A rabdomiólise caracteriza-se por necrose do músculo esquelético, com liberação de componentes intracelulares como a mioglobina para a corrente sanguínea. A apresentação clínica é variável, incluindo desde formas assintomáticas, identificadas apenas por elevação da creatinofosfoquinase (CPK), até a tríade clássica composta por fraqueza muscular, mialgia e urina escura (mioglobinúria). Além disso, podem ocorrer distúrbios hidroeletrolíticos, como hipercalemia, hiperfosfatemia e hipocalcemia, bem como lesão renal aguda (LRA). Ressalta-se, entretanto, que a tríade clássica está presente em menos de 10% dos casos, sendo a dosagem sérica de CPK um marcador mais sensível para a detecção de lesão muscular com potencial para evolução para rabdomiólise.
Desenho de estudo
Nesse contexto, foi conduzida uma revisão sistemática com meta-análise com o objetivo de identificar as etiologias, estratégias terapêuticas e desfechos clínicos da rabdomiólise em pacientes pediátricos. As buscas foram realizadas nas bases de dados PubMed, Cochrane Library, Web of Science, EMBASE e Google Scholar, incluindo estudos publicados em inglês até abril de 2025.
Foram excluídos relatos de caso, editoriais, resumos de congressos, estudos experimentais em animais, cartas ao editor, revisões de literatura, estudos com menos de 10 participantes e aqueles que abordavam exclusivamente critérios diagnósticos. Após avaliação criteriosa, quinze estudos observacionais retrospectivos, publicados entre 2000 e 2024 e conduzidos em centros únicos, foram incluídos na análise final.
Resultados e discussão: rabdomiólise pediátrica
A análise agrupada demonstrou que a etiologia infecciosa foi a causa mais frequente de rabdomiólise em crianças (40,6%; IC 95%: 33,5–48,2), com destaque para o vírus influenza, responsável por 62,8% dos casos infecciosos (IC 95%: 24,8–89,6). Esses achados são consistentes com revisões recentes de literatura, que apontam as infecções virais como um dos principais gatilhos de rabdomiólise na população pediátrica.
O trauma (19%; IC 95%: 15,5–23) e o exercício físico (14,7%; IC 95%: 6,5–30,2), por sua vez, configuraram-se como as etiologias subsequentes mais prevalentes, especialmente entre adolescentes. Outras causas, incluindo queimaduras, uso de medicações ou drogas, doenças metabólicas, miopatias, crises convulsivas e sepse, responderam por menos de 10% dos casos.
Em relação aos desfechos, a incidência de lesão renal aguda foi de 21,3% (IC 95%: 14,5–30,3), enquanto a de doença renal crônica foi de 1,1% (IC 95%: 0,7–2). Entretanto, houve heterogeneidade entre os estudos, com diferença de incidência conforme os critérios diagnósticos adotados para a rabdomiólise. Do ponto de vista fisiopatológico, a LRA está relacionada à obstrução tubular pela mioglobina, ao estresse oxidativo e à vasoconstrição renal mediada pela ativação do sistema renina-angiotensina-aldosterona. Já a progressão para DRC parece associar-se a episódios graves de LRA e à hipoperfusão renal prolongada.
A mortalidade agrupada entre crianças com rabdomiólise foi de 4,5% (IC 95%: 1,7–11,8). Quanto ao manejo, as principais intervenções terapêuticas descritas incluíram hidratação vigorosa, alcalinização urinária com bicarbonato de sódio ou manitol e, nos casos mais graves, terapia renal substitutiva.
Conclusão
Em resumo, o estudo realizado ratificou a etiologia infecciosa como a mais prevalente para rabdomiólise na pediatria e que, apesar da injúria renal aguda ser uma complicação comum, a evolução para doença renal crônica e a mortalidade são relativamente baixas. Esses achados sugerem um prognóstico geralmente favorável quando há suspeição diagnóstica precoce e suporte clínico adequado.
Autoria

Amanda Neves
Editora médica assistente da Afya ⦁ Residência de Pediatria pela Universidade Federal de Pernambuco (UFPE) ⦁ Graduação em Medicina pela UFPE
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