CBMI 2024: Abordagem multimodal da analgossedação
A abordagem multimodal refere-se ao uso de diferentes classes de agentes farmacológicos para sedação e analgesia, visando um controle adequado da dor e redução da sedação do paciente. Isso resulta em menor desconforto, redução do tempo de ventilação mecânica, diminuição do tempo de internação na UTI, além de menos efeitos colaterais dos medicamentos.
No Congresso Brasileiro de Medicina Intensiva (CBMI 2024), uma sessão abordou as principais evidências sobre o tema.
Dor e sedação
As diretrizes recomendam que a dor seja avaliada rotineiramente e tratada antes da sedação. Devem ser utilizados protocolos para controle da dor e sedação, priorizando sedação leve em pacientes sob ventilação mecânica. Apesar destas diretrizes, a realidade mostra que, em UTIs especializadas, apenas cerca de 30% dos pacientes estão em sedação leve após dois dias de ventilação mecânica.
A avaliação da dor não deve se basear apenas em sinais vitais, pois estudos mostram que não há correlação significativa entre sinais vitais e a dor percebida pelo paciente. E, quando questionados sobre a percepção da dor, pacientes relataram níveis maiores do que os avaliados pelos profissionais de saúde, demonstrando que a equipe de assistência subestima a dor dos pacientes.
Desafios na implementação da abordagem multimodal
Um estudo escocês identificou que a mudança recente nas práticas de sedação, incertezas na tomada de decisão e fatores organizacionais dificultam a adesão às diretrizes.
Além disso, a falta de espaço adequado, número insuficiente de profissionais e diferenças nas escalas de dia e noite contribuem para a insegurança na aplicação das estratégias recomendadas. A burocracia e a sobrecarga de trabalho também foram citadas como barreiras para a adesão às diretrizes.
O Dr. Antonio Paulo Nassar sugeriu que a solução para os desafios enfrentados na abordagem multimodal não está em tecnologias complexas, mas sim em ações simples e práticas.
Recomenda-se o uso de ferramentas para monitorar dor e sedação e a utilização de escalas comportamentais é fundamental. A Behavior Open Scale é uma das escalas recomendadas para avaliação da dor. Escalas de sedação como RAS e SAS são validadas e ajudam a definir claramente o nível de resposta do paciente a estímulos.
A presença de intensivistas nas UTIs está associada a uma maior utilização de escalas de dor e sedação, além de melhorar a adesão às diretrizes. O empoderamento da equipe de enfermagem e a inclusão de farmacêuticos clínicos na equipe são estratégias que podem reduzir a mortalidade e a duração da ventilação mecânica.
Por fim, a educação contínua e o feedback são essenciais para manter a adesão às práticas recomendadas, especialmente em unidades com alta rotatividade de profissionais.
Evitar sedação contínua
Sobre os riscos e complicações da sedação contínua, a Dra Sangeeta Mehta do Canadá trouxe à plateia diversos estudos que demonstraram a necessidade urgente da discussão sobre o assunto.
Um estudo brasileiro de 2022 revelou que 80% dos pacientes recebem sedação contínua, com o uso de midazolam ainda sendo alto (65% a 92%).
Um estudo em Toronto analisou a equidade de gênero na sedação, mostrando que 68% dos homens e 62% das mulheres receberam sedação contínua, indicando que homens são mais propensos a receber infusões de sedação.
A sedação profunda está associada a falhas no desmame da ventilação, maior duração da ventilação mecânica, maior tempo de permanência na UTI e mortalidade. Estudos demonstraram que a maioria dos pacientes permanece em sedação profunda até a extubação ou morte.
A atividade elétrica do diafragma é frequentemente reduzida em pacientes sedados, com a recuperação da atividade elétrica sendo retardada pelo uso de infusões contínuas de sedativos.
A abordagem de analgesia em primeiro lugar é recomendada, onde a dor é tratada antes da sedação. Um estudo piloto na Dinamarca mostrou que 82% dos pacientes com ARDS poderiam evitar infusões contínuas de sedativos ao usar morfina intermitente.
A interrupção diária da sedação é uma estratégia eficaz para reduzir a necessidade de infusões contínuas, com uma meta-análise mostrando que essa abordagem permite a descontinuação mais rápida das infusões.
Benzodiazepínicos devem ser evitados quando outras opções estão disponíveis, pois estão associadas a efeitos adversos significativos, especialmente em idosos e pacientes com comorbidades. Estudos mostraram que estão relacionados a uma maior probabilidade de falha no desmame e aumento da mortalidade. O uso de propofol e dexmedetomidina é recomendado pois estão associados a melhores resultados clínicos.
Um estudo observacional em quase 100 UTIs na Europa está em andamento para associar a gestão sedativa com os resultados dos pacientes, o que pode fornecer mais informações sobre as melhores práticas em sedação.
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Terapias adjuvantes
Por último, o Dr. Björn Weiss da Alemanha falou sobre o papel das terapias adjuvantes em tratar sintomas enquanto minimizam o uso de sedativos. Os principais sintomas a serem tratados incluem dor, estresse, alucinações e ansiedade.
A dor é um estressor significativo e deve ser tratada com opiáceos e analgésicos periféricos, como paracetamol e dipirona. Outras opções incluem o uso de ketamina em baixas doses e gabapentina para dor neuropática.
O receptor GABA-A é heterogêneo, com diferentes subtipos mediando ações distintas. Benzodiazepínicos como midazolam e lorazepam atuam principalmente no subtipo alfa-1, que está associado à sedação. As pesquisas atuais vêm explorando moduladores mais seletivos que atuam em subtipos como alfa-2 e alfa-3.
O Haloperidol é utilizado para tratar alucinações e sintomas psicóticos, mas não demonstrou efeito significativo na incidência de delirium em grandes ensaios clínicos. O estudo de Timothy Girard (2010) não encontrou diferença significativa entre haloperidol e placebo em termos de sedação, mas observou que a sedação foi semelhante em ambos os grupos.
O uso de dexmedetomidina mostrou benefícios na redução do delirium, embora mais dados sejam necessários sobre sua eficácia em fases tardias.
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