Em Unidades de Terapia Intensiva Pediátrica (UTIP), a sedação de pacientes submetidos à ventilação mecânica (VM) requer um equilíbrio entre os riscos de sub e super sedação. A dexmedetomidina, um agonista α2-adrenérgico, pode reduzir o uso de opioides/benzodiazepínicos, mitigar a abstinência e o delirium, além de facilitar o desmame. Todavia, as evidências permanecem limitadas. O Intensive Care Medicine – Paediatric and Neonatal publicou, recentemente, uma revisão sistemática com metanálise que avaliou a eficácia e segurança da dexmedetomidina em comparação com agentes tradicionais em relação à adequação da sedação, carga sedativa, desfechos na UTIP, eventos adversos e efeitos em longo prazo.

Metodologia
O estudo, registrado no PROSPERO, incluiu ensaios clínicos randomizados (ECR) de pacientes pediátricos em VM invasiva (VMI) em UTIP, comparando dexmedetomidina intravenosa (IV) com outros sedativos ou placebo. Foram excluídos estudos sobre variações de dosagem, comparações de α2-agonistas ou outras indicações. Os pesquisadores conduziram buscas abrangentes em vários bancos de dados e registros de ensaios clínicos até 25 de janeiro de 2021, sem restrição de idioma: Medline, Embase, CINAHL, Cochrane CENTRAL, Web f Science, ClinicalTrials.gov e PICUtrials.net. A busca foi atualizada em 3 de julho de 2024.
Foram avaliados desfechos como: adequação da sedação, carga sedativa, delirium, abstinência, duração da ventilação, tempo de extubação, eventos adversos, tempo de internação e desfechos em longo prazo.
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Resultados
A revisão identificou 12 ECR (n=592 pacientes). A média de idade foi de 3,6 anos, sendo 51,7% do sexo masculino. Destes 592 participantes:
- 304 (51,4%) tinham diagnósticos clínicos e cirúrgicos não cardíacos;
- 258 (43,6%) tinham diagnósticos cirúrgicos cardíacos;
- 30 (5,1%) não tinham diagnóstico especificado.
Seis ECR relataram medidas de gravidade da doença, utilizando diferentes ferramentas de pontuação. Além disso, sete artigos (58,3%) incluíram exclusivamente pacientes em pós-operatório, dos quais quatro incluíram exclusivamente pacientes pós-operatórios de cirurgia cardíaca.
Os pesquisadores observaram que as análises combinadas demonstraram que a dexmedetomidina tem pouco ou nenhum efeito:
- Na duração da VMI (diferenças médias [DM] -2,2 h, intervalo de confiança de 95% [IC95%]-3,3, -1,1; certeza moderada);
- Na bradicardia clinicamente importante (razão de risco [RR] 1,42 [IC95% 0,45, 4,49]; certeza moderada); ou
- Na hipotensão clinicamente importante (RR 1,35 [0,48, 3,82]; certeza moderada).
Com relação ao delirium, a estimativa combinada de três ECR (n=126 participantes) que compararam dexmedetomidina a midazolam (n=2 ensaios) ou aos cuidados habituais (n=1 ensaio) mostrou que a dexmedetomidina pode reduzir o seu risco (RR 0,83, IC 95% 0,64 a 1,07; RD 97 a menos por 1000, IC 95% 205 a menos a 40 a mais; baixa certeza). Já com relação à síndrome de abstinência iatrogênica (SAI), três ensaios (n=163 participantes) avaliaram sua incidência usando a Withdrawal Assessment Tool-1 (WAT-1). Por fim, quando comparada a outros analgésicos, a dexmedetomidina teve um impacto incerto na retirada (RR 0,93, IC 95% 0,55 a 1,59; RD 20 a menos por 1000, IC 95% 126 a menos 165 a mais; certeza muito baixa).
Conclusão
Concluiu-se com os resultados acima que a dexmedetomidina provavelmente resulta em pouca ou nenhuma diferença na duração da VMI, no tempo de permanência na UTIP ou hipotensão e bradicardia clinicamente significativas. Entretanto, as evidências que avaliam o seu impacto sobre o delirium, a SAI e os desfechos em longo prazo são escassos.
O uso da dexmedetomidina em UTIP está se expandindo bastante, portanto, pesquisas futuras são necessárias para refletir as doses atualmente aplicadas na prática clínica e incluir desfechos clínicos e de longo prazo essenciais para o paciente. Por fim, os pesquisadores sugerem que uma lista de verificação específica para relatos (ou adaptação das listas de verificação de intervenção existentes) e um conjunto de desfechos essenciais para o desenho futuro de ensaios clínicos de analgesia possam ser benéficos.
Autoria

Roberta Esteves Vieira de Castro
Graduada em Medicina pela Faculdade de Medicina de Valença ⦁ Residência médica em Pediatria pelo Hospital Federal Cardoso Fontes ⦁ Residência médica em Medicina Intensiva Pediátrica pelo Hospital dos Servidores do Estado do Rio de Janeiro. Mestra em Saúde Materno-Infantil (UFF) ⦁ Doutora em Medicina (UERJ) ⦁ Aperfeiçoamento em neurointensivismo (IDOR) ⦁ Médica da Unidade de Terapia Intensiva Pediátrica (UTIP) do Hospital Universitário Pedro Ernesto (HUPE) da UERJ ⦁ Professora adjunta de pediatria do curso de Medicina da Fundação Técnico-Educacional Souza Marques ⦁ Membro da Rede Brasileira de Pesquisa em Pediatria do IDOR no Rio de Janeiro ⦁ Acompanhou as UTI Pediátrica e Cardíaca do Hospital for Sick Children (Sick Kids) em Toronto, Canadá, supervisionada pelo Dr. Peter Cox ⦁ Membro da Sociedade Brasileira de Pediatria (SBP) e da Associação de Medicina Intensiva Brasileira (AMIB) ⦁ Membro do comitê de sedação, analgesia e delirium da AMIB e da Sociedade Latino-Americana de Cuidados Intensivos Pediátricos (SLACIP) ⦁ Membro da diretoria da American Delirium Society (ADS) ⦁ Coordenadora e cofundadora do Latin American Delirium Special Interest Group (LADIG) ⦁ Membro de apoio da Society for Pediatric Sedation (SPS) ⦁ Consultora de sono infantil e de amamentação ⦁ Instagram: @draroberta_pediatra
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