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Terapia Intensiva13 novembro 2024

Estudo randomizado de profilaxia medicamentosa contra estresse gástrico

Estudo clínico randomizado testou se a prevenção com medicamentos reduz ou não o sangramento intestinal
Por André Japiassú

Pacientes graves estão predispostos a diversas complicações, além do próprio problema de base que os levaram à UTI. Uma das complicações é o sangramento gastrointestinal, devido a erosões e úlceras em esôfago, estômago e duodeno. A incidência é de 2 a 8%, durante a pior fase da doença na UTI. Mas com o advento de medicamentos que podem reduzir o pH gástrico (sucralfato, bloqueadores H2 e inibidores de bomba de prótons), esta complicação se tornou menos frequente, porque eles podem elevar o pH gástrico acima de 4,0-6,0.

A questão é saber quais são os pacientes que precisam desta profilaxia, já que o uso destes medicamentos também está associado a eventos adversos, com aumento de infecções nosocomiais (pneumonia associada à ventilação mecânica – VM – e doença por Clostridioides difficile) e interações medicamentosas (por exemplo, o aumento da meia vida de midazolam com omeprazol). Em 1994, Cook e colaboradores já haviam demonstrado que pacientes em ventilação mecânica e/ou discrasia sanguínea tinham maior risco de hemorragia digestiva.

Desde então, esta profilaxia tem sido “padrão” nas prescrições de pacientes que internam em UTI. É impressionante que se passaram 30 anos e a profilaxia é realizada sem uma comprovação clínica baseada em evidência da redução de sangramento gastrointestinal. Então o mesmo grupo do estudo de 1994 elaborou um estudo clínico randomizado para testar a hipótese se a prevenção com medicamentos reduz ou não o sangramento intestinal, e secundariamente se há alteração de desfechos como mortalidade e infecções hospitalares. 

Leia mais: Nova diretriz de prevenção de sangramento gastrointestinal em pacientes de UTI

Objetivos e Metodologia do artigo

O estudo foi realizado em 8 países, em 68 UTIs, entre 2019 e 2023. Incluiu-se todo paciente em ventilação mecânica invasiva, mesmo que já usasse medicamentos como inibidores de bomba de prótons (IBP) ou bloqueadores H2. Houve randomização 1:1 para uso de pantoprazol via endovenosa ou placebo. O desfecho principal avaliado foi a incidência de sangramento gastrointestinal importante, definido como aquele que causa instabilidade hemodinâmica, ou com necessidade de 2 ou mais unidades de concentrado de hemácias, ou necessidade de endoscopia digestiva alta de urgência, ou mesmo sangramento que leve a reinternação em UTI. 

Desfechos secundários foram: mortalidade por qualquer causa em até 90 dias; pneumonia associada a VM, doença/diarreia por Clostridioides difficile, início de hemodiálise, mortalidade na UTI ou mortalidade hospitalar. 

O tamanho amostral (4800 pacientes) foi calculado para demonstrar uma diferença de pelo menos 1,5% no desfecho primário, estimando a taxa basal de sangramento em 3%. 

Resultados

Os grupos de intervenção e controle foram muito semelhantes: média de idade 58 anos, ⅔ de homens, cerca de 70% usando vasopressores, 6,5% com hemodiálise. A frequência de uso de antiácidos prévio foi 23% e de corticoides de 35%. Pantoprazol ou placebo foram feitos por 5 dias (intervalo interquartil entre 3 e 10 dias). 

O sangramento digestivo importante foi 1% (25 de 2385 pacientes) no grupo pantoprazol e 3,5% (84 de 2377) no placebo, com hazard ratio 0,3 e p valor significativo. Mais de 97% dos sangramentos foram definidos como significativos de acordo com a equipe local e um comitê de auditoria do estudo. O número necessário para tratar e evitar 1 desfecho (NNT) foi de 40: para cada 40 pacientes tratados com pantoprazol, 1 evento de sangramento importante foi evitado. 

A mortalidade em 90 dias foi de 29,1% versus 30,9% nos grupos intervenção e placebo, respectivamente, sem significância estatística. Pneumonia ocorreu em 23,2% versus 23,8% e Clostridioides em 1,2% e 0,7%, as duas sem diferença estatística. Mortalidade na UTI e hospitalar também não foram diferentes.  

Em análise de subgrupo, a redução de sangramento foi até maior no grupo de pacientes mais graves (APACHE > 25 pontos): NNT de 24. Por outro lado, houve discreta redução de mortalidade em 90 dias do grupo de pacientes com APACHE menor que 25 pontos: (hazard ratio 0,85, com intervalo abaixo de 1). Estes resultados de subgrupo não foram valorizados nas conclusões, mas levam a crer que o pantoprazol reduziu sangramento em pacientes mais graves, sem alterar mortalidade; e esteve associado a menor mortalidade em pacientes em VM menos graves (talvez reduzindo sangramento levou a menor tempo e morbidade neste grupo). 

O uso prévio de antiácidos não influenciou os resultados, com a mesma taxa de sangramento nos grupos tratamento ou placebo. Houve poucas limitações do estudo: não foi estudada a microbiota intestinal dos pacientes (que certamente deve ter sido alterada com pantoprazol); e também não se observou desfechos de outras morbidades de pacientes graves; o uso de nutrição enteral concomitante também não foi avaliado. No entanto, o estudo possui grande generalização dos resultados, por ter sido realizado em população grande e em vários países de realidade diferente, inclusive Brasil. 

Veja também: Sangramento gastrointestinal varicoso: como tratar essa complicação?

Mensagens para o dia-a-dia:

  • Inibidores de bomba de prótons reduzem sangramento gastrointestinal significativo em pacientes graves em VM, com tempo médio de uso de 5 dias; 
  • O NNT é de 40, ou seja, a profilaxia evita sangramento importante em 1 a cada 40 pacientes tratados; 
  • Outros desfechos, como mortalidade em 90 dias e infecções como pneumonia e doença por Clostridioides difficile, não foram afetados neste estudo. 

Conclusões

O uso de medicação que aumenta o pH gástrico (no caso, IBP) reduz a chance relativa de sangramento gastrointestinal significativo em torno de 70% (absoluta de 2,5%) em pacientes graves, que internam em UTI e em VM. Não há modificação de outros desfechos como mortalidade ou infecções hospitalares. 

Autoria

Foto de André Japiassú

André Japiassú

Doutor em Ciências pela Fiocruz. Mestre em Clínica Médica pela UFRJ. Especialista em Medicina Intensiva pela AMIB. Residência Médica em Medicina Intensiva pela UFRJ. Médico graduado pela UFRJ.

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Referências bibliográficas

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