Risco de suicídio em pacientes com condições médicas
De acordo com a Organização Mundial de Saúde mais de 700 mil pessoas morrem anualmente por suicídio, sendo que indivíduos com condições médicas possuem maior risco, em parte por causa da incapacidade, dor intratável e transtorno mental secundário a condição clínica.
Entender como se dá a relação entre doenças clínicas e suicídio é fundamental para que ações preventivas sejam instituídas. Nesse sentido, Østergaard e colaboradores conduziram um estudo baseado em dados de registos nacionais dinamarqueses visando: fornecer estimativas pareadas específicas por idade e sexo do risco de suicídio em uma ampla gama de condições médicas; investigar se há uma relação do tipo dose-resposta (por exemplo, quanto maior a incapacidade pela questão médica, maior o risco de suicídio); determinar se o risco de suicídio com condições médicas é particularmente maior entre aqueles com diagnóstico prévio de transtorno mental.
Métodos
Este é um estudo de coorte de base populacional que incluiu todas as 6.635.857 pessoas que viveram na Dinamarca em algum momento entre 1º de janeiro de 2000 e 31 de dezembro de 2020. Foram analisadas 31 condições médicas, organizadas em 9 categorias: circulatória, endócrina, pulmonar, gastrointestinal, urogenital, musculoesquelética, hematológica, câncer e neurológica. Informações sobre atendimentos de emergência, ambulatoriais, internações e prescrições, desde 1995, foram usadas para coletar os diagnósticos clínicos. Os dados sobre transtornos mentais abrangem internações psiquiátricas desde 1969, além de visitas a departamentos ambulatoriais psiquiátricos e emergências desde 1995. Diagnósticos provenientes de médicos particulares que não reportam aos registros dinamarqueses não foram incluídos. A data do primeiro contato com os serviços de saúde para uma determinada condição foi considerada a data do diagnóstico.
O estudo selecionou um grupo de referência para cada condição médica, no qual, para cada pessoa diagnosticada com a condição de interesse, cinco indivíduos pareados por idade e sexo, que não haviam recebido esse diagnóstico, foram escolhidos aleatoriamente. Os participantes também foram pareados quanto ao histórico de transtornos mentais e idade no primeiro diagnóstico. Apenas pessoas que viveram na Dinamarca por pelo menos 5 anos antes da data do diagnóstico foram incluídas. O acompanhamento começou na data do diagnóstico e terminou com a morte, emigração ou em 31 de dezembro de 2020, o que ocorresse primeiro.
Para avaliar os efeitos dos padrões complexos de multimorbidade, foi comparada a taxa de suicídio de acordo com o escore de carga de incapacidade, que considera a incapacidade associada a cada tipo de condição médica.
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Resultados e Discussão
3.337.613 mulheres e 3.298.244 homens foram incluídos nas análises. Um total de 12876 suicídios ocorreu.
O risco de suicídio, em geral, foi maior entre aqueles com condições médicas e entre as 9 categorias, as associações mais fortes foram observadas para condições gastrointestinais (IRR (incidence rate ratios, razão das taxas de incidência): 1,7; IC 95% 1,5-1,8), câncer (IRR: 1,5; IC 95% 1,4-1,6) e condições hematológicas (IRR: 1,5; IC 95% 1,3-1,6). As associações se mantiveram após ajuste para situação socioeconômica e status de imigrante. O suicídio foi mais comum entre homens do que entre mulheres (de forma semelhante à população geral da Dinamarca), mas as estimativas pontuais para as associações entre condições médicas e suicídio tendem a ser maiores para as mulheres.
No que diz respeito a associação entre o tempo de diagnóstico e suicídio, o risco foi mais elevado nos primeiros seis meses após o diagnóstico, diminuindo posteriormente em direção ao nulo, embora tenha permanecido elevado para algumas condições mesmo 15 anos após o início.
Em geral, indivíduos sem transtorno mental apresentaram um risco elevado de suicídio com o aumento da carga de incapacidade. No entanto, aqueles com transtorno mental demonstraram um risco ainda maior de suicídio, aparentemente independente da carga de incapacidade das condições médicas comórbidas. Uma possível explicação para esse achado é o fato de o estudo se concentrar exclusivamente em transtornos mentais tratados em ambientes hospitalares, indicando uma população com transtornos mais graves e resistentes, o que resultaria em um risco maior de suicídio, independentemente de outras questões clínicas.
Limitações
- A ausência de dados sobre pessoas que não buscaram tratamento, assim como sobre diagnósticos realizados por médicos da prática privada que não reportam ao Registro Nacional de Pacientes da Dinamarca, resulta em uma subdetecção de magnitude desconhecida;
- O uso de diagnósticos hospitalares para transtornos mentais pode não representar casos menos graves que não requereram hospitalização;
- Os registros não contêm informações sobre o início dos sintomas, o que pode ter influenciado a estimativa da associação entre condições médicas/transtornos mentais e suicídio, particularmente para incidências dependentes do tempo;
- A generalização dos resultados para outros países pode ser limitada, especialmente em locais com desigualdade socioeconômica maior do que na Dinamarca.
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Impactos para a prática clínica
- A maior parte das condições clínicas estiveram associadas a um aumento significativo do risco de suicídio;
- Para aqueles sem transtorno mental, mas, surpreendentemente, não para aqueles com transtorno mental, havia uma relação clara entre a carga de incapacidade da doença médica e o suicídio: quanto maior a carga, maior o risco de suicídio;
- A associação com o suicídio foi particularmente forte para condições gastrointestinais (impulsionadas por doença hepática crônica e, portanto, provavelmente atribuíveis ao uso nocivo de álcool), câncer e condições hematológicas (impulsionadas pelo HIV/AIDS);
- Devemos estar atentos ao risco de suicídio não apenas entre os pacientes com transtornos mentais graves, mas também entre aqueles com algumas questões clínicas, especialmente aquelas que levam a maior incapacidade, e no período imediatamente após o diagnóstico.
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