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Pediatria12 outubro 2024

Revisão narrativa aborda o que o pediatra precisa saber sobre ventilação mecânica

Revisão narrativa publicada pelo European Journal of Pediatrics abordou o que o pediatra precisa saber sobre ventilação mecânica (VM).

Uma interessante revisão narrativa foi publicada pelo periódico European Journal of Pediatrics, abordando um tema complexo, mas extremamente necessário: o que o pediatra precisa saber sobre ventilação mecânica (VM). O objetivo dos autores é dar uma visão geral da prática e dos desafios da VM que precisam ser considerados ao definir e titular as configurações do ventilador para atender às necessidades individuais de cada paciente pediátrico. Pontos relevantes do artigo se encontram sintetizados a seguir.  

Breve histórico 

O advento do uso da VM invasiva (VMI) marcou o início das Unidades de Terapia Intensiva (UTI) modernas, quando o anestesiologista Bjorn Ibsen tratou pacientes com insuficiência respiratória aguda (IRA) induzida por poliomielite por meio da administração de ventilação com pressão positiva (VPP) através de traqueostomia (TQT). O caso ocorreu em Copenhague, Dinamarca.  

Ao longo dos anos, a tecnologia vem se aperfeiçoando e muito se sabe também sobre os efeitos colaterais da VMI. Dessa forma, é crucial avaliar sempre as necessidades individuais de cada paciente para que os riscos não superem os benefícios.  

Definição 

A VM consiste no fornecimento de pressão positiva através de um tubo endotraqueal (TET) oral ou nasal  ou uma TQT. 

Conceitos importantes 

A compreensão de alguns conceitos é essencial para o manejo adequado da VM. 

 

Conceito 

Definição 

Complacência 
  • Capacidade de distensão pulmonar 

Elastância 

  • Inversamente relacionada à complacência.  
  • Capacidade dos pulmões em resistir à distensão 

VC 

  • Volume corrente 
  • Quantidade de ar que é administrada aos pulmões durante cada ciclo respiratório, seja uma inspiração espontânea ou controlada pelo ventilador ——> volume de ar que entra e sai dos pulmões em uma única respiração 
  • Na VM,  precisa ser ajustado para garantir uma ventilação adequada sem causar lesão pulmonar 

Pplat 

  • Pressão de platô 
  • Reflete a pressão nos alvéolos (estática) quando o ar está nos pulmões, mas não está em movimento (estados de fluxo zero) 
ΔP  
  • Pressão de distensão ou Driving pressure 
  • Diferença entre a Pplat e a PEEP 
  • Pressão efetiva usada para inflar os pulmões durante cada ciclo respiratório na VM 
  • Essa pressão é crítica para entender a mecânica de ventilação e a prevenção de lesão pulmonar 

PEEP 

  • Pressão positiva no final da expiração (Positive end-expiratory pressure) 
  • Promove uma ventilação mais homogênea, evitando o colapso alveolar ao final da expiração 
  • Quando inadequadamente ajustada, pode causar depressão circulatória e contribuir para a VILI devido à sobredistensão alveolar durante a inspiração final, especialmente quando os limites de VC (volume corrente), Pplat e ΔP não são mantidos durante a seleção da PEEP 

Ppl 

  • Pressão pleural 
  • Pode ser aproximada medindo-se a pressão esofágica do paciente em VM 

Plung 

  • Pressão transpulmonar inspiratória final  
  • Distende os alvéolos e reflete o estresse pulmonar (força de retração experimentada pela área da unidade pulmonar esticada) 
  • Plung =  Pplat – Ppl 

P0.1 

  • Pressão de oclusão das vias aéreas 
  • Pressão negativa nas vias aéreas gerada pelo paciente durante os primeiros 0,1 segundos contra uma via aérea ocluída 

Disparos (triggers) 

  • Sensibilidade do ventilador para realizar a transição da expiração para a inspiração (impulsos respiratórios) 

Recrutamento pulmonar 

  • Aumento transitório intencional da pressão transpulmonar com o objetivo de reabrir alvéolos não ventilados ou mal ventilados.  
  • Tipos: suspiros, insuflação sustentada e titulação incremental da PEEP 

Leia também: Ventilação mecânica em pacientes com síndrome do desconforto respiratório agudo

Modos ventilatórios 

Existem três formas diferentes de VM: 

  1. Ventilação mandatória contínua (continuous mandatory ventilation – CMV) – todas as pressões são fornecidas pelo ventilador e não há possibilidade de respiração espontânea; 
  1. Ventilação mandatória intermitente (intermittent mandatory ventilation – IMV) – respirações mandatórias intermitentes são fornecidas em intervalos definidos e, entre essas respirações mandatórias, o paciente pode respirar espontaneamente sem receber nenhum suporte; 
  1. Ventilação espontânea contínua (continuous spontaneous ventilation – CSV) – todas as respirações são espontâneas e, portanto, geradas pelo paciente. 

Além disso, há duas variáveis diferentes de controle: 

  • Volume controlado (VC); 
  • Pressão controlada (PC) 

No total, há cinco modos ventilatórios distintos: 

  1. VC-CMV; 
  1. VC-IMV; 
  1. PC-CMV; 
  1. PC-IMV; 
  1. PC-CSV. 

Modo SIMV 

A ventilação mandatória intermitente sincronizada (SIMV) é um modo IMV onde o ventilador fornece um número predefinido de respirações mandatórias por minuto enquanto tenta, ao mesmo tempo, sincronizar o fornecimento dessas respirações mandatórias com os esforços espontâneos do paciente. 

Apesar de bastante utilizado como primeiro modo de VM em Unidades de Terapia Intensiva Pediátrica (UTIP), é propenso à assincronia, podendo trazer consequências, como o desconforto do paciente.  

Controle de Volume Regulado por Pressão (PRVC) 

O Controle de Volume Regulado por Pressão (Pressure Regulated Volume Control – PRVC) combina melhor os benefícios da ventilação por PC com o direcionamento de volume e tem sido utilizado em muitas UTIP.  

Complicações da VM 

Três importantes complicações da VM são lesão pulmonar induzida por ventilação (ventilation-induced lung injury – VILI), lesão pulmonar auto infligida pelo paciente (patient self-inflicted lung injury – P-SILI) e lesão diafragmática induzida por ventilação (ventilation-induced diaphragmatic injury – VIDD).  

Lesão pulmonar induzida por VM (VILI) 

Indica as alterações pulmonares fisiológicas e estruturais provocadas pela VM: 

  • Barotrauma: causada por altas pressões inspiratórias de pico (PIP) que culminam em aumento da permeabilidade microvascular e lesão pulmonar; 
  • Volutrauma: lesão ocasionada por VM com volume corrente (VC) suprafisiológico; 
  • Atelectrauma: inflamação pulmonar decorrente de atelectasia devido ao aumento da pressão na interface dos alvéolos abertos e fechados; 
  • Biotrauma: oriundo de estratégias ventilatórias não protetivas que cursam com atelectasia ou hiperdistensão, levando à resposta inflamatória. 

Em pediatria, dados da literatura mostram que VC em torno de 8 mL/kg estão associados a menor mortalidade que valores em torno de 10 mL/kg.  

Veja mais: WFPICCS 2024: Highlights em ventilação mecânica

Lesão pulmonar auto infligida pelo paciente (P-SILI) 

A VM espontânea apresenta efeitos benéficos que incluem distribuição preferencial do VC em direção às regiões dorsais e bem perfundidas do pulmão, reduzindo a fração de derivação e, consequentemente, a inflamação. Entretanto, a respiração espontânea sustentada e extenuante, especialmente em vigência de lesão pulmonar grave, também pode contribuir para a lesão pulmonar, consistindo na P-SILI. 

Lesão diafragmática induzida por ventilação (VIDD) 

O miotrauma consiste em atrofia e lesão do diafragma e podem ocorrer por vários mecanismos (o mais bem estabelecido é a superassistência ventilatória). Em consequência, ocorre descarga excessiva do diafragma porque os esforços inspiratórios do paciente são fortemente reduzidos, o que gera a atrofia. Por outro lado, a carga excessiva do diafragma devido à assistência insuficiente do ventilador pode induzir a inflamação e lesão muscular aguda, culminando em um diafragma mais espesso.  

A revisão menciona que alterações na espessura do diafragma estão associadas à sua contratilidade, à duração da VM e aos desfechos do paciente. O miotrauma também é decorrente de contração excêntrica do diafragma durante a expiração, modos de ventilação de dois níveis não sincronizados e assincronia paciente-ventilador (em especial a ciclagem prematura, o disparo reverso e o disparo ineficaz). Além disso, níveis altos de PEEP podem causar atrofia diafragmática longitudinal. 

Dados referentes à VIDD têm aumentado em pediatria. Inclusive, é interessante destacar que alterações na espessura do diafragma ocorridas após 24 h de VM e a fração de espessamento do diafragma podem predizer o sucesso da extubação e a necessidade de ventilação não invasiva (VNI) prolongada pós-extubação. 

Principais abordagens para limitar complicações associadas à VM 

 

 

 

VILI 

Limitar Pplat 

  • Até 28cmH2O  
  • ↑ elastância da parede torácica (obesos ou parede torácica rígida por edema): até 32cmH2O 
  • Estratégia mais facilmente atingida em PC 
Limitar ΔP 
  • <15 cmH2O 
  • Estratégia mais facilmente atingida em PC 
Limitar VC 
  • 6 mL/kg 

Ajustar PEEP 

  • Ajustar de acordo com uma tabela de combinações de PEEP e FiO2*. Posteriormente, individualizar o ajuste da PEEP equilibrando oxigenação e hemodinâmica. 

 

P-SILI 

Limitar VC 

  • Evitar VC >8 a 10 mL/kg em respiração espontânea 

Evitar esforço intenso 

  • Avaliar modo de ventilação espontâneo (para que o paciente assuma o controle total) 
  • Otimizar a sedação 
  • Testes diários de respiração espontânea para reduzir a duração da VM  
  • Revisão diária da capacidade do paciente de manter troca gasosa suficiente sem aumento do trabalho respiratório com suporte mínimo 

Evitar disparos intensos (triggers) 

  • P0,1 > 4–5cmH2O  

VIDD 

  • Equilíbrio entre ventilação excessiva e insuficiente 
  • Boa interação entre a demanda do paciente e o fornecimento do ventilador 

*Um exemplo desta tabela pode ser encontrado no link: https://rc.rcjournal.com/content/66/Suppl_10/3603412/tab-figures-data  

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Referências bibliográficas

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