As infecções fúngicas invasivas (IFI) representam um dos maiores desafios da prática clínica em unidades de terapia intensiva (UTI). Apesar de menor prevalência comparada às infecções bacterianas, torna-se importante sua discussão devido à alta mortalidade, dificuldade diagnóstica e impacto sobre os custos durante a internação.
Há um crescimento de populações de risco no cenário de UTI, como pacientes submetidos a terapias imunossupressoras, cirurgias complexas, uso de antibióticos de amplo espectro e dispositivos invasivos. Dessa forma, há um aumento significativo da incidência de tais infecções, sendo os fungos do gênero Candida e Aspergillus os principais agentes etiológicos, com perfis distintos de apresentação clínica e letalidade.
Neste artigo vamos analisar um estudo que tem como objetivo avaliar a incidência das IFI nos pacientes da UTI, identificação dos fatores de risco, análise do tratamento e dos desfechos clínicos.
Sobre o estudo
O estudo em questão é uma revisão sistemática e meta-análise, que tem como base dados extraídos de 34 estudos observacionais realizados entre 1999 e 2024. O objetivo principal do estudo foi avaliar a prevalência global de infecções fúngicas invasivas (IFI) em pacientes críticos internados em UTIs. Além disso, o estudo também buscou identificar os fatores de risco, analisar o tratamento utilizado e os desfechos clínicos.
A prevalência de IFI foi de 5% (IC 95%: 3-7%) entre os pacientes críticos internados nas UTIs. O estudo incluiu mais de 2.000 pacientes que desenvolveram infecção fúngica invasiva confirmada por critérios clínicos, microbiológicos e laboratoriais.
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Pergunta PICO
- P (População – População): Pacientes adultos internados em unidades de terapia intensiva (UTI), em estado crítico, com risco ou diagnóstico de infecção fúngica invasiva (IFI).
- I (Intervenção – Intervenção): Tratamento antifúngico sistêmico (equinocandinas, azólicos ou anfotericina B), iniciado de forma empírica ou dirigida conforme o agente identificado.
- C (Comparação – Comparação): Pacientes críticos sem IFI ou pacientes com IFI que receberam antifúngico tardio ou inadequado.
- O (Outcome – Desfechos): Incidência de IFI, espécies isoladas, distribuição dos sítios de infecção, resposta terapêutica, mortalidade hospitalar, tempo em ventilação mecânica e duração da internação em UTI.
Para entender os resultados e analisar o estudo, torna-se importante compreender a fisiopatologia das infecções fúngicas invasivas:
Primeiramente, no ambiente da UTI normalmente há uma quebra da barreira de defesa do hospedeiro, muitas vezes caracterizada pela presença de dispositivos de invasão como cateteres venosos centrais, nutrição parenteral, ventilação mecânica e procedimentos. Dessa forma, há um favorecimento para a infecção fúngica, até mesmo em corrente sanguínea.
Além disso, no contexto do paciente crítico, vemos uso extensivo de antibióticos de amplo espectro, o que acaba suprimindo a microbiota bacteriana e criando espaço para proliferação fúngica. Ainda, outras medicações como corticoides e quimioterápicos e condições como doenças imunossupressoras e hematológicas contribuem para deficiência na imunidade celular, o que é um fator de risco em si para desenvolvimento de aspergilose invasiva.
Dentro de todo esse contexto, com uso intensivo de diferentes terapêuticas e tendência à resistência, observamos ainda uma pressão seletiva, levando ao surgimento de cepas mais resistentes o que dificultam cada vez mais o manejo.
O resultado desse processo é a invasão tecidual e disseminação hematogênica, podendo ocasionar repercussões sistêmicas graves, sepse e falência de múltiplos órgãos.
Diagnóstico
Como proposta para intervenção, temos principalmente o diagnóstico precoce dessa condição, já que o estudo em questão mostra que a mortalidade aumenta exponencialmente quando há atraso da terapia.
Observamos uma série de questões que podem atrasar o diagnóstico como a baixa sensibilidade das hemoculturas, manifestações clínicas inespecíficas, tempo prolongado para confirmação microbiológica, necessidade de biomarcadores que não estão amplamente disponíveis e achados radiológicos inespecíficos.
Dessa forma, o tratamento empírico é observado na maioria dos pacientes, o que apesar de necessário em muitos casos, pode contribuir para uso excessivo dos antifúngicos.
Tratamento descrito no estudo
O tratamento foi conduzido com antifúngicos sistêmicos, escolhidos de acordo com o perfil clínico do paciente e, quando disponível, com base na identificação microbiológica.
- Equinocandinas (caspofungina, micafungina, anidulafungina): usadas como primeira escolha na candidíase invasiva, especialmente em pacientes críticos instáveis. Apresentaram boa resposta inicial e foram frequentemente de-escalonadas para fluconazol quando havia estabilidade clínica e identificação do agente sensível.
- Azólicos (voriconazol, fluconazol, posaconazol): voriconazol foi o antifúngico de eleição para aspergilose invasiva. Fluconazol foi utilizado em pacientes menos graves ou como terapia de consolidação.
- Anfotericina B lipossomal: reservada para casos graves, infecções por fungos raros ou quando há resistência documentada.
Resultados observados
A revisão sistemática e meta-análise identificou 34 estudos, envolvendo 655.169 pacientes críticos internados em UTIs. A análise demonstrou que a prevalência global de infecções fúngicas invasivas (IFI) entre esses pacientes foi de 5% (IC 95%: 3–7%), evidenciando que, embora relativamente pouco frequentes, essas infecções têm grande impacto clínico. A heterogeneidade entre os estudos foi elevada (I² = 99,9%; p < 0,01), refletindo variações metodológicas, populacionais e regionais.
Distribuição por gênero de fungo
- Aspergillus spp.: prevalência de 10% (IC 95%: 5–18%).
- Candida spp.: prevalência de 3% (IC 95%: 1–5%).
- Outros fungos (como Cryptococcus e Fusarium): prevalência de 5% (IC 95%: 1–5%).
Para contextualizar os dados de prevalência da meta-análise, trazemos achados do AURORA Project, estudo observacional prospectivo realizado em 18 UTIs do sul da Itália durante 18 meses, que registrou 105 episódios de infecções fúngicas invasivas em 5.561 pacientes:
- Mortalidade hospitalar global nas IFI: 42,8 %
- Mortalidade nas infecções por fungos filamentosos (moldes): 61,5 %
- Todas as infecções por leveduras foram candidemias, com predominância de C. non-albicans (59,8 %) — sendo C. parapsilosis a espécie mais comum (61,8 %).
Esses dados reforçam que, além de sua frequência, as infecções fúngicas invasivas apresentam alta mortalidade, especialmente quando causadas por fungos filamentosa (moldes), destacando a relevância clínica das IFI em UTIs. Os achados do estudo reforçam que as infecções fúngicas invasivas são menos frequentes que as bacterianas, mas muito mais letais.
Para lembrar…
– As infecções fúngicas invasivas (IFI) acometem cerca de 5% dos pacientes críticos em UTI, com grande impacto clínico devido à alta mortalidade.
– Candida spp. é o agente mais frequente, principalmente C. non-albicans, com C. parapsilosis sendo a espécie mais comum nas candidemias.
– Infecções por Aspergillus spp. (fungos filamentosos) apresentam maior mortalidade hospitalar.
– Protocolos de diagnóstico precoce, terapia antifúngica adequada e vigilância epidemiológica são fundamentais para reduzir a mortalidade e melhorar os desfechos clínicos.
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