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Terapia Intensiva10 março 2025

Assertividade da profilaxia contra úlcera de estresse gástrico 

Estudo avaliou a eficácia de uma intervenção liderada por farmacêuticos clínicos na redução do uso excessivo de profilaxia de úlcera de estresse
Por André Japiassú

O sangramento por úlcera de estresse gástrico ocorre em pacientes graves, muitas vezes internados em UTI, e que apresentam algumas características, como choque e discrasia sanguínea. Embora não pareça haver aumento de mortalidade, esta intercorrência piora o “status” clínico e prolonga a permanência na UTI e hospital, além da necessidade de endoscopia digestiva alta. A prevenção é realizada com medicamentos como antagonistas de receptor de histamina (que já estão fora do mercado) e com inibidores de bomba de prótons (IBP). A categoria de IBP reduz a chance de sangramento significativo em mais de 70%, reduzindo a incidência de cerca de 8% para menos de 2% em pacientes mais graves. No entanto, não há necessidade desta profilaxia em pacientes menos graves, ao mesmo tempo que o acréscimo de medicações pode causar efeitos colaterais e interações com outras várias medicações comuns no paciente grave (são cerca de 10 drogas por prescrição por dia em doentes graves com choque e/ou ventilação mecânica). Os IBPs também contribuem para causar delirium, redução da absorção de medicamentos e infecção por Clostridioides difficile. 

Objetivos e Metodologia

Os autores tiveram a ideia de uma ação com farmacêuticos clínicos em 26 UTIs na China: elaborar protocolos da profilaxia de estresse gástrico, distribuir material educativo, revisão de prescrições e sugestões de início ou suspensão da profilaxia e, por fim, participação em “rounds” multidisciplinares. 

Houve divisão dos centros em 9 grupos, de forma que havia a inclusão de 1 centro na intervenção por semana, totalizando 3 meses de estudo. Cada UTI funcionou como controle e intervenção, porque a incorporação da metodologia acima ocorria mais cedo ou tarde no estudo. 

Os objetivos foram os seguintes: redução de pacientes recebendo a profilaxia, seguido da incidência de pacientes com sangramento gastrointestinal aparente (definido como hematêmese, sangue presente no cateter gástrico, hematoquezia ou melena). Outros desfechos foram a instabilidade hemodinâmica com hipotensão ortostática, queda na pressão sistólica maior que 20 mmHg, redução de mais de 2 g/dL de hemoglobina ou falha em aumentar o hematócrito após transfusão. Finalmente, mortalidade, tempo de permanência e infecções hospitalares (pneumonia e Clostridioides) também foram comparadas entre os grupos. 

Resultados

A coleta de dados foi robusta: 2.199 pacientes incluídos durante 4 meses, em 27 UTIs, com pouca perda de seguimento ou recusa. E a pesquisa ocorreu durante a pandemia de covid-19! A maioria das UTIs era do tipo clínico (73%), com cerca de 30 leitos. A média de médicos atuantes por UTI era 17, e havia 1 ou 2 farmacêuticos por UTI. 

Os grupos de controle e intervenção foram bem semelhantes, sem diferenças em dados demográficos ou características de gravidade. Antes da intervenção, apenas metade das UTIs tinha alguma diretriz de profilaxia com IBPs. 

O principal resultado foi que pode haver redução do uso da profilaxia com IBPs, sem aumento de sangramento intestinal clinicamente relevante. A redução foi de 5% em números absolutos, com odds ratio de 0,81 (significa redução relativa de quase 20%). A incidência de sangramento visível foi de 3,7-4,0%, enquanto o sangramento importante foi de 1,1-0,8% antes e depois da intervenção. Pneumonia ocorreu em cerca de 7% dos pacientes e infecção por Clostridioides quase desprezível (< 1%). A mortalidade foi de 6,6% e 5,8% nos grupos controle e intervenção, respectivamente, e o tempo de permanência foi igual. 

Outro resultado interessante foi saber da aceitação da intervenção farmacêutica: em média 60% era para começar IBP, com aceite de mais da metade das vezes (~60%) pelos médicos; também houve recomendação de suspender IBPs em 21% das revisões pelos farmacêuticos, com recusa de um terço das vezes e aceite no restante; e pedido de ajuste de dose de IBP em 19% das oportunidades, também com rejeição de um terço pelos médicos. Tive a impressão que qualquer que fosse a orientação do farmacêutico, havia aceitação em 2 de 3 oportunidades e recusa em 1 das 3. Será que eram os mesmos médicos aceitando ou recusando, ou havia variações ocultas nos resultados ? Não houve resposta para isso no estudo. 

Saiba mais: Intervenções de baixo valor na UTI

Algumas limitações foram descritas pelos autores: os farmacêuticos não conseguiram atuar em todos os leitos de todas as UTIs (em média conseguiram ver 17 pacientes por dia), o que pode ter limitado a observação; o timing do estudo foi justamente na pandemia, o que causou redução na taxa de inclusão de pacientes durante o estudo, devido às medidas restritivas. Mas este estudo é seguramente o maior em termos de amostra e realizado de forma prospectiva, com metodologia de inclusão em degraus e randomizada: esta é a maior força dos resultados que podem ser extrapolados para o universo da Medicina Intensiva, de modo geral. 

Mensagens para o dia a dia

  • Recomenda-se a profilaxia contra estresse gástrico para doentes graves, mas protocolos baseados em evidências de literatura e a atuação de farmacêuticos clínicos podem auxiliar na suspensão ou ajuste de medicamentos como IBPs, sem prejuízo clínico para os pacientes; 
  • A taxa de suspensão de IBPs em pacientes internados em UTI é de cerca de 5% das prescrições revisadas e debatidas nos rounds multidisciplinares com participação da farmácia clínica.

Autoria

Foto de André Japiassú

André Japiassú

Doutor em Ciências pela Fiocruz. Mestre em Clínica Médica pela UFRJ. Especialista em Medicina Intensiva pela AMIB. Residência Médica em Medicina Intensiva pela UFRJ. Médico graduado pela UFRJ.

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