As autópsias são realizadas nos hospitais com objetivos diversos, incluindo elucidação diagnóstica quando a causa mortis não ficou clara. No entanto, o número de exames post-mortem tem diminuído nas últimas décadas por vários motivos: ampliação de arsenal diagnóstico tecnológico, medo de processos por má prática e falta de profissionais habilitados em Anatomia Patológica. Há contribuições de autópsias para a qualidade assistencial porque pode incrementar a tomada de decisões, saber incidência ou prevalência de doenças raras, emergentes ou de difícil diagnóstico e por fim atividades educacionais (como em hospitais universitários).
Existem poucos estudos de avaliação de discrepância diagnóstica entre clínica e autópsia em pacientes de UTI, que apresentam maior risco de perda ou confundimento de diagnósticos. Estes pacientes precisam de mais intervenções invasivas, como procedimentos à beira do leito e cirurgias, podem apresentar doenças com apresentações atípicas e com fisiopatologia interconectada complicada.
Nesta revisão sistemática, os autores reuniram estudos de autópsia em pacientes de UTI, com o objetivo principal de verificar o “pool” de taxa de diagnósticos “perdidos” ou errados, que poderiam mudar as condutas terapêuticas ou o prognóstico.
Resultados
Os autores selecionaram 89 estudos, dos quais 47 foram excluídos e finalmente ficaram 42 estudos para avaliação. A maior parte dos estudos foram retrospectivos, realizados em UTIs mistas, ou seja, de pacientes clínicos, cirúrgicos e de outros tipos. O período de realização dos estudos foi variável, de 1 a 25 anos! Embora em 17 (40%) estudos o pedido de autópsia era compulsório, e teoricamente a taxa de autópsia por óbito seria perto de 100%. Mas somente 4 estudos conseguiram este feito. A taxa média de autópsia foi de aproximadamente 40%, variando de 8% a 100%. Estes primeiros dados já mostram a dificuldade de realizar exames de autópsia na maioria dos hospitais.
Juntando dados dos estudos, foram 6.305 autópsias: em 1.759 (28%) se encontrou alguma discrepância entre clínica e autópsia. A maior parte dos estudos focou em reportar apenas os erros de Classe I, nos quais poderia haver alteração de conduta terapêutica ou de sobrevida. Cerca de 6% das discrepâncias foram de Classe I. A taxa sobe para 19% se juntam classes I e II (que aglomeram erros que poderiam ou não alterar condutas); e chega a quase 39% para todos os diagnósticos perdidos na clínica, quando avaliados por exame de autópsia.
Os diagnósticos perdidos de maior frequência foram pneumonia, embolia pulmonar e neoplasias desconhecidas. A frequência destes diagnósticos estão na tabela abaixo.
Frequência de diagnósticos perdidos ou errados em autópsias de pacientes que morreram em UTI, em 42 estudos da revisão sistemática de Marcoen et al.
Diagnóstico perdido ou errado | N |
Pneumonia | 175 (13,8%) |
Embolia pulmonar | 135 (10,7%) |
Neoplasias | 125 (9,9%) |
Infarto do miocárdio | 85 (6,7%) |
Infarto mesentérico | 46 (3,6%) |
Sangramento (pós-traumático) | 38 (3,0%) |
Acidente vascular cerebral isquêmico | 21 (1,7%) |
As discrepâncias foram mais frequentes em UTIs clínicas, como já era esperado pelos autores, mas UTIs cirúrgicas (embora menos numerosas na revisão) também demonstraram taxa semelhante; UTIs de trauma e de queimados tiveram taxa menor de diagnósticos errados ou perdidos.
O ano de estudo (de 1988 e 2021) também não foi impactante na taxa de discrepância ou erro de diagnósticos; a tendência foi de manter a taxa de erros de Classe I estável durante as últimas 3 décadas (mesmo com avanços em diagnósticos de imagem e laboratoriais).
Um último ponto de interesse foi a associação entre a maior taxa de autópsia e a menor taxa de discrepância clínica e autópsia: há provavelmente relação entre maior realização de exames de autópsia e menor incidência de erros.
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Mensagens para o dia a dia
- A realização de autópsias tem duplo papel na melhora da qualidade de atendimento ao paciente grave em UTI: esclarecimento de diagnóstico ocultos ou perdidos e educação da equipe de saúde para futuros atendimentos de outros pacientes com quadros semelhantes;
- A taxa de discrepância entre clínica e autópsia é em torno de 6% para diagnósticos de Classe I, que são aqueles nos quais poderia haver alteração de conduta terapêutica ou de sobrevida; e é de 19% quando se inclui também diagnósticos que não alterariam as condutas;
- Pacientes clínicos e cirúrgicos têm maior risco de discrepância clínica vs post-mortem, enquanto politraumatizados e grandes queimados têm menor risco.
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