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Carreira10 setembro 2024

Rompendo o silêncio: o tabu do suicídio no meio médico

Médicos (gênero masculino) têm taxa de mortalidade 44% maior do que a população em geral e médicas (gênero feminino) possuem um risco de 90%
Por Tayne Miranda

O suicídio é o ponto final de uma longa cadeia de sofrimento e um importante problema de saúde pública – a Organização Mundial de Saúde (OMS) estima que mais de 800 mil pessoas morrem a cada ano por suicídio.

Entre os médicos, os dados de suicídio são alarmantes: médicos (gênero masculino) tem taxa de mortalidade por suicídio 44% maior do que a população em geral e médicas (gênero feminino) possuem um risco ainda maior, de 90%.

médico com burnout recebendo conselhos de outro profissional durante a campanha setembro amarelo

Estresse na formação médica

Há inúmeros elementos da cultura formativa médica que contribuem para a deterioração da saúde física e mental. A formação médica tradicionalmente normalizou e até promoveu alguns níveis de estresse como necessários para a preparação de médicos competentes.

A privação de sono e as longas horas de trabalho muitas vezes são vistas como motivos de honra. O estresse e a angústia são entendidos como inerentes à identidade médica. Os médicos são educados para colocarem o paciente em primeiro lugar, muitas vezes renunciando ao seu próprio bem-estar.

Somos expostos a metas rígidas, carga de trabalho implacável, padrões de serviços exigentes e tudo isso sem que haja lugar para erros.

Muitas vezes somos encorajados a ver em nossos colegas uma relação de competição, ao invés de apoio. O isolamento social, a cobrança e a competição constante levam os médicos frequentemente a ignorar sinais e sintomas de esgotamento, depressão e ideação suicida.

Pedido de ajuda

Em uma cultura que valoriza ações heroicas, expressar vulnerabilidades ou pedir ajuda é entendido como não ser suficientemente bom para o exercício profissional.

Muitos médicos relatam temer ser expostos aos colegas, não serem considerados competentes e verem o avanço na carreira impedido, caso busquem ajuda para problemas de saúde mental. Alguns médicos desistem de buscar tratamento, enquanto outros tentam automedicar-se para tratar sintomas psiquiátricos.

Observamos, assim, que existem barreiras sistêmicas que desencorajam os médicos a buscarem ajuda, reforçando uma “cultura de silêncio” extremamente perigosa que permeia a profissão médica.

Estudos indicam que os médicos que morreram por suicídio têm menos probabilidade de receber cuidados de saúde mental do que os não-médicos.

Estima-se que até 97% das pessoas que cometem suicídio possuíam um transtorno mental no momento do ato fatal, sendo os transtornos de humor os mais frequentes.

Sintomas depressivos

Uma meta-análise de 54 estudos de 2015 avaliou a prevalência de depressão e sintomas depressivos em médicos residentes ao longo de décadas e em todo o mundo. Eles encontraram um aumento de 15,8% nos sintomas depressivos durante o primeiro ano de residência, em todas as especialidades e países de formação. Ao longo do treinamento, 20,9% a 43,2% dos residentes relataram sintomas depressivos, com sintomas aumentando ao longo do tempo.

Além dos fatores de risco gerais, o elevado risco de suicídio entre os médicos está associado aos seus conhecimentos e acesso a meios letais. A insatisfação no local de trabalho, a falta de prazer, a percepção de sobrecarga e a ausência de sentimento de pertencimento são questões diretamente ligadas à ideação suicida entre os médicos.

Percebemos, desse modo, a necessidade de criação de uma mudança cultural, onde instituições, profissionais de saúde e a população em geral concordem que o bem-estar dos médicos é uma prioridade e implementem mudanças tangíveis na formação e no ambiente de trabalho.

Mudança de cultura

Medidas educativas para reduzir o estigma em relação às questões de saúde mental e auxiliar na identificação de sinais de depressão, fatores de risco para o suicídio e sua prevenção são um primeiro passo.

Os médicos também devem ser apoiados na implementação de melhores hábitos de vida: precisamos tornar cotidianas discussões sobre a prática de atividade física regular, a manutenção de uma vida social saudável, a aceitação de limitações pessoais e o aprendizado de como equilibrar e priorizar melhor suas atividades.

É necessário ainda que dados epidemiológicos mais precisos sejam produzidos, de modo a orientar com maior eficiência os programas de prevenção – muitas vezes há uma subnotificação dos casos, com os médicos tentando proteger a memória dos colegas e hesitando em aceitar e notificar o suicídio.

Há ainda uma paucidade de estudos que tratam do suicídio entre os médicos. Particularidades dessa população, como a maior frequência de suicídio entre mulheres, destoando da população em geral, não é objeto de análise e não é explicada pela literatura.

Por fim, precisamos discutir a própria concepção de programas de ajuda para médicos, uma vez que questões relacionadas à confidencialidade, privacidade e exposição entre os pares são preocupações frequentes que levam os médicos a hesitarem em buscar ajuda, dificultando que programas institucionais tradicionais, com grupos de atendimento dentro dos serviços, sejam implementados.

Autoria

Foto de Tayne Miranda

Tayne Miranda

Editora médica de Psiquiatria da Afya ⦁ Residência em Psiquiatria pela Universidade de São Paulo (USP) ⦁ Mestranda em Psicologia Social pelo Instituto de Psicologia da Universidade de São Paulo (IP-USP) ⦁ Médica pela Universidade Federal da Bahia (UFBA) ⦁ Psiquiatra do PROADI-SUS pelo Hospital Israelita Albert Einstein ⦁ Foi Psiquiatra Assistente do Hospital Universitário da Universidade de São Paulo

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Referências bibliográficas

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