VNI versus CNAF em pacientes pediátricos com insuficiência respiratória aguda
A bronquiolite viral aguda (BVA) consiste na doença do trato respiratório inferior mais frequente em lactentes e o principal motivo de hospitalização nessa faixa etária. Entre as poucas opções de tratamento de suporte baseado em evidências disponíveis para esta condição se encontra a terapia com cânula nasal de alto fluxo (CNAF), que ganhou relevância, principalmente, por proporcionar conforto e tolerabilidade, ter pouca necessidade de sedação e ser facilmente aplicada fora de Unidades de Terapia Intensiva Pediátrica (UTIP).
Estudos recentes demonstraram que a terapia com CNAF é superior à oxigenoterapia de baixo fluxo. Até o momento, entretanto, poucos ensaios clínicos randomizados (ECR) avaliaram a eficácia da CNAF versus ventilação não invasiva (VNI) por meio de pressão positiva contínua nas vias aéreas (continuous positive airway pressure – CPAP) e pressão positiva de dois níveis nas vias aéreas (bilevel positive airway pressure – BiPAP). Todavia, um estudo brasileiro recentemente publicado no BMC Pediatrics comparou a terapia com CNAF à VNI/Bipap em crianças com BVA que desenvolveram insuficiência respiratória.
Metodologia
Com a hipótese de que a terapia com CNAF não seria inferior à VNI, os pesquisadores brasileiros conduziram um ECR de não inferioridade, de centro único, entre 9 de fevereiro de 2021 e 3 de maio de 2023, no departamento de emergência e na UTIP do Hospital Municipal Infantil Menino Jesus (HMIMJ) em São Paulo.
A BVA foi definida, clinicamente, pela presença de sintomas do trato respiratório superior (coriza e espirros) e inferior (crepitação, uso de musculatura acessória, taquipneia, tosse e sibilância).
Foram incluídos lactentes com idade inferior a 2 anos admitidos por BVA que progrediram para desconforto respiratório leve a moderado durante a internação, isto é, com pontuação no escore de Wood-Downes-Férres (WDF) < 8 pontos.
Os critérios de exclusão foram: cardiopatia congênita cianótica ou repercussão hemodinâmica; desconforto respiratório grave (pontuação WDF ≥ 8 pontos); displasia broncopulmonar; doença hepática; doença neuromuscular; idade gestacional < 35 semanas; painel viral positivo para SARS-CoV-2; presença de traqueostomia; recusa dos pais a participar deste estudo e formulários não preenchidos.
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Os seguintes parâmetros foram registrados 0 h, 2 h, 6 h, 12 h, 24 h, 48 h, 72 h e 96 h após o início da CNAF ou VNI: fração inspirada de oxigênio (FiO2), pontuação no escore WDF, saturação periférica de oxigênio (SpO2) e sinais vitais. Para avaliar lesões do septo nasal, a escala de Fischer foi aplicada diariamente. Para a avaliação de sedação, foram aplicadas as escalas Comfort-Behaviour (Comfort-B) e a escala de agitação-sedação de Richmond (RASS). Os sedativos utilizados foram cetamina, clonidina, dexmedetomidina, lorazepam e metadona.
O início precoce da alimentação enteral foi recomendado, dependendo do julgamento clínico. A ingestão oral de líquidos ou sólidos foi permitida no grupo CNAF (particularmente durante o seu desmame), e seu início foi permitido dependendo do desconforto respiratório do paciente. No caso de lactentes em VNI, a dieta enteral foi obrigatoriamente administrada por meio de sondas naso ou orogástricas.
A intubação foi indicada em lactentes com insuficiência respiratória apesar de receberem terapia inicial. Os critérios para indicar falha da terapia CNAF/VNI e a necessidade de ventilação mecânica invasiva (VMI) foram:
- Dificuldade respiratória grave – pontuação WDF de 8-14 pontos;
- Frequência respiratória (FR) > 60 irpm (até 1 ano) ou > 40 irpm (1-2 anos); ou
- Frequência cardíaca > 160 bpm.
Resultados
Os pacientes foram alocados da seguinte forma:
- Grupo CNAF: 136 randomizados e 10 excluídos, n= 126; idade mediana: 3 meses (intervalo interquartílico [IIQ] 2-7);
- Grupo VNI: 132 randomizados e 6 excluídos, n= 126); idade mediana: 2,5 meses (IIQ 1-6).
O vírus mais isolado em ambos os grupos foi o vírus sincicial respiratório (VSR) (71,4% vs. 72%, CNAF e VNI, respectivamente).
Desfechos relevantes observados foram:
- A duração da sedação foi semelhante entre os grupos: CNAF 2 dias (IIQ 1-4) e VNI 3 dias (IIQ 2-4), p = 0,08;
- Medidas farmacológicas para sedação foram usadas mais significativamente no grupo VNI: 121 (96%) versus 54 (42,8%) do grupo CNAF, p<0,001;
- A necessidade de antibióticos foi maior no grupo VNI: 62 (49%) versus 49 (38%) no grupo CNAF, p<0,001;
- Tanto a CNAF quanto a VNI promoveram redução em FC e FR e, consequentemente, no escore WDF. Por outro lado, a relação SpO2/FiO2 da oximetria de pulso aumentou lentamente em ambos os grupos (p<0,0001);
- A duração da dieta enteral foi maior no grupo CNAF: 3 (2–4) versus 4 (2–5) dias no grupo VNI, p=0,012;
- Um total de 29/126 (23%) pacientes foi intubado no grupo CNAF e 37/126 (29%) no grupo VNI (p=0,25). Conforme o teste de Farrington-Manning, a diferença foi de 6,3% a favor da terapia CNAF (intervalo de confiança de 95% [IC95%] -4,5 a 17,1%, p<0,0001), considerando uma margem de não inferioridade de 15%;
- Não houve lesões nasais por pressão no grupo CNAF. No entanto, no grupo VNI, 11 pacientes apresentaram trauma nasal (estágio 1 ou 2 de Fischer).
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Conclusão
Os pesquisadores concluíram que a terapia com CNAF não é inferior à VNI em lactentes admitidos por BVA em insuficiência respiratória leve a moderada. Dessa forma, a CNAF também pode contribuir para reduzir o tempo de VMI, proporcionar uma diminuição no tempo de internação hospitalar e reduzir a necessidade de fármacos sedativos.
Comentário
Excelente estudo realizado no Brasil, fortalecendo as pesquisas na área de medicina intensiva pediátrica. Na prática, observo que ainda há pouco uso do CNAF, especialmente em unidades de emergência, mas também em UTIP, principalmente devido à falta desta tecnologia. No entanto, a CNAF parece ser uma interessante alternativa à VNI no manejo de lactentes com BVA e insuficiência respiratória leve a moderada, particularmente se considerarmos hospitais com recursos limitados. Parece se tratar de uma estratégia ventilatória mais acessível e menos complexa, sobretudo em localidades com escassez de leitos e que não sustentam o uso de tecnologias mais invasivas, o que poderia contribuir não somente para o conforto do paciente, mas também para um melhor gerenciamento de recursos no país.
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