O que pediatras precisam saber sobre TSRC em crianças segundo a ESPNIC?
Em novembro de 2023, a Sociedade Europeia de Terapia Intensiva Neonatal e Pediátrica (ESPNIC) publicou uma diretriz no European Journal of Pediatrics sobre Terapia de Substituição Renal Contínua (TSRC) em neonatos e crianças; quando indicar, como manejar, discutir as controvérsias e acompanhar os sobreviventes de Insuficiência Renal Aguda. Neste artigo, destacaremos as principais contribuições dessa diretriz.
Quais são as principais indicações de Terapia de Substituição Renal Contínua (TSRC)?
São: lesão renal aguda (LRA), sobrecarga hídrica > 10%*, remoção de substâncias tóxicas (ex. na insuficiência hepática com hiperamonemia refratária, uremia, erros inatos do metabolismo e intoxicações) e de mediadores inflamatórios como na sepse, hipercalemia grave refratária ao tratamento clínico.
A sobrecarga hídrica é mais comumente definida pela fórmula de Goldstein et al.:
% Sobrecarga hídrica = entrada de líquidos – saída de líquidos / peso corporal na admissão em terapia intensiva em kg × 100.
Ocorre um aumento de 6% nas chances de mortalidade para cada aumento de 1% na sobrecarga hídrica.
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Quando começar TSRC para sobrecarga hídrica?
Avaliar iniciar se a sobrecarga hídrica exceder 10% e os diuréticos não forem capazes de reverter ou manter o balanço hídrico adequado. Ressalta-se que essa é uma decisão sempre difícil, porque, embora haja uma associação de maior mortalidade nos pacientes que começaram a diálise com alta sobrecarga hídrica, a diálise não é isenta de complicações, principalmente em lactentes e crianças pequenas.
Qual é o melhor acesso vascular para hemodiálise?
Para diminuir a resistência ao alto fluxo sanguíneo, o cateter deve ser longo o suficiente para a extremidade atingir a junção cavoatrial superior se for uma acesso venoso alto, preferindo o acesso pela veia jugular interna direita por ter curso mais reto, melhorando o fluxo e diminuindo o risco de trombose venosa profunda (TVP), ou como 2ª escolha a veia femoral atingindo a veia cava inferior com a extremidade do cateter. Puncionar guiado por ultrassom.
Outra excelente escolha para neonatos ou lactentes é a veia braquiocefálica esquerda com acesso guiado por ultrassom por via supraclavicular ou infraclavicular, porque é uma veia de grande calibre e não colapsável.
Não exceder uma taxa de 45% de cateter para veia a fim de prevenir TVP.
Quais são os princípios físicos da terapia de substituição renal?
Os princípios que podem ser usados nessa terapia são:
- Convecção, que é a eliminação de fluido de ultrafiltração por conta de um gradiente hidrostático ao longo da membrana semipermeável chamado de “arrasto de solvente”;
- Difusão, que é a passagem de moléculas e fluido do sangue para o dialisado através do filtro conforme gradiente de concentração;
- Ultrafiltração, que é a passagem de líquido plasmático contendo solutos conforme o gradiente de pressão.
Qual é a melhor modalidade de terapia de substituição renal?
A melhor modalidade depende da indicação da diálise, idade do paciente, estabilidade hemodinâmica do paciente, possibilidade de acesso venoso/peritoneal e tipo de insuficiência renal (aguda ou crônica). Por isso, a seguir descrevemos as indicações, os prós e os contras de cada tipo de diálise.
A hemodiálise contínua ou a diálise peritoneal permitem remoção hídrica mais lenta, minimiza a troca de fluido e são preferidas em crianças graves com risco de hipotensão grave ou edema cerebral.
A diálise peritoneal é possível em neonatos, fácil de realizar sem necessidade de alta tecnologia, mais barata e não requer anticoagulação, entretanto tem risco de peritonite e impacto na parte respiratória ao aumentar a pressão intra-abdominal, não sendo possível em pacientes com cirurgia abdominal recente. Também tem baixa eliminação de moléculas pequenas e toxinas urêmicas, assim como não há previsibilidade de quanto fluido conseguirá remover.
A hemodiálise intermitente é usada em pacientes com necessidade de rápida eliminação de eletrólitos (ex. hipercalemia) ou toxinas, geralmente dura de 4 a 6 horas por dia, restringindo menos o paciente ao leito, requer pouca ou nenhuma anticoagulação. Contudo, requer acesso vascular, pode ocasionar hipotensão arterial e distúrbio eletrolítico.
Sobre anticoagulação em paciente em TSRC
Mencionam que a anticoagulação aumenta a longevidade do circuito de diálise, que está diretamente relacionada com a eficácia da TSRC, pois os circuitos de diálise tendem a coagular e levar a perda de sangue do paciente. As formas de anticoagulação mais comuns são com heparina não fracionada (mais usada em crianças) e enxoaparina (mais usada em adultos). Entretanto, a anticoagulação aumenta o risco de sangramento.
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Quando desmamar da diálise?
Desmamar quando o débito urinário aumenta, não há mais sobrecarga hídrica nem uso de aminas vasoativas, o que indica que o rim está recuperando sua função OU quando a TSRC não é mais condizente com o objetivo do cuidado.
Avaliar um dia sem diálise se o débito urinário for > 0,5 mL/kg/h com controle hídrico, ácido-base e eletrolítico adequados.
Vale a pena usar diuréticos para melhorar a recuperação da função renal ou para reduzir a duração da TSRC?
Essa diretriz não recomenda o uso de diurético com esses propósitos.
Como fazer o seguimento de crianças que precisaram de Terapia de Substituição Renal Contínua (TSRC)?
Devem ser acompanhadas por pediatra geral e avaliar encaminhar para nefropediatra por terem maior risco de: hipertensão arterial sistêmica, proteinúria, doença renal crônica, necessidade de procurar o sistema de saúde e mortalidade.
Conclusão
Essa diretriz traz importantes orientações, revisando a indicação, manejo e desmame de diálise. Ainda é um grande desafio fazer hemodiálise em Pediatria no Brasil, por ser uma terapia de alto custo, não disponível em muitos hospitais pediátricos e por termos dificuldade para obter acesso venoso adequado em lactentes/pré-escolares. E mesmo para fazer diálise peritoneal, dependemos da colocação do cateter de Tenckhoff pela Cirurgia Pediátrica. É importante lembrar que o paciente que demandou diálise requer seguimento por pediatra para avaliar se terá complicações renais e demandará acompanhamento em conjunto por nefropediatra.
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