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Psiquiatria18 junho 2025

BRAIN 2025: Depressão e suicídio em jovens com transtornos do neurodesenvolvimento

Pessoas com transtorno de déficit de atenção e hiperatividade apresentam chance 2-5 vezes maior de depressão em relação a pessoas com desenvolvimento típico.
Por Tayne Miranda

Durante o primeiro dia do Congress on Brain, Behavior and Emotions – BRAIN 2025, o Dr. Guilherme Polanczyk, chefe do serviço de Psiquiatria da Infância e Adolescência do Instituto de Psiquiatria do HC-FMUSP e vice-presidente da Associação Internacional de Psiquiatria da Infância e Adolescência (IACAPAP) apresentou uma palestra na qual discutiu os aspectos relacionados às características dos transtornos do neurodesenvolvimento que aumentam as chances de episódios depressivos e suicidalidade.  

Epidemiologia 

Pessoas com Transtorno de Déficit de Atenção e Hiperatividade – TDAH apresentam chance 2-5 vezes maior de depressão em relação a pessoas com desenvolvimento típico. A prevalência de depressão nesse grupo é de 44,5%, mais de cinco vezes que em pessoas sem TDAH. Os estudos nessa população são contraditórios em relação a diferenças entre os gêneros. A apresentação clínica da depressão em pessoas com TDAH também é diferente, com início precoce, maior gravidade, pior funcionamento e resistência ao tratamento. 

No autismo, a chance de depressão é 4x maior do que em jovens com desenvolvimento típico), com uma prevalência de 10,6% e aumento da frequência de depressão na transição para vida adulta, sem diferença de gênero. Jovens autistas com diagnóstico tardio estão em maior risco de desenvolver depressão e cursam com quadros mais graves. Diagnósticos prévios de depressão são altamente prevalentes em indivíduos diagnosticados com TEA na idade adulta, o que pode ter dois mecanismos explicativos: sintomas depressivos mascararam sintomas de autismo e experiência de ter autismo e não ter diagnóstico por mecanismos sociais pode operar para que a chance de depressão seja maior nesses indivíduos.  

Etiopatogenia 

Sugere-se que associação entre transtornos do neurodesenvolvimento e depressão possa ser explicada por uma etiologia compartilhada (mesmo fatores de risco genéticos contribuem para TEA e depressão) e porque os sintomas TEA/TDAH poderiam constituir em risco para a depressão, levando indiretamente à depressão através de estressores ambientais e por um terceiro transtorno que acompanharia ambas as condições. 

Estressores ambientais 

TDAH

No que diz respeito aos estressores ambientais para TDAH, a relação de TDAH e sintomas de depressão é mediada por: 

  • Qualidade da amizade (relações sociais entre pares e familiares aumentando o risco de depressão – essa associação parece ser atenuada por uma boa relação parental); 
  • Baixa auto-estima; 
  • Desempenho acadêmico (media parcialmente a relação entre sintomas de TDAH na infância e sintomas depressivos subsequentes); 
  • Prejuízos relacionados ao TDAH (aumentam o risco de depressão ao afetar os sentimentos de competência e gerar sentimentos de fracasso); 
  • Parentalidade (em meninos, sintomas de TDAH estiveram associados a um aumento mais acentuado nas relações negativas entre mãe e filho ao longo da adolescência em comparação com as meninas);  
  • Ter sido vítima de violência entre os pares.

Autismo 

Em relação ao autismo os seguintes fatores mediam a relação com a depressão: 

  • Experiências negativas no ambiente social como bullying e eventos traumáticos; 
  • Bullying mediava a relação entre dificuldades sociais (comunicação social) aos 7 anos e a depressão aos 18 anos;  
  • Suporte parental: estudos transversais mostram que a vitimização por pares pode ser parcialmente amenizado pelo suporte parental;  
  • Ambientes familiares menos estressantes estão associados a menos sintomas de depressão em jovens autistas;  
  • Relações interpessoais disfuncionais – baixa qualidade das interações aumentam o risco de depressão;  
  • Sintomas autistas mais graves estão associados a maior intensidade de sintomas depressivos;  
  • Sentimento de solidão  – mediava parcialmente a relação entre ausência de redes de apoio social e a depressão;  
  • Ansiedade: 50% das pessoas com autismo apresentam fobias específicas/medos incomuns, TAG e TAS; 
  • Medos e preocupações com incerteza e imprevisibilidade na rotina; 
  • Alexitimia (dificuldade em identificar as próprias emoções) 
  • Irritabilidade (está associada à depressão e ao TEA, leva a prejuízos funcionais e está associada a risco aumentado de suicidalidade independente dos diagnósticos co-ocorrentes). 

Suicidalidade 

Há um aumento de risco de autolesão e suicidalidade de cerca de 3x em indivíduos com autismo, com aqueles com depressão apresentando maior risco de suicidalidade.  

A partir da teoria interpessoal do suicídio, são fatores considerados responsáveis por gerar o desejo de morrer sentimentos intensos de não pertencer (não fazer parte de grupos, não ter relacionamentos significativos) e entender-se como um peso para as pessoas a volta. Para que o desejo se converta na capacidade suicida, precisaria ocorrer uma mudança biológica nos sistemas de dor e medo do corpo, levando a insensibilidade a dor física e emocional, permitindo que a pessoa realize uma tentativa de suicídio ao invés de inibi-la.  

As pessoas autistas trazem como mediadores importantes para a suicidalidade os sentimentos de não-pertencimento, a dificuldade em se encaixar em um mundo pensado para indivíduos neurotípicos, levando-as a mascarar ou disfarçar suas características, a marginalização social, ou seja, a compreensão e aceitação inadequadas das diferenças que estão associadas à redução do sentimento de pertencimento social, independência e qualidade de vida. Por fim, os eventos traumáticos comuns nessa população, como as altas taxas de crimes de ódio e vitimização sexual estão associados a suicidalidade.  

Diagnóstico 

No momento de realizar a avaliação e diagnóstico, é importante:  

  • Ter múltiplos informantes (por causa da alexitimia, é comum falas como não sinto nada ou tenho um vazio, sendo necessário ver os relatos dos pais e mudanças comportamentais associadas à depressão); 
  • Avaliar início e curso dos sintomas (sintomas de TDAH e autismo costumam aparecer cedo na vida e são relativamente persistentes ao longo do desenvolvimento); 
  • Avaliar a relação dos sintomas com uso de medicação. 

Tratamento 

  • Treinamento parental;  
  • Habilidades de regulação comportamental; 
  • TCC (não teve efeito significativo para crianças, mas sim para jovens e adultos) – é importante considerar que a escolha de terapia pode depender das habilidades cognitivas e verbais do indivíduo e que as terapias psicológicas podem ser eficazes no tratamento da depressão em TDAH ou TEA, com resultados melhores naqueles nos pacientes mais velhos; 
  • Medicação – considerar o aumento do risco de suicídio no início do tratamento e de evolução para transtorno bipolar, o que em absoluto não deve retardar o início e não é contraindicação ao uso de antidepressivos (ainda que haja história familiar positiva em familiares de primeiro grau para transtorno bipolar). Sugere-se utilizar ISRS em doses baixas, ajustadas lentamente e com metas clínicas. 

Leia também: Efeitos rápidos da cetamina e seus enantiômeros na ideação suicida

Mensagens finais 

  • Trata-se de uma questão relevantes em pessoas com transtornos de neurodesenvolvimento, que devem ser monitoradas para transtorno do humor e suicidalidade;
  • Adversidades interpessoais são preditores de depressão e suicidalidade;
  • As características desenvolvimentais vão levar a depressão através do comprometimento das interações com os pares e com a irritabilidade;
  • Rastreamento de rotina para suicidalidade é necessário;
  • Promover satisfação social e incluir adversidade sociais nos planos de tratamento.

Confira os principais destaques da cobertura do BRAIN 2025!

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