Nos últimos anos, o uso da ultrassonografia (USG) à beira-leito (point-of-care ultrasound – POCUS) tem sido cada vez mais frequente globalmente e vem ganhando muito espaço também na pediatria. Aliás, é uma importante ferramenta para o diagnóstico de diversas condições abdominais. O POCUS abdominal apresenta algumas vantagens que o tornam um instrumento crucial para uso em emergências abdominais neonatais e pediátricas, fornecendo dados valiosos em tempo real e orientando intervenções terapêuticas, como, por exemplo, a paracentese. Destaca-se o fato de ser um exame não invasivo, facilmente disponível em muitos locais.
Em 2024, o European Journal of Pediatrics publicou uma revisão muito interessante sobre o tema, cujos pontos principais foram sintetizados em dois textos (parte 1 e parte 2). O presente texto consiste na parte 1, na qual abordamos a avaliação do abdome superior.
Avaliação do abdome superior (baço, estômago e fígado)
Podemos dividir o abdome superior em lados direito e esquerdo:
- Lado direito: contém o piloro, o duodeno e o lobo direito do fígado (que corresponde à região posterior direita);
- Lado esquerdo: contém o corpo do estômago e o lobo esquerdo do fígado. A região posterior esquerda corresponde ao baço.
Baço
- Transdutor recomendado: convexo (e setorial). Linear para análises detalhadas;
- Posição do paciente: prona, supina e decúbito lateral.
Condição | Achados no POCUS |
Esplenomegalia |
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Lesão esplênica |
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Fonte: Adaptado de Elsayed e Soylu (2024).
Estômago
- Transdutor recomendado: linear (alta frequência – para avaliação de parede ventral e piloro) e convexo;
- Posição do paciente: inicialmente supina. Manobras posicionais podem ser úteis (alteração para decúbito lateral direito ou esquerdo);
- Preparo do paciente: deve-se reduzir a quantidade de ar no estômago. Idealmente, o paciente deve iniciar o exame em jejum (alimentos podem ser oferecidos durante a avaliação, se indicado);
- Abordagem: o acesso posterior pode melhorar a avaliação de partes dorsais ou quando o gás prejudica a visualização;
- Indicações: principalmente em casos de vômitos (não biliosos) e presença de aspirado gástrico com sangue;
- Protocolo: Acesse o subxifoide, região mediana ou abdome superior esquerdo. Acesse o quadrante superior direito usando o lobo esquerdo do fígado como janela para avaliação de piloro. Localize a entrada ou saída gástrica na seção axial; siga na seção axial antes de girar o transdutor para o plano longitudinal, avaliando a junção gastroesofágica (entrada) ou o piloro (saída). Avalie refluxo ou hérnia intermitente em direção à cavidade torácica. Avalie também o piloro e sua função, observando a transição do conteúdo gástrico para o bulbo duodenal.
Saiba mais: POCUS: Impacto prático da ultrassonografia torácica entre doentes críticos
Condição | Achados no POCUS |
Estenose hipertrófica de piloro |
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Refluxo gastroesofágico |
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Fonte: Adaptado de Elsayed e Soylu (2024).
Fígado
- Transdutor recomendado: convexo (e setorial);
- Posição do paciente: supina ou decúbito lateral;
- Abordagens: ventral e lateral. A posterior também pode ser útil em algumas situações;
- Protocolo: O exame deve ser iniciado com movimento de varredura por todo o fígado, em cortes sagitais e axiais, seguindo o trajeto da veia porta e veias hepáticas, avaliando a vesícula biliar e, se indicado, adicionando o Doppler.
Condições patológicas frequentes |
Achados no POCUS |
Congestão hepática |
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Contusão hepática |
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Hematoma hepático |
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Gases venosos portais |
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Legenda: ECN – enterocolite necrosante; VCI – veia cava inferior; VH – veias hepáticas; SP – sistema porta.
Fonte: Adaptado de Elsayed e Soylu (2024).
Com relação à USG de abdome inferior (intestino, cavidade peritoneal e vasos sanguíneos abdominais) e de à USG renal e vesical, veja a parte 2.
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