes e a taxa de sucesso na 1a tentativa pulou de 87% sem bougie para 98%; no entanto outro estudo (o BOUGIE) com 1102 pacientes comparou o uso de bougie e tubo com estilete e não encontrou diferenças entre o sucesso entre os grupos (80% e 83%, respectivamente).
Mensagens para o dia-a-dia:
- A pré-oxigenação com ventilação não-invasiva reduz a hipoxemia durante a intubação;
- O uso de videolaringoscópio deve ser preferido (se disponível e com treinamento prévio) porque aumenta a chance de sucesso na primeira tentativa;
- O uso de estilete (guia) aumenta a chance de intubação na primeira tentativa também, se comparado à intubação com tubo e sem estilete;
- A intubação com elevação da cabeceira + hiperextensão da cabeça aumenta a dificuldade de visualização da glote se comparada ao decúbito dorsal e com cabeça em posição “sniffing”;
- Embora haja recomendação de antecipação com fluidos e/ou vasopressor, a incidência de hipotensão permanece a mesma, havendo dúvida sobre sua eficácia;
- Existe controvérsia se dispositivos de ajuda à intubação, como o bougie, melhoram a chance de sucesso da intubação na primeira tentativa; este dispositivo deve ser reservado para quando o operador tem visão limitada das cordas vocais.
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