Revisão narrativa aborda o que o pediatra precisa saber sobre ventilação mecânica
Uma interessante revisão narrativa foi publicada pelo periódico European Journal of Pediatrics, abordando um tema complexo, mas extremamente necessário: o que o pediatra precisa saber sobre ventilação mecânica (VM). O objetivo dos autores é dar uma visão geral da prática e dos desafios da VM que precisam ser considerados ao definir e titular as configurações do ventilador para atender às necessidades individuais de cada paciente pediátrico. Pontos relevantes do artigo se encontram sintetizados a seguir.
Breve histórico
O advento do uso da VM invasiva (VMI) marcou o início das Unidades de Terapia Intensiva (UTI) modernas, quando o anestesiologista Bjorn Ibsen tratou pacientes com insuficiência respiratória aguda (IRA) induzida por poliomielite por meio da administração de ventilação com pressão positiva (VPP) através de traqueostomia (TQT). O caso ocorreu em Copenhague, Dinamarca.
Ao longo dos anos, a tecnologia vem se aperfeiçoando e muito se sabe também sobre os efeitos colaterais da VMI. Dessa forma, é crucial avaliar sempre as necessidades individuais de cada paciente para que os riscos não superem os benefícios.
Definição
A VM consiste no fornecimento de pressão positiva através de um tubo endotraqueal (TET) oral ou nasal ou uma TQT.
Conceitos importantes
A compreensão de alguns conceitos é essencial para o manejo adequado da VM.
Conceito |
Definição |
Complacência |
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Elastância |
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VC |
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Pplat |
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ΔP |
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PEEP |
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Ppl |
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Plung |
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P0.1 |
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Disparos (triggers) |
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Recrutamento pulmonar |
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Leia também: Ventilação mecânica em pacientes com síndrome do desconforto respiratório agudo
Modos ventilatórios
Existem três formas diferentes de VM:
- Ventilação mandatória contínua (continuous mandatory ventilation – CMV) – todas as pressões são fornecidas pelo ventilador e não há possibilidade de respiração espontânea;
- Ventilação mandatória intermitente (intermittent mandatory ventilation – IMV) – respirações mandatórias intermitentes são fornecidas em intervalos definidos e, entre essas respirações mandatórias, o paciente pode respirar espontaneamente sem receber nenhum suporte;
- Ventilação espontânea contínua (continuous spontaneous ventilation – CSV) – todas as respirações são espontâneas e, portanto, geradas pelo paciente.
Além disso, há duas variáveis diferentes de controle:
- Volume controlado (VC);
- Pressão controlada (PC).
No total, há cinco modos ventilatórios distintos:
- VC-CMV;
- VC-IMV;
- PC-CMV;
- PC-IMV;
- PC-CSV.
Modo SIMV
A ventilação mandatória intermitente sincronizada (SIMV) é um modo IMV onde o ventilador fornece um número predefinido de respirações mandatórias por minuto enquanto tenta, ao mesmo tempo, sincronizar o fornecimento dessas respirações mandatórias com os esforços espontâneos do paciente.
Apesar de bastante utilizado como primeiro modo de VM em Unidades de Terapia Intensiva Pediátrica (UTIP), é propenso à assincronia, podendo trazer consequências, como o desconforto do paciente.
Controle de Volume Regulado por Pressão (PRVC)
O Controle de Volume Regulado por Pressão (Pressure Regulated Volume Control – PRVC) combina melhor os benefícios da ventilação por PC com o direcionamento de volume e tem sido utilizado em muitas UTIP.
Complicações da VM
Três importantes complicações da VM são lesão pulmonar induzida por ventilação (ventilation-induced lung injury – VILI), lesão pulmonar auto infligida pelo paciente (patient self-inflicted lung injury – P-SILI) e lesão diafragmática induzida por ventilação (ventilation-induced diaphragmatic injury – VIDD).
Lesão pulmonar induzida por VM (VILI)
Indica as alterações pulmonares fisiológicas e estruturais provocadas pela VM:
- Barotrauma: causada por altas pressões inspiratórias de pico (PIP) que culminam em aumento da permeabilidade microvascular e lesão pulmonar;
- Volutrauma: lesão ocasionada por VM com volume corrente (VC) suprafisiológico;
- Atelectrauma: inflamação pulmonar decorrente de atelectasia devido ao aumento da pressão na interface dos alvéolos abertos e fechados;
- Biotrauma: oriundo de estratégias ventilatórias não protetivas que cursam com atelectasia ou hiperdistensão, levando à resposta inflamatória.
Em pediatria, dados da literatura mostram que VC em torno de 8 mL/kg estão associados a menor mortalidade que valores em torno de 10 mL/kg.
Veja mais: WFPICCS 2024: Highlights em ventilação mecânica
Lesão pulmonar auto infligida pelo paciente (P-SILI)
A VM espontânea apresenta efeitos benéficos que incluem distribuição preferencial do VC em direção às regiões dorsais e bem perfundidas do pulmão, reduzindo a fração de derivação e, consequentemente, a inflamação. Entretanto, a respiração espontânea sustentada e extenuante, especialmente em vigência de lesão pulmonar grave, também pode contribuir para a lesão pulmonar, consistindo na P-SILI.
Lesão diafragmática induzida por ventilação (VIDD)
O miotrauma consiste em atrofia e lesão do diafragma e podem ocorrer por vários mecanismos (o mais bem estabelecido é a superassistência ventilatória). Em consequência, ocorre descarga excessiva do diafragma porque os esforços inspiratórios do paciente são fortemente reduzidos, o que gera a atrofia. Por outro lado, a carga excessiva do diafragma devido à assistência insuficiente do ventilador pode induzir a inflamação e lesão muscular aguda, culminando em um diafragma mais espesso.
A revisão menciona que alterações na espessura do diafragma estão associadas à sua contratilidade, à duração da VM e aos desfechos do paciente. O miotrauma também é decorrente de contração excêntrica do diafragma durante a expiração, modos de ventilação de dois níveis não sincronizados e assincronia paciente-ventilador (em especial a ciclagem prematura, o disparo reverso e o disparo ineficaz). Além disso, níveis altos de PEEP podem causar atrofia diafragmática longitudinal.
Dados referentes à VIDD têm aumentado em pediatria. Inclusive, é interessante destacar que alterações na espessura do diafragma ocorridas após 24 h de VM e a fração de espessamento do diafragma podem predizer o sucesso da extubação e a necessidade de ventilação não invasiva (VNI) prolongada pós-extubação.
Principais abordagens para limitar complicações associadas à VM
VILI |
Limitar Pplat |
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Limitar ΔP |
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Limitar VC |
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Ajustar PEEP |
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P-SILI |
Limitar VC |
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Evitar esforço intenso |
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Evitar disparos intensos (triggers) |
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VIDD |
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*Um exemplo desta tabela pode ser encontrado no link: https://rc.rcjournal.com/content/66/Suppl_10/3603412/tab-figures-data
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